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Por que o decrescimento demográfico da China é inexorável?

 

Por que o decrescimento demográfico da China é inexorável? artigo de José Eustáquio Diniz Alves

“Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria”
Machado de Assis (Memórias póstumas de Brás Cubas)

A população da China já começou a diminuir em 2023, ano em que a Índia passará a ser o país mais populoso do mundo. O decrescimento demográfico na China no século XXI será um fato inexorável. E pode ser um processo ótimo para a sociedade e o meio ambiente.

A China sempre foi o país mais populoso do mundo, desde tempos imemoráveis. Mas iniciou um processo de diminuição da população a partir de 2023 e haverá uma redução significativa ao longo do século XXI. A única dúvida que pode existir é sobre o tamanho do decrescimento.

O gráfico abaixo mostra a população da China de 1950 a 2022 e a projeção média da Divisão de População da ONU até 2100. A população chinesa era de aproximadamente 500 milhões de habitantes em 1950 e ultrapassou 1,4 bilhão na década passada. Mas o ano de 2023 marca uma data histórica na demografia mundial, pois, pela primeira vez em milhares de anos, a China deixará de ser o país mais populoso do mundo, pois será superado pela Índia em número de habitantes.

Entre 2023 e 2100 a China deve perder mais de 650 milhões de habitantes, mas poderá ter progresso social e ambiental. Só os pronatalistas mais fanáticos podem considerar a redução populacional um fenômeno inerentemente ruim.

população total da China

 

A China fez o seu primeiro censo demográfico (da Era moderna), em 1953, e registrou 582,6 milhões de habitantes no censo de 1953. Naquele momento, o número de nascimentos anuais na China estava em torno de 20 milhões. Na época do “Grande Salto para Frente” (1958 e 1961) houve uma grande crise de mortalidade (cerca de 30 milhões de óbitos) e uma redução momentânea no número de nascimentos. Mas logo em seguida houve uma recuperação da taxa de natalidade e o número de nascimentos chegou a 30 milhões ao ano. No restante da década de 1960, durante a Revolução Cultural, o número anual de nascimentos ficou acima de 25 milhões. Mao Tsé-tung achava que uma população grande era mais impactante do que uma bomba atômica e dizia: “quanto mais chineses, mais fortes seremos”.

Contudo, com a população chinesa chegando a 1 bilhão de habitantes, o presidente Mao se convenceu que algo deveria ser feito para evitar a continuidade da “explosão demográfica”. Assim, foi lançada a política “Mais Tarde, Mais Tempo e em Menor Número” (em chinês: “Wan, Xi, Shao” e em inglês: “later, longer, fewer”) que incentivava as mulheres a terem o primeiro filho em idades mais avançadas, que mantivessem um espaçamento maior entre os filhos e que limitasse o tamanho da prole, adotando um tamanho pequeno de família.

A política “Wan, Xi, Shao” foi um sucesso e, em pouco tempo, o número anual de nascimentos ficou abaixo de 20 milhões e a taxa de fecundidade caiu de pouco mais de 6 filhos por mulher no final da década de 1960 para cerca de 3 filhos por mulher no final da década de 1970. Porém, no bojo das reformas implementadas por Deng Xiaoping em dezembro de 1978, foi instituída a “Política de filho único”, a iniciativa controlista mais draconiana da história da humanidade.

Passado o efeito da estrutura etária (que tinha alta proporção de mulheres em período reprodutivo), o número anual de nascimentos começou a cair e ficou em torno de 16 milhões de bebês, espantando de vez a possibilidade de um crescimento desregrado da população. Neste novo contexto, o governo chinês colocou fim à política de filho único. Em outubro de 2015, foi permitido a todos os casais terem o segundo filho e, em 2018, foram eliminadas as restrições ao controle dos nascimentos.

