Ciência, mídia social e a importância do jornalismo científico

Onde a ciência vive hoje: Estudo global revela o domínio das mídias sociais e a necessidade de defender o jornalismo com base em ciência
Por Henrique Cortez
Para que a ciência possa informar decisões individuais e coletivas, é fundamental que as pessoas tenham acesso a informações confiáveis e oportunidades para participar de discussões públicas sobre temas científicos.
Um novo estudo que abrange 71.922 entrevistados em 68 países oferece evidências comparativas essenciais sobre onde e como as pessoas encontram e comunicam sobre ciência.
Os resultados apontam para uma mudança global: o acesso à ciência está sendo moldado por fatores socioeconômicos e políticos, e, surpreendentemente, a fonte mais frequente de informação científica para a maioria das populações é a mídia social.
Este padrão ressalta a urgência de apoiar o jornalismo científico de qualidade para garantir que o público tenha acesso a informações verdadeiras e baseadas em evidências.
O domínio das redes e os contextos regionais
A descoberta de que as mídias sociais são o local onde as pessoas encontram informações relacionadas à ciência com mais frequência está em conformidade com pesquisas que mostram que essas plataformas são as fontes de informação mais usadas sobre vários assuntos, incluindo política e temas atuais, em diversos países.
As mídias sociais são particularmente importantes na Ásia Oriental e em vários países africanos, onde os entrevistados relatam encontrar informações científicas múltiplas vezes por semana.
Nesses contextos, as plataformas digitais podem substituir fontes alternativas mais caras ou menos disponíveis, como o jornalismo científico em jornais, museus ou zoológicos.
No entanto, o estudo também mostra que o sistema de mídia nacional é um fator determinante:
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Nos países escandinavos e de língua alemã, bem como na Bélgica e nos Países Baixos, a mídia tradicional tende a ser usada com mais frequência do que as mídias sociais. Estes países possuem sistemas de mídia democrático-corporativistas, caracterizados por alto grau de pluralismo e profissionalização, e subsídios extensivos à imprensa, o que cria condições favoráveis para a produção e o alcance de notícias relacionadas à ciência.
Pessoas em países de Baixo Produto Interno Bruto (PIB) também demonstram taxas substancialmente mais altas de exposição à informação científica nas mídias sociais. Isso sugere que a baixa prosperidade econômica não impede o acesso à informação científica, mas pode impulsionar o uso de fontes de informação menos caras, como as redes sociais, devido ao menor poder de compra do público e à menor oferta de notícias produzidas profissionalmente.
Outras formas de exposição à ciência, como museus, zoológicos e palestras públicas, são usadas com menos frequência globalmente. Contudo, em países onde a entrada para muitas dessas instituições é gratuita, como Austrália e México, a comunicação científica formal não fica muito atrás de outras formas de exposição, sugerindo que subsídios governamentais e filantrópicos podem efetivamente beneficiar a capacidade dessas instituições de promover o engajamento público com a ciência.
O risco da desinformação e o desafio da opinião mal informada
A primazia das mídias sociais como fonte de informação científica implica a urgência de implementar medidas para garantir que a informação seja verdadeira e que o conteúdo falso ou enganoso seja combatido.
O estudo revela um fator preocupante na comunicação sobre ciência: populações com menor escolaridade demonstram níveis mais altos de franqueza sobre ciência e maior disposição para discutir o assunto com outras pessoas. Isso corresponde a pesquisas sobre o efeito Dunning-Kruger, que sugere que indivíduos menos educados sobre questões científicas e que desconhecem essa deficiência (falta de conhecimento metacognitivo) são mais propensos a compartilhar suas opiniões.
Consequentemente, o discurso científico global pode estar, em certa medida, povoado por indivíduos com compreensão limitada da ciência. Isso carrega o risco de que afirmações imprecisas ou conhecimento superficial se espalhem mais facilmente, o que pode prejudicar a comunicação científica verdadeira e baseada em evidências.
É vital que os educadores foquem em componentes da educação que protejam contra a franqueza mal informada, como habilidades metacognitivas que ajudem as pessoas a refletir sobre os limites de seu próprio conhecimento.
Além disso, é importante que os stakeholders (cientistas, comunicadores e plataformas) trabalhem em conjunto para ativamente promover informações verdadeiras e combater o conteúdo falso.
O jornalismo científico como pilar da sociedade informada
Os resultados do estudo não apenas diagnosticam o cenário de exposição à ciência, mas também motivam o financiamento público e privado para o jornalismo científico.
O estudo encontrou evidências regionais de que o jornalismo de ciência é um pilar vital que precisa de sustentação:
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Regiões com baixa cobertura: Na Etiópia, por exemplo, a cobertura de ciência de qualidade pela mídia de notícias parece incapaz de atingir grandes partes da população. Os formuladores de políticas locais podem querer resolver esse déficit subsidiando o jornalismo científico em estações de TV federais e privadas, que estão entre as fontes de notícias mais confiáveis.
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Sistemas sob financiamento insuficiente: Os dados também legitimam esses subsídios na Finlândia, Alemanha, Suécia e Suíça, onde o jornalismo científico é subfinanciado, mas, de acordo com as descobertas, é uma fonte importante de informação científica.
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Ambientes de repressão: As dinâmicas em países como a República Democrática do Congo, onde a limitada capacidade dos jornalistas de trabalhar livremente está associada a menor exposição pública à ciência através da mídia de notícias, são preocupantes. Essas situações exigem ação dos profissionais de comunicação para defender o jornalismo científico e os esforços de engajamento público contra a opressão.
Em países onde jornalistas e acadêmicos ainda alcançam o público apesar da liberdade de imprensa e acadêmica limitadas (como na Índia e em Bangladesh), é crucial que recebam apoio estrutural contínuo para que possam continuar facilitando a tomada de decisões informadas e o engajamento público com a ciência.
Em suma, embora as mídias sociais sejam ferramentas úteis para o alcance semanal ou diário do público, elas sozinhas não garantem a qualidade da informação. O estudo enfatiza que a alta exposição à ciência (como vista em Bangladesh e Quênia) não deve ser um objetivo em si, pois as dietas de informação frequentemente contêm conteúdo falso ou polarizador.
Para garantir que a sociedade possa tomar decisões baseadas em ciência e exercer o direito humano à ciência, é imprescindível que formuladores de políticas e financiadores considerem os insights específicos de cada país para apoiar o jornalismo científico profissional, que atua como um filtro essencial contra a maré de informações e desinformações que circulam globalmente.
Analogia: Pense no jornalismo científico de qualidade como um sistema de navegação GPS verificado em um vasto oceano de informações (as mídias sociais). As redes sociais podem levá-lo a muitos lugares rapidamente, mas sem um mapa confiável (o jornalismo), o risco de naufrágio em águas perigosas de desinformação é muito maior. Apoiar o jornalismo é garantir que o GPS da sociedade esteja sempre calibrado e preciso.
Referência:
Mede, N. G., Cologna, V., Berger, S., C. Besley, J., Brick, C., Joubert, M., W. Maibach, E., Mihelj, S., Oreskes, N., S. Schäfer, M., van der Linden, S., Abdul Aziz, N. I., Abdulsalam, S., Abu Shamsi, N., Aczel, B., Adinugroho, I., Alabrese, E., Aldoh, A., … Alfano, M. (2025). Public Communication about Science in 68 Countries: Global Evidence on How People Encounter and Engage with Information about Science. Science Communication, 0(0). https://doi.org/10.1177/10755470251376615
Henrique Cortez, jornalista e ambientalista. Editor do EcoDebate.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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