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O lado sombrio da economia verde: quando sustentabilidade gera desigualdade

 

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Iniciativas de sustentabilidade e economia verde podem deslocar comunidades locais e aumentar a desigualdade social no Brasil e no mundo em desenvolvimento

Por Henrique Cortez

Em um mundo cada vez mais preocupado com a sustentabilidade ambiental, a chamada “economia verde” tem sido apresentada como a solução para conciliar desenvolvimento econômico e preservação dos recursos naturais.

No entanto, à medida que essa nova economia se estabelece globalmente, é fundamental questionar: a quem ela realmente beneficia? A promessa verde está cumprindo seu propósito social ou apenas reproduzindo velhas desigualdades com uma nova roupagem?

A apropriação da terra em nome da sustentabilidade

O fenômeno da “apropriação verde” se tornou uma realidade alarmante nos países em desenvolvimento. A rápida tomada de terras e recursos em nome dos biocombustíveis, dos esquemas de compensação de carbono, das iniciativas de conservação e do ecoturismo está, paradoxalmente, forçando populações locais a abandonarem seus territórios tradicionais, aumentando a pobreza e aprofundando desigualdades sociais.

No Brasil, país com uma das maiores biodiversidades do planeta, comunidades tradicionais, povos indígenas e pequenos agricultores frequentemente se veem ameaçados por projetos que, sob o discurso da sustentabilidade, promovem uma nova onda de desapropriações.

A expansão de monoculturas para biocombustíveis no Cerrado e na Amazônia é um exemplo claro dessa contradição: enquanto se anuncia a redução de emissões de carbono, desmatam-se áreas nativas e deslocam-se comunidades locais.

O neocolonialismo verde

O que testemunhamos hoje se assemelha a uma nova forma de colonialismo, desta vez vestido de verde.

Os ecossistemas de países da África, Ásia e América Latina estão sendo “despojados de ativos” para gerar lucro, causando desapropriação entre usuários de terras e recursos que já vivem em situação de vulnerabilidade.

Na Guatemala, por exemplo, agências de conservação, empresas de ecoturismo e forças militares estão “protegendo” a Reserva da Biosfera Maia, transformando-a em uma “terra de férias temática”, enquanto excluem violentamente a população local que há gerações mantém uma relação sustentável com aquele território.

Na África Oriental e Austral, empresas estão reavaliando sistemas do solo e práticas agrícolas para o “biochar” (carvão vegetal utilizado como fertilizante), despossuindo agricultores e pastores de terras e recursos fundamentais para sua subsistência.

Quando o mercado dita as regras da sustentabilidade

Mecanismos baseados no mercado podem e devem contribuir para o desenvolvimento sustentável, construindo economias que não sejam apenas verdes na aparência, mas também justas em sua essência.

Para isso, é imprescindível incluir um envolvimento local significativo e consulta às comunidades afetadas, com base na transparência, responsabilidade e consentimento livre, prévio e informado.

No entanto, precisamos reconhecer que os mercados verdes não podem fazer tudo. Na pressa de reparar uma natureza danificada através de esquemas de comércio e compensação, as estruturas político-econômicas que causaram os danos em primeiro lugar não devem ser negligenciadas.

O problema não está apenas no modelo de produção, mas na lógica de acumulação que o sustenta.

O Brasil na encruzilhada verde

O Brasil ocupa uma posição central neste debate. Como potência ambiental global, o país tem sido palco de algumas das principais contradições da economia verde.

Os esquemas de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD e REDD+), por exemplo, têm mostrado evidências crescentes de desapropriação de usuários florestais locais de acesso vital a recursos, mesmo quando apresentados como soluções para preservar florestas.

Ao mesmo tempo, o potencial brasileiro para liderar uma transição verdadeiramente justa é enorme. O país tem a oportunidade de desenvolver modelos de governança ambiental que conciliem conservação e justiça social, valorizando o conhecimento tradicional e garantindo que as populações locais sejam beneficiárias diretas da economia verde.

Por uma economia verde genuinamente sustentável

A responsabilidade pela luta contra práticas insustentáveis em ambientes industrializados ricos não deve ser terceirizada através da financeirização de ecossistemas em outras partes do mundo. Se almejamos um desenvolvimento genuinamente sustentável, precisamos recapturar a natureza do alcance exclusivo do mercado, nutrindo e legitimando relações humano-ecológicas mais interconectadas.

Formas testadas e comprovadas de gestão do ecossistema local, baseadas em conhecimentos tradicionais, precisam ser valorizadas e incorporadas às estratégias de desenvolvimento.

Isso significa repensar a própria noção de crescimento econômico e reconhecer que a verdadeira sustentabilidade só será alcançada quando as dimensões social e ambiental receberem a mesma atenção que a dimensão econômica.

A economia verde não pode servir apenas para lavar a consciência dos países ricos ou criar novas fronteiras de acumulação capitalista. Ela deve representar uma genuína transformação em nossa relação com o planeta e entre nós mesmos, promovendo justiça ambiental e social em escala global.

Caso contrário, corremos o risco de testemunhar uma transição verde que, longe de resolver nossos problemas ambientais, apenas os transfere para os mais vulneráveis, perpetuando desigualdades sob a fachada da sustentabilidade.

É hora de exigir uma economia verde que seja verdadeiramente inclusiva, equitativa e regenerativa – para o planeta e para todos os seus habitantes.

Henrique Cortez, jornalista e ambientalista. Editor do EcoDebate.

 
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
 

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