O gráfico abaixo mostra a taxa de fecundidade total e o número de mulheres em idade reprodutiva (15-49 anos) entre 1950 e 2100. A taxa de fecundidade caiu muito entre 1970 e 2020, mas o número de filhos continuou relativamente alto porque o número de mulheres em período reprodutivo estava crescendo. Mas a TFT teve uma queda muito grande durante a pandemia, em um momento que o número de mulheres em idade reprodutiva também se reduzia.

Portanto, estes dois indicadores explicam o porquê a população chinesa começou a decrescer em 2023. O número de mulheres de 15-49 anos passará de cerca de 350 milhões atualmente para pouco mais de 100 milhões em 2100, enquanto a TFT permanecerá abaixo do nível de reposição. Isto torna o decrescimento uma tendência inexorável.

taxa de fecundidade total e o número de mulheres em idade reprodutiva na China

 

O gráfico abaixo mostra o número de nascimentos e mortes na China entre 1950 e 2100. Nota-se que o número de nascimentos superou o número de óbitos entre 1950 e 2022. Mas entre 2023 e 2100 o número de óbitos será superior ao número de nascimentos e a variação vegetativa será negativa. A China deve perder cerca de 11 milhões de habitantes por ano entre 2050 e 2070 e cerca de 650 milhões de habitantes nos próximos 78 anos. Evidentemente, esta tendência poderá ser minorada se houver um grande fluxo imigratório. Porém, as projeções da Divisão de População da ONU indicam que o saldo migratório da China deve continuar negativo no restante do século XXI.

número de nascimentos e mortes na China

 

A população chinesa de 15 a 64 anos chegou a 1 bilhão de habitantes entre 2010 e 2015 e deve cair para cerca de 400 milhões em 2100. É uma queda impressionante. A mídia internacional tem repercutido o início deste decrescimento populacional da China com alarde e dizendo que haverá um “colapso demográfico” no gigante asiático. Todavia, como mostrei no artigo “Colapso demográfico da China ou oportunidade para a prosperidade social e ambiental?” (Alves, 25/01/2023), uma população menor e com melhores níveis educacionais a economia da China pode ser tornar mais saudável e mais rica: “A China poderá ser uma potência econômica e social aproveitando o 1º bônus demográfico (bônus da estrutura etária), o 2º bônus demográfico (bônus da produtividade) e o 3º bônus demográfico (bônus da longevidade)”.

Por exemplo, a população em idade ativa (PIA) chinesa já está diminuindo desde 2013, mas o PIB chinês deve crescer 5% em 2023, enquanto a PIA brasileira continua crescendo, mas o PIB brasileiro não deve passar de 1% em 2023”.

Dois artigos do jornal chinês Global Times, mostram que a China está em busca do 2º e do 3º bônus demográficos. Artigo de Du Qiongfang (Global Times, 08/02/2023) fala sobre a queda da fecundidade e o decrescimento populacional na China e considera que o crescimento negativo da população continental não significa que o bônus (ou dividendo demográfico) da China chegou ao fim: “O impacto do crescimento negativo da população nos recursos socioeconômicos e ambientais é essencialmente neutro, uma vez que a qualidade geral da população da China, especialmente em termos de educação, está crescendo rapidamente, para que a China possa manter um desenvolvimento econômico estável e sustentável, melhorando a qualidade do trabalho e aproveitando a oportunidade da revolução tecnológica para aumentar a produtividade, apesar da diminuição geral dos recursos trabalhistas, disse Peng Xizhe, diretor do Centro de Estudos Populacionais e de Desenvolvimento da Universidade Fudan. Especialistas chineses apontaram que o dividendo demográfico da China continuará a fornecer uma forte força motriz para a economia doméstica e grandes oportunidades”.

Artigo de Du Qiongfang (Global Times, 20/10/2022) mostra que um relatório do 20º Congresso Nacional do PCC disse que a China buscará uma estratégia nacional proativa em resposta ao envelhecimento da população. Também relata uma pesquisa de 2022, que mostra que 68% dos idosos entrevistados na China pretendem retornar ao local de trabalho após a aposentadoria, enquanto 30% dos entrevistados dizem sofrer pressão econômica.

