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Conservação do solo e degradação ambiental

 

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Conservação do solo e degradação ambiental, artigo de Juacy da Silva

“A degradação do solo devido às mudanças climáticas e à expansão da agricultura, das cidades e das infraestruturas prejudica o bem-estar de 3,2 bilhões de pessoas. É prejudicial à biodiversidade e possibilita o surgimento de doenças infecciosas, como a Covid-19. Restaurar terras degradadas removeria o carbono da atmosfera. Ajudaria as comunidades vulneráveis a adaptarem-se às mudanças climáticas. E poderia gerar US $ 1,4 trilhão de dólares extras na produção agrícola a cada ano”. António Guterres. Secretário-geral da ONU, 17/6/2021, por ocasião da celebração do Dia Mundial de combate à desertificação e `as secas

Por iniciativa do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) no dia 13 de Novembro de 1986, através da Lei 7.876, foi aprovada a criação do DIA NACIONAL DE CONSERVAÇÃO DO SOLO, a ser celebrado anualmente no dia 15 de Abril, com o objetivo de despertar a consciência nacional, principalmente por parte de governantes, da população em geral e dos setores agropecuário, florestal e de mineração, quanto `a necessidade de que o uso e ocupação do solo, principalmente rural, seja feita com sustentabilidade, justiça ambiental e justiça inter-geracional.

Só por ocasião da Assembleia Geral da ONU, em dezembro de 2013, que foi aprovada a criação do DIA MUNDIAL DE CONSERVAÇÃO DO SOLO, a ser comemorado anualmente, no dia 05 de Dezembro, a partir de 2014.

A preocupação com a conservação do solo, na verdade tem origem no mundo logo após o final da II Guerra, para enfrentar o problema da fome e no Brasil nos anos sessenta no bojo da chamada revolução verde, quando muitos cientistas passaram a demonstrar que é muito mais racional e saudável para o planeta e para o meio ambiente, elevar a produtividade por área ocupada do que promover a expansão das fronteiras agrícolas, que incentiva o desmatamento, as queimadas e a degradação dos solos e dos mananciais, cujas consequências são a erosão, a desertificação, a perda da fertilidade dos solos e o encarecimento dos alimentos, principalmente.

Para entender bem este binômio conservação do solo x degradação ambiental é fundamental colocá-lo em um contexto histórico, cultural e dos diversos sistemas produtivos e também das relações de trabalho e produção. Afinal, todos sabemos e entendemos o que significa a exortação do Papa Francisco quando afirma que “tudo está interligado”.

Assim, ao longo de séculos e milênios a relação da humanidade com a natureza foi muito mais de dominação e destruição do que de cuidado, respeito e racionalidade. Ao imaginar que a natureza poderia ser usada a bel prazer, ao longo de sucessivos estágios históricos e sistemas econômicos de produção e de relações de trabalho, de uma forma direta ou indireta o que movia o ser humano no planeta era a ganância e a busca de lucro fácil e rápido, pouco se importando com o rastro de destruição, o que hoje é denominado de “pegada ecológica”.

Neste processo irracional de exploração dos recursos naturais parece que ninguém imaginava e, lamentavelmente ainda muitos continuam utilizando esses mesmos modelos econômicos e sociais que deixam apenas destruição da biodiversidade, poluição das águas, dos mananciais, do ar e também dos solos e do subsolo, pouco se importando com as próximas gerações.

Falar para essas pessoas que imaginam que proteger o meio ambiente, a natureza, os territórios indígenas, as florestas são formas contrárias ao que definem como “progresso”, mas que na verdade são crimes ambientais e, de acordo com o Papa Francisco, na Encíclica Laudato Si, “um pecado ecológico”, tem se tornado quase que uma “pregação no deserto”.

Pior em tudo isso é quando autoridades e organismos públicos, que deveriam zelar pela saúde do planeta, em seus respectivos territórios, sejam países, estados, regiões ou municípios, simplesmente se omitem e compactuam com crimes ambientais, não agem para definirem políticas públicas, estratégias, planos, programas e ações que a um só tempo possam reduzir ou “mitigar” os efeitos deste processo de degradação ambiental e, também, recuperar o que foi destruído, se bem que isto além dos custos elevadíssimos ainda tem o aspecto de que as espécies vegetais , animais ou mesmo humanas (como diversos povos primitivos no Brasil) foram extintos jamais poderão retornar.

