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A guinada conservadora e a necessidade de reconstrução de uma agenda ambiental eficaz

 

A guinada conservadora e a necessidade de reconstrução de uma agenda ambiental eficaz

Espera-se uma guinada progressista em direção a uma agenda ambientalmente prudente, socialmente inclusiva e justa e economicamente viável

Lucas Ferreira Lima1

Daniela Doms Godinho da Silva2

Em abril de 2017, foi publicado um artigo de opinião intitulado “A guinada conservadora e a falta de uma agenda ambiental eficaz”3. Em síntese, o artigo mostrou que “a falta de uma agenda nacional de preservação se agrava com a guinada conservadora, sem sinal algum de progresso”. De lá para cá, o temível cenário se concretizou.

É consenso para os cientistas climáticos e ativistas ambientais que as graves crises climáticas globais deste século estão sendo intensificadas pela ação direta do ser humano no planeta, o chamado “Antropoceno”.

Em 2022, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) divulgou um extenso relatório4 evidenciando o risco iminente à vida humana e a intensificação dos efeitos das mudanças climáticas devido às crescentes emissões de gases de efeito estufa (GEE). Vários portais de notícias5 conclamaram a população global a mudar drasticamente sua forma de vida e sua postura frente a essa realidade. Mas, no Brasil, o cenário foi diferente.

Uma pesquisa do Datafolha6 realizada em 2019 mostrou que aproximadamente 15% dos brasileiros eram negacionistas em relação às mudanças climáticas. Aparentemente, dentre eles estavam alguns membros do executivo, incluindo o ex-ministro do Meio Ambiente e o ex-presidente do Brasil7. Ademais, o alto escalão do governo Bolsonaro foi considerado, por muitos cientistas políticos e climáticos, o responsável direto pelos crescentes índices de desmatamento na Amazônia8, pelo desmantelamento dos órgãos de fiscalização ambiental9 e pelo desmonte da política ambiental nacional10. Exemplos concretos são apresentados a seguir.

orçamento do ministério do meio ambiente (mma) entre 2016 e 2021

Figura 1 – Orçamento do Ministério do Meio Ambiente (MMA) entre 2016 e 2021.

Fonte: Ministério do Meio Ambiente via Lei de Acesso à Informação (LAI)11. Análise realizada pela plataforma Achados e Pedidos12.

Vê-se, a partir da Figura 1, que o orçamento do MMA foi severamente reduzido entre 2017 e 2020 representando, aproximadamente, um corte de 24,5% do valor efetivamente liquidado. Os dados disponíveis do ano de 2021 mostram que o cenário não é de otimismo.

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que fiscaliza e monitora os biomas nacionais, também sofreu (e ainda sofre) com as patacoadas do governo Bolsonaro. Em termos de orçamento, o corte nos recursos previstos em lei foi de 31% no período 2016 a 2021, conforme Figura 2.

orçamento do ibama (2016 a 2021)

Figura 2 – Orçamento do Ibama (2016 a 2021)

Fonte: Painel do Orçamento Federal. Análise realizada pela plataforma Achados e Pedidos13.

Aliado aos cortes orçamentários, os servidores públicos da área ambiental acusaram o ex-ministro Ricardo Salles de perseguição e aparelhamento do Ibama e do MMA, e pediram, à época, sua exoneração14. O seu sucessor na pasta ambiental, executa estratégias semelhantes e o desmatamento e as queimadas continuaram crescendo em 202215.

Diante desse cenário, os autores deste artigo defendem a imprescindibilidade da reconstrução de uma agenda ambiental eficaz focadas nas seguintes políticas públicas já instituídas: 1) o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), com o objetivo de reduzir drasticamente os índices de desmatamento da Amazônia brasileira; 2) a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (PNPSA), para estimular e ampliar a conservação dos ecossistemas; 3) a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária (PNATER), com o intuito de capacitar os produtores rurais familiares; 4) a Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais, para dinamizar a produção de alimentos e cadeias produtivas familiares; e 5) a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO), com o objetivo de ampliar e dinamizar a produção de alimentos saudáveis, sem agroquímicos e com remuneração justa aos produtores rurais brasileiros.

