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Artigo

O blá-blá-blá dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)

 

O blá-blá-blá dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), artigo de José Eustáquio Diniz Alves

O lento progresso na implantação dos ODS tornou muitos países mais vulneráveis durante a recente onda de crises

“Isso é tudo o que ouvimos por parte dos nossos líderes: palavras. Palavras que soam bem,
mas que não provocaram ação alguma” (…) “30 anos de blá-blá-blá dos líderes mundiais
e sua traição com as gerações atuais e futuras”. Greta Thunberg em atividade preparatória da COP26 em Glasgow, 2021

A Cúpula dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, ODS, ocorreu junto com a Assembleia Geral da ONU em meados de setembro de 2023. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável sucederam os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM) e foram propostos como resolução da Rio + 20, Conferência realizada em 2012, sendo elaborados após uma ampla consulta à comunidade internacional. No formato final ficaram constituídos por 17 objetivos, 169 metas e mais de 300 indicadores. De 25 a 27 de setembro de 2015, em Nova York, a Organização das Nações Unidas (ONU) realizou um encontro, com status de plenária de alto nível da Assembleia Geral, onde decidiu pela adoção dos ODS. A definição dos indicadores ficou sob responsabilidade da Comissão de Estatística da ONU.

Em 2015, a ONU completou 70 anos com três grandes eventos: 1) julho: Addis Abeba/Etiópia, reforma do sistema financeiro global e apoio ao desenvolvimento; 2) setembro: NYC, aprovação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e 3) dezembro: Paris, COP-21, para adotar um acordo global para conter o aquecimento global. Assim, na Agenda 2030 da ONU foram definidas cinco prioridades de importância crítica para a humanidade e para o meio ambiente, denominados os cinco P’s: Pessoas, Planeta, Prosperidade, Paz e Parcerias. Os 17 ODS e os 5 P’s estão representados na figura abaixo.

objetivos de desenvolvimento sustentável

Na data dos 70 anos da ONU, escrevi aqui no Ecodebate o artigo “Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS): boa intenção, grande ilusão” (ALVES, 11/03/2015) onde argumentei que, apesar das boas intenções e de uma lista ampla de objetivos realmente necessários, a concepção dos ODS tinha uma fraqueza, pois estava fundamentada no velho conceito do crescimento demoeconômico. Por um lado, o objetivo # 8.1 diz: “Sustentar o crescimento econômico per capita, de acordo com as circunstâncias nacionais e, em particular, pelo menos um crescimento anual de 7% do PIB nos países menos desenvolvidos”. Por outro lado, pouca coisa foi feita para alterar a situação da gravidez indesejada e suprir a falta de acesso aos métodos contraceptivos de grande parte da população mundial.

Agora em 2023 já se passou mais da metade do tempo da Agenda 2030. Os Estados-Membros da ONU decidiram que para acompanhar a implementação dos ODS deveria ser produzido, de 4 em 4 anos, um relatório para informar as deliberações quadrienais de revisão dos ODS (Cimeira dos ODS) na Assembleia Geral e que deveria ser escrito por um Grupo Independente de Cientistas nomeado pelo Secretário-geral.

O Relatório Global de Desenvolvimento Sustentável de 2019 – “O Futuro é Agora: Ciência para Alcançar o Desenvolvimento Sustentável” – foi o primeiro relatório preparado por um Grupo Independente de Cientistas. O Relatório de 2019 avaliou o progresso dos ODS e concluiu que as perspectivas não eram animadoras. Na trajetória 2015-2019 seria improvável alcançar os Objetivos até 2030. Em termos sociais, ficou inviável erradicar a pobreza extrema e a fome. Em termos ambientais, na prática, não houve avanço algum, mas só retrocessos e agravamento da crise climática e ambiental.

O Relatório Global de Desenvolvimento Sustentável de 2023, “Tempos de Crise, Tempos de Mudança: Ciência para Acelerar Transformações para o Desenvolvimento Sustentável”, é o segundo. Entre 2019 e 2023 o mundo passou pela pandemia da covid-19 e a invasão da Ucrânia pela Rússia. A principal conclusão é que o mundo não deve alcançar a maioria dos Objetivos até 2030. Apenas 12% das cerca de 170 metas dos ODS estão no caminho certo. Quase metade está moderada ou gravemente fora do rumo e cerca de 30% não registraram qualquer movimento ou ficaram abaixo da linha de partida de 2015, retrocederam.

A análise da tabela abaixo mostra uma tendência de agravamento em muitos dos Objetivos entre 2020 e 2023. A meta para acabar com a pobreza extrema (indicador 1.1.1), que viu progresso constante até 2018/2019, foi interrompida por uma série de crises recentes. Outros alvos estavam retrocedendo e continuam retrocedendo, incluindo a redução das emissões globais de gases de efeito estufa (13.2.2) e a prevenção da extinção de espécies.