A preocupação com a questão de buscar um equilíbrio entre desenvolvimento e sustentabilidade, em todas as dimensões como a produção de alimentos para uma população mundial ainda em expansão, a questão da energia que ainda está baseada fundamentalmente em fontes sujas e altamente poluentes que são os combustíveis fósseis, o uso intenso dos solos e subsolo, destruindo recursos não renováveis ou com custos bilionários para sua recuperação, repito, esta preocupação com tais desafios é coisa relativamente recente, datam do início da década de 1970, quando da primeira Conferência Mundial sobre desenvolvimento e Meio ambiente, em 1972.

Foi a partir desta primeira conferência que o “alerta”, quanto aos danos que esses modelos econômicos estão produzindo sobre a saúde do Planeta Terra, que dezenas de milhares de cientistas passaram a ter vozes mais ativas, com suas descobertas quanto aos riscos que todas as formas de vida, inclusive a vida humano estão correndo.

Mesmo antes da publicação da Encíclica Laudato Si, quando o Papa Francisco unifica o pensamento da Igreja Católica quanto `a necessidade de todas as religiões e as demais organização tanto públicas quanto da sociedade civil organizada, já havia um certo consenso de que “tudo está interligado, nesta Casa Comum”, que é o planeta terra.

Sob a liderança da ONU, que, pelo menos teoricamente, representa todos os 197 países e territórios que congregam a população mundial, tem havido um esforço internacional, em alguns países e continentes de forma mais efetiva e em outros, como no Brasil, muito mais em discursos e no papel, para confrontar esses desafios.

Hoje, mais do que nunca, é perfeitamente conhecido que o desmatamento e as queimadas, enfim, a destruição das florestas, principalmente das florestas tropicais como na Pan Amazônia (e não apenas na Amazônia brasileira), na África e na Ásia, produzem um impacto no regime de chuvas e no clima ao redor do mundo; que a poluição urbana e industrial produzida pela China e demais países asiáticos, pelos países da União Europeia e outros países da Europa, da mesma forma que a degradação ambiental nos EUA, no Oriente Médio, na África, na Oceania ou da América Latina tem impactos globais e afetam o mundo todo, pouco importa a cor da pele, as religiões, o gênero das pessoas, os regimes políticos, das ideologias, pouco importa se democracias ou ditaduras, civis, militares ou religiosas, as consequências recairão sobre toda a humanidade.

E isto também é verdadeiro quando se refere `a questão da necessidade de conservação do solo ou seja, que os sistemas agropecuários, florestais ou de mineração precisam respeitar os limites da natureza, caso contrário o processo de degradação ambiental será cada vez pior e seus impactos devastadores tanto para a produção de alimentos e outras matérias primas necessárias `a produção de bens e serviços, para atender as necessidades e aspirações de uma população mundial ainda crescente que atualmente (2023) já supera mais de oito bilhões de pessoas e que em 2030 será de 8,5 bilhões de habitantes e em 2050 em torno de 9,7 bilhões e dentro  de    décadas, em 2080, deverá atingir 10,4 bilhões de pessoas.

Todavia, por mais que o crescimento demográfico pressione os sistemas produtivos, nada justifica que esses sistemas ignorem os limites do planeta e os riscos que formas irracionais de relações do ser humano com a natureza podem provocar, tornando a vida humana extremamente complicada, como o que está previsto em relação ao aquecimento global e `as mudanças climáticas.

Ao longo das últimas sete décadas, desde a 1ª. Conferência Mundial do Desenvolvimento e meio ambiente, em 1972 em Estocolmo, na Suécia, passando pela ECO-92, no Rio de Janeiro, depois a RIO +20, todas as Conferências Mundiais do Clima, a Carta da Terra, os Acordos de Kyoto e de Paris, a ONU tem feito um grande esforço para que todos os países e territórios pautem os processos de desenvolvimento pela sustentabilidade, pela justiça social, por relações de trabalho que respeitem os direitos dos trabalhadores e pelo respeito `a natureza.