A reconstrução de uma agenda ambiental eficaz é urgente e as autoridades ambientais escolhidas pela nova equipe do Governo Federal (gestão 2023-2026) se mostram, pelo menos até o momento, alinhadas com esse compromisso.

Espera-se, portanto, uma guinada progressista em direção a uma agenda ambientalmente prudente, socialmente inclusiva e justa e economicamente viável, preceitos defendidos pela Sociedade Brasileira de Economia Ecológica.

1 Pesquisador de Pós-doutorado no Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Membro da Diretoria Executiva da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica (gestão 2022-2023). Vice-líder do Grupo de Estudos em Economia Ecológica (GEECO). E-mail: lucaslima.eco@gmail.com.

2 Mestra em Geografia, Meio Ambiente e Desenvolvimento pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Membro da Diretoria Regional Sudeste da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica (gestão 2022-2023). Membro do Grupo de Estudos em Economia Ecológica (GEECO). E-mail: ddoms@hotmail.com.

4 IPCC. Disponível em: <https://www.ipcc.ch/report/ar6/wg2/>. Acessado em 16 de maio de 2023.

10 CLIMAINFO. Disponível em: <https://climainfo.org.br/2021/06/25/o-legado-antiambiental-de-ricardo-salles/>. Acessado em 16 de maio de 2023.

11 Os dados foram enviados pelo Ministério do Meio Ambiente em 01/03/2021. Os valores foram corrigidos pela inflação com base no mês de dezembro de cada ano. Em 2020, R$ 211.120.232,37 foram liberados posteriormente após aprovação legislativa e adicionados ao orçamento autorizado. *Os valores empenhados e liquidados em 2021 não foram incluídos porque prejudicariam a visualização do gráfico, já que não se referem ao ano inteiro. Disponível em: <https://public.flourish.studio/visualisation/5698432/>. Acessado em 16 de maio de 2023.

12 Achados e Pedidos é uma plataforma que reúne milhares de pedidos de acesso à informação de cidadãos e as respostas da administração pública feitas via Lei de Acesso à Informação (LAI). O projeto é realizado pela ONG Transparência Brasil e pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), e recebe financiamento integral da Fundação Ford. Disponível em: <https://www.achadosepedidos.org.br/>. Acessado em 16 de maio de 2023.

13 Os dados foram extraídos em 24/03/2021. Os valores de 2016 a 2020 foram corrigidos pela inflação com base no mês de dezembro de cada ano. Em 2020, R$ 110.056.938,48 foram posteriormente adicionados ao orçamento autorizado após aprovação legislativa. *Os valores empenhados e liquidados em 2021 não foram incluídos porque prejudicariam a visualização do gráfico, já que não se referem ao ano inteiro. Disponível em: <https://public.flourish.studio/visualisation/5675975/>. Acessado em 16 de maio de 2023.

14 Portal OECO. Associação de servidores pede exoneração do ministro Ricardo Salles. Disponível em: <https://www.oeco.org.br/salada-verde/associacao-de-servidores-pede-exoneracao-do-ministro-ricardo-salles/>. Acessado em 16 de maio de 2023.

15 Portal OECO. Desmatamento e queimadas em agosto expõem herança maldita de Bolsonaro. Disponível em:<https://www.oc.eco.br/desmatamento-e-queimadas-em-agosto-expoem-heranca-maldita-de-bolsonaro/>. Acessado em 16 de maio de 2023.

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in EcoDebate, ISSN 2446-9394

 

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2 thoughts on “A guinada conservadora e a necessidade de reconstrução de uma agenda ambiental eficaz

  • Estevan Bartoli

    Parabéns aos autores.
    Ótima reflexão.

    Acho que ainda falta o debate sobre o fenômeno urbano e as cidades. São processos e formas que medeiam territórios.

    Att

    Estevan Bartoli
    Universidade do Estado do Amazonas

  • Obrigado pelas gentis palavras, Estevan. Realmente, o fenômeno urbano e as cidades precisam ser melhor estudados e compreendidos.

    Abs,
    Lucas Lima
    UNICAMP

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