Resíduos sólidos na Bahia: é hora de romper com o discurso do comodismo e com o “geocentrismo” da engenharia ambiental
Muitos gestores preferem aguardar a próxima mudança legal a assumir o desafio de implantar soluções de destinação adequada
Artigo de Daniel Marinho – Engenheiro Ambiental
A destinação final dos resíduos sólidos urbanos continua sendo um dos maiores desafios para os municípios baianos, em especial os de pequeno porte.
Dados de 2023 divulgados pelo IBGE, davam conta de que apenas 13,9% dos municípios da Bahia dispunham de aterros sanitários licenciados. Por sua vez, a Lei nº 14.026/2020, que ficou conhecida como Novo Marco Legal do Saneamento, estabeleceu que mesmo municípios pequenos deveriam pôr fim aos seus lixões no prazo limite de agosto de 2024.
Após mais de um ano do fim do prazo, pouco se avançou na prática. Ao analisar o tema, identifiquei dois discursos predominantes que considero preocupantes para o futuro da gestão de resíduos na Bahia.
Primeiro, verifiquei a narrativa política de que, nos municípios de pequeno porte, haveria carência de recursos financeiros para implantar a infraestrutura necessária à gestão adequada dos resíduos.
Essa justificativa tem servido, em grande medida, para sustentar sucessivas prorrogações de prazo. Não à toa, já tramitam no Congresso novos projetos de lei com esse objetivo. Um deles propõe por exemplo estender o prazo até 2030.
O desafio é que o prazo já foi estendido diversas vezes e, se a lógica permanecer, em 2030 estaremos novamente discutindo outra prorrogação — enquanto os lixões seguem ativos. A constante prorrogação dos prazos acaba por gerar um efeito colateral perverso: o comodismo.
Muitos gestores preferem aguardar a próxima mudança legal a assumir o desafio de implantar soluções de destinação adequada. Assim, perpetua-se um ciclo de inércia que mantém os lixões ativos e adia indefinidamente a superação do problema.
Por sua vez, percebo entre os próprios técnicos, a repetição de uma narrativa, que pode ser fruto da carência na formação. Confesso que já fui um dos que reproduziram esse discurso, pois me foi apresentado como consensual. Continuam a insistir e repercutir que aterros consorciados são a única solução para os municípios de menor porte. Isso ignora alternativas legal e tecnicamente viáveis, financeiramente acessíveis e de rápida implementação, como os aterros sanitários de pequeno porte.
O discurso técnico que insiste na exclusividade de grandes aterros consorciados acaba fortalecendo o discurso político de inviabilidade e fortalecendo o comodismo. Ao apresentar os consórcios como única solução viável, cria-se a impressão de que a solução está longe do alcance de municípios menores, reforçando a justificativa para sucessivas prorrogações de prazo.
A defesa exclusiva dessas grandes estruturas pode, paradoxalmente, ampliar os impactos ambientais: distâncias maiores para transporte dos resíduos elevam custos, aumentam as emissões e estão sujeitas ao risco próprio do transporte rodoviário; estruturas paralelas de transbordo também requerem atenção aos riscos ambientais e possuem custos elevados.
Esses desafios, levam prefeitos a desistirem da adesão ao consórcio — perpetuando a destinação irregular. É preciso reconhecer que o território baiano é diverso e que a solução precisa respeitar essa diversidade.
Enquanto engenheiro ambiental, não posso deixar de criticar o “geocentrismo” moderno da nossa categoria: uma tendência de olhar apenas para um modelo único, sem considerar realidades locais. Essa postura limita o debate e atrasa a construção de soluções adaptadas à escala municipal.
A Bahia precisa avançar, e isso passa por reconhecer que cada cidade tem condições específicas. O caminho não é repetir fórmulas, mas adotar múltiplas alternativas — aterros de pequeno porte, consórcios bem estruturados onde fizer sentido, valorização de recicláveis e incentivo à compostagem.
O fundamental é garantir que os resíduos tenham uma destinação final realmente ambientalmente adequada, e não apenas reproduzir discursos.
Se os estados vizinhos avançaram, a partir de soluções mais simples, a Bahia também pode.
Mas para isso, precisamos abandonar o “geocentrismo” e abrir espaço para uma engenharia ambiental que enxergue e faça enxergar soluções plurais, eficazes e viáveis.
Daniel Pedro Santos Marinho
Engenheiro Ambiental – IFBA, Mestre em Ciências Ambientais – UESB. Atuou como professor substituto do Instituto Federal da Bahia, campus Vitória da Conquista, no qual ministrou disciplinas como: Projetos de Aterros Sanitários, Avaliação de Impactos Ambientais e Gestão Integrada de Bacias Hidrográficas. Atualmente é analista ambiental do Instituto Mineiro de Gestão das Águas – IGAM.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
[ Se você gostou desse artigo, deixe um comentário. Além disso, compartilhe esse post em suas redes sociais, assim você ajuda a socializar a informação socioambiental ]