Foi com esta preocupação que a ONU também estabeleceu os Objetivos do Milênio, que vigoraram do ano 2000 ate 2015, quando foram expandidos e substituídos pelos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, a vigorarem até 2030, marco este denominado de Agenda 2030.

Além disso, também a ONU aprovou que entre 2011 e 2020 fosse a Década da Biodiversidade, incluindo também um Plano Estratégico de Ações para a referida década; que 211 fosse o Ano Internacional das Florestas; que 2015 (ano da aprovação do Acordo de Paris) seria o Ano Internacional dos Solos e por ocasião do Dia Mundial de combate `a desertificação e `as secas, foi aprovada a Convenção Internacional para o combate a essas duas formas de degradação ambiental e dos solos.

Bem mais recente, por ocasião das comemorações do Dia Internacional do Meio ambiente em 2021, foi aprovada a DÉCADA DA RESTAURAÇÃO DOS ECOSSISTEMAS DEGRADADOS, a vigorar de 2021 até 2030, com uma meta ambiciosa de recuperar 350 milhões de hectares (ha) de áreas degradadas, de um total de mais de dois bilhões de ha de áreas degradadas ao redor do mundo, dos quais 140 milhões de ha estão no Brasil.

Desde o início de 2000, todos os países, inclusive o Brasil vem se comprometendo com a ONU, por ocasião de conferências mundiais, fóruns e convenções internacionais a cuidarem melhor do meio ambiente, em todas as suas dimensões, estabelecendo objetivos e metas nacionais, que passam a ser incluídos/incluídas em seus planos nacionais de desenvolvimento.

Desnecessário se torna dizer que a maior parte desses compromissos fica só no papel, nos discursos e cerimônias oficiais, algumas com muita pompa, mas longe de serem inseridos nos planos e orçamentos nacionais, regionais e locais e, enquanto isso, a degradação ambiental, a poluição, o desmatamento, as queimadas, as erosões, a contaminação das águas, o uso abusivo dos agrotóxicos continuam presentes no dia a dia ao redor do mundo.

Dados de diversas instituições de pesquisa como a FAO, a Embrapa e universidades ao redor do mundo, tem demonstrado que a erosão elimina entre 25 a 40 bilhões de toneladas de solos férteis por ano, reduzindo sensivelmente a produtividade agropecuária e aumentando consideravelmente os custos de produção e os preços dos alimentos.

A erosão afeta 68 milhões de ha anualmente no mundo, o que representa 4% dos solos férteis do planeta. Se nada for feito e, com urgência, dentro de 3 ou 4 décadas a produção de alimentos será afetada de forma muito grave, inclusive no Brasil, principalmente na Amazônia que é caracterizada por solos extremamente frágeis.

Relatório do Ministério do Meio Ambiente do Brasil, por ocasião do 9º Simpósio de Recuperação de áreas degradas em nosso país, em 2015, estimava que essas áreas representam 140 milhões de ha, das quais 69 milhões de ha eram de pastagens degradadas. Esses dados podem ser projetado como tendo aumentado em, pelo menos, mais 10% ou 15%, o que demonstra que estamos diante de um enorme desafio e de uma catástrofe anunciada.

O Brasil tem uma área de solos degradados maior do que toda a área ocupada com lavoura em 2022/2023 que, segundo a CONAB é de 77 milhões de ha nesta safra de 2022/2023, ou seja, as terras degradadas no Brasil representam praticamente toda a área agrícola ocupada, enquanto á area de pastagens é de 159 milhões de ha, das quais 69 milhões de ha eram degradas em 2015, podendo chegar a 80 milhões na atualidade.

Portanto, poderíamos o resto deste ano para refletirmos o que tudo isso significa e buscarmos novos modelos mais racionais de produção que respeitem e conservem melhor os solos.

Se nada disso for feito, este será mais um capítulo do processo de degradação ambiental que está ferindo de morte o Planeta terra, onde e no qual o Brasil ocupa um lugar de destaque, lamentavelmente.

JUACY DA SILVA, professor universitário titular e aposentado Universidade Federal de Mato Grosso, sociólogo, mestre em sociologia, ambientalista. Email profjuacy@yahoo.com.br Instagram @profjuacy

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in EcoDebate, ISSN 2446-9394

 

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