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Apenas 15 empresas transnacionais dominam o agronegócio no planeta

Vicente Pohl sobre a cultura moderna: pequenos se acostumaram comprar o adubo. Segundo ambientalista, estas corporações influenciam os governos do mundo todo, criando leis, favorecendo investimentos e pesquisas em torno dos pacotes que eles dominam, como o fornecimento de sementes e de adubos. Por Elton Rivas, da Revista Sina, publicada pelo 24Horas News – Notícias 24 Horas, www.24horasnews.com.br, 31/12/2007 – 15h15

Vicente Phol é um cidadão da Amazônia Brasileira. Nessa (por enquanto), imensa região do país, que o filósofo, mestre em educação e ambientalista passou a maior parte de sua trajetória profissional, numa jornada de compromissos e lutas ao lado de pequenos agricultores, ribeirinhos, quilombolas e outras populações tradicionais.

Foi através da Fase (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional), organização não-governamental voltada para a promoção dos direitos humanos e da economia solidária, que há 20 anos, esse gaúcho de nascimento aportou no estado que escolheu para viver e “adotou no coração”. Essa opção foi reconhecida no ano passado, com o título de Cidadão Mato-grossense.

Além do trabalho com a regional da Fase em Cáceres, Vicente também é um dos coordenadores do Formad (Fórum Mato-Grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento) e atua numa série de outras redes e articulações na busca por um Brasil mais sustentável e democrático.

O jornalista Elton Rivas bateu um papo com Vicente numa de suas breves passagens por Cuiabá, entre um evento e outro pela Amazônia afora e ouviu dele algumas inquietações e ponderações a respeito de uma mudança nos paradigmas de desenvolvimento do estado, sobre a agricultura familiar e outras questões ligadas à temática ambiental.

Sina – Vicente, qual a grande questão que está colocada hoje para a Amazônia brasileira?
Vicente – Sustentabilidade. Eu considero que a questão da sustentabilidade é a grande questão para o Brasil e para Mato Grosso. E ai nós precisamos compreender melhor. Muita gente fala em sustentabilidade, mas tem diferentes visões do que isso significa. Nós como sócio-ambientalistas compreendemos sustentabilidade da seguinte forma: Deve se aplicada em várias dimensões, econômica, ambiental, social, política e cultural. Para os grandes produtores que enxergam os recursos naturais apenas como recursos econômicos, a questão é outra. A preocupação deles é com quem vai pagar a conta pelas restrições ambientais e sociais decorrentes do modelo que eles adotaram.

Sina – Nessa perspectiva, a áreas de proteção ambiental são consideradas obstáculos ao desenvolvimento. Será que teremos de pagar para mantermos a Amazônia e o Cerrado longe das ameaças que os assolam hoje?
Vicente – É exatamente isso. Muitos grupos reivindicam o direito de destruir. Essa é uma política das mais mesquinhas que a gente pode ter. Dizer que para a gente não destruir alguém tem que pagar? Isso é um absurdo e precisamos romper com isso. Temos que encontrar meios de produzir sem causar o impacto ambiental. Existem muitos mitos na nossa sociedade que precisamos colocar abaixo. Um deles é dizer que hoje não se produz mais sem agrotóxicos, sem usar herbicidas, inseticidas e adubos químicos. Isso é uma mentira! Visite o assentamento Roseli Nunes em Cáceres e você vai encontrar 120 famílias produzindo hortaliças de forma totalmente orgânica sem usar adubo químico, sem usar um litro de veneno, sem usar inseticidas, fungicidas. E ai é só olhar a história da agricultura, nós temos registros de dez mil anos de história da agricultura e quantos anos que temos o uso de insumos químicos artificiais na agricultura? Cinqüenta anos! Ou seja, vivemos sem 9.950 sem isso e de repente se instala o mito de que é impossível produzir de outra forma.