Por exemplo, as alterações climáticas alimentaram flutuações nas unidades populacionais de peixes transfronteiriças e causam tensões internacionais e regionais. A crise climática está causando estresse hídrico e insegurança alimentar, alterando ecossistemas marinhos, terrestres e de água doce, prejudicando a biodiversidade, destruindo meios de subsistência e ampliando desigualdades. Estas perspectivas de agravamento, por sua vez, intensificam extremismo ideológico, alimentando tensões e conflitos.

O fato é que há um progresso insuficiente no caminho das metas do Desenvolvimento Sustentável. O lento progresso na implantação dos ODS tornou muitos países mais vulneráveis durante a recente onda de crises. Por exemplo, elevada desigualdade, falta de cuidados de saúde universais e redes de segurança social inadequadas deixou grupos vulneráveis ainda mais expostos. Falta recursos para as áreas sociais e ambientais, mas o mundo gasta mais de 2 trilhões de dólares em gastos de guerra e de destruição em massa.

estado atual das metas dos objetivos de desenvolvimento sustentável

Desta forma, o desenvolvimento sustentável virou um oxímoro e o tripé da sustentabilidade se transfigurou em um trilema. O “Ser humano” se transformou em “Ter humano”. O consumo virou uma religião, enquanto o modelo “Extrai-Produz-Descarta” está levando a humanidade rumo ao abismo climático e ambiental. Apesar das boas intenções, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável têm se mostrado incapazes de mudar o vício da dependência ao consumismo e a prática ininterrupta de destruição dos ecossistemas.

Com o aprofundamento da crise climática e ambiental, fica cada vez mais difícil cumprir a Agenda 2030 da ONU. O Secretário-geral da ONU, António Guterres, disse na abertura da Cúpula da Ambição Climática, em Nova York, no dia 20 de setembro de 2023, que o aquecimento global provocado pela atividade humana “abriu as portas do inferno”.

Portanto, existe uma grande distância entre intenção e gesto. A ativista sueca Greta Thunberg tem reclamado do excesso de blá-blá-blá e da falta de ações concretas da governança internacional. Não adianta procrastinar. O mundo precisa abandonar a “maquiagem verde”, mudar o modo de produção e consumo e necessita tomar ações efetivas para o planejamento do decrescimento demoeconômico visando trazer a Pegada Ecológica aos níveis da Biocapacidade global, evitando um grande colapso da civilização humana.

Referências:

ALVES, JED. Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS): boa intenção, grande ilusão, Ecodebate, RJ, 11/03/2015 http://www.ecodebate.com.br/2015/03/11/objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel-ods-boa-intencao-grande-ilusao-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/

ALVES, JED. O mito dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), Ecodebate, RJ, 23/09/2015

http://www.ecodebate.com.br/2015/09/23/o-mito-dos-objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel-ods-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/

ALVES, JED. O quintilema da Agenda 2030 da ONU, Ecodebate, RJ, 20/02/2017

https://www.ecodebate.com.br/2017/02/20/o-quintilema-da-agenda-2030-da-onu-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/

ALVES JED. Os 70 anos da ONU e a agenda global para o segundo quindênio (2015-2030) do século XXI. Rev. bras. estud. popul. [online]. 2015, vol.32, n.3, pp. 587-598.

http://www.scielo.br/pdf/rbepop/v32n3/0102-3098-rbepop-32-03-0587.pdf

MARTINE, G. ALVES, JED. Economia, sociedade e meio ambiente no século 21: tripé ou trilema da sustentabilidade? R. bras. Est. Pop. Rebep, n. 32, v. 3, Rio de Janeiro, 2015 (português e inglês)

http://www.scielo.br/pdf/rbepop/v32n3/0102-3098-rbepop-S0102-3098201500000027P.pdf

Figura. Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), Conexão ambiental

https://www.conexaoambiental.pr.gov.br/Pagina/Objetivos-de-Desenvolvimento-Sustentavel-ODS-0

Independent Group of Scientists appointed by the Secretary-General, Global Sustainable Development Report 2023: Times of crisis, times of change: Science for accelerating transformations to sustainable development, (United Nations, New York, 2023).

https://sdgs.un.org/sites/default/files/2023-09/FINAL%20GSDR%202023-Digital%20-110923_1.pdf

José Eustáquio Diniz Alves

Doutor em demografia, link do CV Lattes:

http://lattes.cnpq.br/2003298427606382

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in EcoDebate, ISSN 2446-9394

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