Especialistas disseram que é um fenômeno normal e benéfico, dado o lento crescimento das pensões nos últimos anos e a escassez de mão de obra em alguns setores. O relatório da pesquisa sobre o emprego pós-aposentadoria de idosos revela que 34,4% dos idosos que procuram emprego desejam subsidiar seus gastos familiares por meio de reemprego ou aumentar sua renda familiar para atender às demandas de consumo mais altas.

Desta forma, o decrescimento demográfico chinês pode ser bom para a economia e pode gerar um florescimento do meio ambiente, com menor Pegada Ecológica e incrementos na Biocapacidade do país. A China é o maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, além de grande consumidor de serviços ecossistêmicos, gerando grande degradação ecológica.

Com uma população menor, com avanços na produção mais sustentável e com o fim do crescimento desregrado do PIB, a China poderá dar uma grande contribuição para o mundo na proteção da natureza, evitando um colapso ambiental global cada vez mais provável no ritmo atual. O decrescimento demográfico é inexorável. Mas, com esforço e sabedoria, a China pode colher progresso social e ambiental diante da nova dinâmica demográfica.

Como escreveu Vegard Skirbekk (Wired, 19/01/2023): “A baixa fecundidade representa não apenas desafios para a China, mas também oportunidades. A baixa fecundidade e o encolhimento da população podem reduzir a superpopulação e o esgotamento de recursos, facilitando o cumprimento das metas climáticas e a redução da poluição. A baixa fecundidade facilita a redução da pobreza porque mais recursos podem ser investidos em cada criança nascida.

O aumento da competição por mão de obra poderia potencialmente melhorar os salários e as condições de trabalho. A baixa fecundidade também dá às mulheres a liberdade de investir seu tempo, energia e talento em outras coisas além da maternidade, ajudando assim a melhorar a posição das mulheres na sociedade. Uma população mais velha também pode contribuir para menos violência e menor volume de crimes”.

Em síntese, a desaceleração da China apresenta ao país e ao mundo uma chance de administrar um decrescimento que inevitavelmente virá, mais cedo ou mais tarde. É uma chance de identificar e aproveitar as oportunidades, minimizando os danos da desigualdade social e da degradação ambiental.

José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382

Referências:

ALVES, JED. Envelhecimento populacional e terceiro bônus demográfico na China, Ecodebate, 15/09/2021 https://www.ecodebate.com.br/2021/09/15/envelhecimento-populacional-e-terceiro-bonus-demografico-na-china/

ALVES, JED. A ascensão da China, a disputa pela Eurásia e a Armadilha de Tucídides, IHU, 21/06/2018
http://www.ihu.unisinos.br/580107-a-ascensao-da-china-a-disputa-pela-eurasia-e-a-armadilha-de-tucidides-entrevista-especial-com-jose-eustaquio-diniz-alves

ALVES, JED. Colapso demográfico da China ou oportunidade para a prosperidade social e ambiental? Ecodebate, 25/01/2023
https://www.ecodebate.com.br/2023/01/25/colapso-demografico-da-china-ou-oportunidade-para-a-prosperidade-social-e-ambiental/

Du Qiongfang. Multiple places across China record negative population growth rate, but demographic dividend keeps driving economy, Global Times, 08/02/2023
https://www.globaltimes.cn/page/202302/1285100.shtml

Du Qiongfang. Nearly 70% Chinese elderly intend to return to workplace after retirement, Global Times, 20/10/2022 https://www.globaltimes.cn/page/202210/1277519.shtml

SKIRBEKK, Vegard. China’s Declining Population Can Still Prosper, Wired, 19/01/2023
https://www.wired.com/story/china-fertility-population-decline-demography-economics/?fbclid=IwAR1x9xfPPyD3Lhq_sffLJ3eEgcpaGOu4Il2t5xfUuQXbw2qj3aIZsYjv3UM

 

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in EcoDebate, ISSN 2446-9394

 

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