Sina – Mas para os defensores desse modelo de agricultura, não é possível abdicar desses instrumentos disponíveis na atualidade. Como fica esse conflito que você apresenta?
Vicente – Precisamos deixar claro que o pacote tecnológico da agricultura hoje, na verdade favorecem pouco mais de uma dezena de grandes corporações do mundo que dominam o agronegócio no planeta. Não dá para pensar no tema a partir do interesse de quinze grandes empresas transnacionais, que influenciam os governos do mundo todo, criando leis, favorecendo investimentos e pesquisas em torno dos pacotes que eles dominam, como o fornecimento de sementes e de adubos, por exemplo. Cada vez mais, é passada pela mídia, a idéia de que não existe outra saída e isso nós temos que romper. Temos que disputar as idéias desse debate.

Sina – Vicente, para começar a disputa nesse debate… Quais as dificuldades para efetivar essa mudança?
Vicente – Hoje mesmo os pequenos produtores com os quais eu trabalho, se acostumaram comprar o adubo que antigamente o pai dele, o avô dele produzia na propriedade da família. Ele usava o esterco da galinha, da vaca, para adubar o solo.

Agora, acha mais fácil, mais cômodo carregar, pegar um saco de adubo na loja. Tem toda uma transferência de conhecimento, um conhecimento de uma tecnologia limpa que vai ficando para trás, vai sendo deixado de lado.

Veja só a questão das sementes. O caminho adotado pelas grandes corporações pra dominar mesmo o negócio da alimentação é através das sementes.

Sina – Controlando o acesso às sementes?
Vicente- Exatamente. Quinze grupos controlam o negócio no mundo. Mas os que controlam o que é plantado são cinco, seis grupos. Somando os que compram os produtos, as grandes cadeias são quinze no mundo. O que essas empresas e corporações decidirem define o rumo da atividade. No dia em que essas empresas tiverem seus interesses contrariados, eles suspendem o fornecimento das sementes e pronto: acabou a produção de Mato Grosso. Acaba!

Sina – Então, de certa forma somos reféns desses grupos econômicos transnacionais, sem pátria definida, que agem por conta própria, numa lógica que desconsidera até mesmo os interesses de países. São movidos por interesses de outra ordem.
Vicente – Nós estamos estruturando um sistema altamente perigoso, amarrando toda a nossa produção a esse lógica, a essas grandes corporações. Eu acho que isso nem o grande produtor esta percebendo na prática, no dia a dia. Isso é um risco enorme para a segurança alimentar. A insegurança alimentar que nós vivemos hoje é grande, só não é maior em função da agricultura familiar. É fundamental a diversidade na produção de alimentos, você tem várias opções, alternativas. Não depende da decisão de meia dúzia de empresas para ter produção ou não. Essas grandes corporações tem, a maioria delas, orçamentos maiores que muitos países. O poder político que está concentrado na mão dessas empresas é algo assustador.

Sina – E qual seria o caminho?
Vicente – A sociedade tem que apoiar a agricultura familiar. Somando a produção de pequenos produtores a coisa cresce e vira uma grande produção. Isso significa segurança alimentar para o país e para o mundo. Significa geração e distribuição de renda, não só no campo, mas também nas cidades. Assim, a gente foge da lógica perversa de que se o lucro não está satisfatório, não vou plantar.

Sina – Mas você não acha que essas informações precisam chegar de forma mais direta à população, ao grande público. O que está sendo feito no sentido de ampliar e democratizar esse debate?
Vicente – Bom, nós trabalhamos tanto no Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Formad), tanto no Grupo de Intercâmbio da Agricultura Sustentável (Gias) que eu também participo, com questão do modelo agrícola.

Temos realizado diversos fóruns, feiras e ocupamos espaços para debater com a sociedade esses temas, inclusive na mídia. Ao mesmo tempo, trabalhamos com os pequenos produtores para que eles não sigam essa lógica, esse modelo, mostrando a eles que isso é uma armadilha, que não gera independência para eles. Acreditamos e trabalhamos com projetos demonstrativos na linha da agroecologia, da agricultura sustentável, orgânica.

Sina – Essas linhas ultrapassam a questão da agricultura e abordam o desenvolvimento como um todo? Como é que eu, por exemplo, que vivo na cidade posso ser atraído para essa discussão?
Vicente – Sim. Como eu disse antes, a questão é muito mais ampla. A agroecologia, por exemplo, propõe uma ocupação mais democrática do território, uma relação mais harmoniosa com o ambiente. Nosso modelo do agronegócio é altamente concentrador de riqueza e multiplicador de desigualdade em todos os campos da vida humana. Ele expulsa as pessoas do campo, agride a natureza e impõe uma lógica perversa na sociedade, passando por cima não só das florestas, mas também de populações indígenas e tradicionais. Pra você ter uma idéia, fizemos um estudo relacionado ao plantio de soja em Sorriso. Concluímos que a cada 264 hectares de soja emprega-se uma pessoa. É um modelo que não precisa de gente para produzir, basta ter máquinas. Você pulveriza de avião, você tem uma plantadeira que substitui trezentos trabalhadores e por aí vai.

Sina – Mas e os tais 300 trabalhadores, para onde vão?
Vicente – Esse é o ponto. O nosso questionamento é pra onde que vai essa gente toda? Será que o produto final compensa mesmo? Sendo que a maioria dessas pessoas vai para as periferias das cidades, para os bolsões de pobreza. O problema deixa de ser rural e se torna urbano. Não tem como separar, não são coisas diferentes, fazem parte do mesmo processo. Esse é o modelo de sociedade que a gente quer? Queremos mais que isso! Queremos uma sociedade onde as pessoas estejam incluídas.

Veja bem, não estamos defendendo com isso o atraso, a não utilização da tecnologia na agricultura, que tudo tem que voltar a ser feito na enxada. Temos que inovar.

Sina – Mas essa mudança não passa somente pela tomada de consciência. Você acredita que a própria lógica capitalista também pode ser utilizada para inverter esse jogo? Pode se tornar uma aliada na preservação do meio ambiente ou da mudança desse modelo de desenvolvimento que você critica?
Vicente – Acredito. Por que a parte que mais dói em uma pessoa é o bolso, né? Já existem restrições de toda ordem para produtos retirados de forma ilegal ou predatória das florestas. Essas regras acabam influenciando os mercados e consequentemente, as pessoas acabam tendo que se adaptar para continuar no negócio.

Existem pressões internacionais e de opinião pública aqui mesmo no Brasil que acabam tendo um papel importante na mudança de comportamento daqueles que desrespeitam o meio ambiente. Agora, nós temos grandes produtores de soja orgânica, por exemplo. Inclusive o maior produtor é de Mato Grosso. Ele planta 1.600 hectares de soja orgânica. Quer dizer, isso é a primeira prova que esse pacote todo de inseticidas e suas variantes não é indispensável para a agricultura.

Sina – Você acredita que essa transformação aqui em Mato Grosso, passa pela mudança sutil, mas já uma mudança de postura adotada recentemente pelo governador Blairo Maggi em relação à questão ambiental?
Vicente – Sem dúvida. A ministra Marina Silva (Meio Ambiente) quando esteve em Cuiabá, no mês de agosto, disse assim: “Olha tem pessoas que há 30 anos já enxergavam os problemas ambientais e alertavam. Hoje, fico feliz pelas coisas estarem avançando”. Ela estava se referindo ao fato do governador assumir a existência de problemas ambientais em função da divulgação de dados sobre a mudança climática pela Sociedade Científica Internacional. Ele disse publicamente: “Agora acredito que existem problemas ambientais”.

Sina – É tarde demais?
Vicente – Não. Mas é preciso agir rápido. Nós já sabemos disso há muito tempo. Nós estamos convencidos que temos de enfrentar esse debate, precisamos encontrar meios de produzir sem destruir. Se temos a opção de produzir sem usar adubo químico, temos que ir por aí. Se existem possibilidades de valorizar modelos que preservem a biodiversidade, temos de investir neles. Ela (a biodiversidade) é uma aliada nossa. O agronegócio tem muitos impactos invisíveis. Enquanto o produtor joga um herbicida na área dele, ele não joga só ali. Quando chove aquilo vai para o rio, para o subsolo e vai matando em cadeia. Gera um monte de conseqüências, sociais e ambientais. Os lucros são privatizados, mas os prejuízos são socializados, atingem todo mundo.

Colaborou Fabiana Correa