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Artigo

Mulheres continuam minoria nos espaços de poder

 

Mulheres continuam minoria nos espaços de poder, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

As mulheres brasileiras avançaram na saúde, na educação, no mercado de trabalho, etc. Mas a paridade de gênero na política permanece um sonho distante no Brasil

O grau de emancipação das mulheres é o termômetro através do qual

se mede a emancipação de toda a sociedade”.

Charles Fourier (1772-1837)

As mulheres brasileiras foram excluídas da política formal nos primeiros 500 anos da história do país, embora tenham se tornado maioria da população a partir de 1940 e maioria do eleitorado a partir de 1998. A participação feminina tem aumentado nas últimas décadas, mas em ritmo muito lento, pois o Brasil tem uma das menores participações femininas na Câmara de Deputados.

Nos primeiros 110 anos após a Independência do Brasil, as mulheres não podiam votar e serem votadas. Após 1932, as mulheres alfabetizadas passaram a ter o direito de voto, mas pouquíssimas se candidatavam. Todavia, com a Constituição de 1988 e com a implementação de políticas afirmativas a partir de 1995, o percentual de mulheres candidatas ao parlamento aumentou, atingiu cerca de 20% nas eleições de 2010 ultrapassou os 30% nas eleições seguintes, como mostra o gráfico abaixo.

percentagem de mulheres candidatas ao parlamento no brasil

Fazendo um breve histórico da política de cotas de gênero no Brasil, tem-se como marco a decisão do Congresso Nacional – logo após a 4ª Conferência Mundial das Mulheres ocorrida em Beijing (de 1995) – em adotar uma política de cotas para tentar reverter a exclusão das mulheres brasileiras da política parlamentar. A Lei 9.100 de 29 de setembro de 1995, no § 3º do artigo 11º estabelecia o seguinte:

“Vinte por cento, no mínimo, das vagas de cada partido ou coligação deverão ser preenchidas por candidaturas de mulheres”.

Porém, o número candidaturas subiram de 100% para 150% do número de vagas a preencher pelos partidos, significando que houve possibilidade de aumento das candidaturas masculinas. E o pior, o partido era obrigado a reservar os 20% das vagas (posteriormente passou para 30%), mas não era obrigado a preenchê-las.

Dois anos depois houve a aprovação de uma nova Lei eleitoral. O parágrafo terceiro do artigo 10º da Lei 9.504, de 30 de setembro de 1997 ficou assim redigido:

Do número de vagas resultantes das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação deverá reservar o mínimo de trinta por cento e o máximo de setenta por cento para candidaturas de cada sexo”.

A nova redação da política de cota possibilitou contornar os questionamentos da inconstitucionalidade do mecanismo anterior e deu um caráter mais universalista à política de cotas, dando o mesmo tratamento para os dois sexos. A nova ação afirmativa garantiu o respeito ao princípio “todos são iguais perante a lei” e apenas estabeleceu regras de representação, ou seja, um mínimo de 30% e um máximo de 70% para cada sexo.

Porém, assim como na Lei 9100, a nova redação não garantiu o preenchimento das candidaturas femininas. Os partidos reservavam o piso dos 30% para as mulheres e respeitavam o teto de 70% para os homens, mas não preenchiam as vagas femininas. Na prática, a exclusão feminina continuou, pois os partidos políticos continuaram com suas práticas excludentes, mantendo a desigualdade de gênero nas disputas eleitorais.

Para forçar os partidos a respeitarem o espírito da Lei de Cotas visando aumentar o número de mulheres candidatas e aumentar a equidade de gênero nas listas de candidaturas, e após ampla pressão dos setores progressistas da sociedade, houve uma nova mudança na legislação. Na Lei 12.034, de 29/09/2009, a nova redação da política de cotas ficou assim redigida:

“Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo”.

A alteração pode parecer pequena, mas a mudança do verbo “reservar” para “preencher” significou uma mudança no sentido de forçar os partidos a presença das mulheres nas nominatas eleitorais. O ideal é que fosse garantido a paridade de gênero (50% para cada sexo) nas listas de candidaturas. Mas a mudança na redação da lei representou uma oportunidade, mesmo que limitada. A aplicação da Lei 12.034/2009 garantiu o aumento do número de candidaturas femininas nas eleições seguintes.

A conquista feminina mais recente ocorreu em 2018, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por maioria de votos, que a distribuição de recursos do Fundo Partidário destinado ao financiamento das campanhas eleitorais direcionadas às candidaturas de mulheres deve ser feita na exata proporção das candidaturas de ambos os sexos, respeitado o patamar mínimo de 30% de candidatas mulheres, previsto no artigo 10 , parágrafo 3º, da Lei 9.504/1997.

Ou seja, para as eleições de 2022, os partidos são obrigados a preencher a cota mínima de 30% para as candidaturas de cada sexo e, também, destinar no mínimo 30% dos recursos financeiros. O resultado é inequívoco, pois já houve aumento do percentual de candidaturas femininas como mostrado no gráfico acima. Porém, o número de mulheres eleitas cresce em ritmo bem inferior.

Comparando o Brasil com o resto do mundo percebe-se que nossos avanços são modestos. Para reduzir as desigualdades globais de gênero e elevar a participação feminina em todos os países, a IV Conferência Mundial das Mulheres, ocorrida em Beijing, em 1995, propôs a adoção de ações afirmativas ou políticas de cotas para fortalecer o empoderamento feminino. Desta forma, os ganhos de participação política das mulheres nos 27 anos após a Conferência de Beijing foi maior do que nos 50 anos anteriores, pois o percentual de deputadas femininas passou de 11,6% em 1995 para 26,4% em 2022. Contudo, os ganhos do Brasil nos últimos 27 anos continuaram lentos, passando de 6,3% em 1995 para 14,8% em 2022. No mundo as mulheres ultrapassaram 25% da participação parlamentar, mas a diferença entre o Brasil e o mundo permanece em torno de 12% e a paridade de gênero na política permanece um sonho distante no território brasileiro.

percentagem de mulheres no parlamento brasil e mundo

No ranking da Inter-Parliamentary Union (IPU), em maio de 2022, o Brasil aparece em 143º lugar, com 14,8% de mulheres na Câmara Federal, perdendo para a média mundial de 26,4%, para as Américas com 34,6%, Europa com 31,3%, África Subsaariana com 26,1%, Ásia com 21,2%, Mena (Oriente Médio e Norte da África) com 18,2% e região do Pacífico com 17,9%, conforme mostra o gráfico abaixo. Portanto, mesmo com o número recorde de deputadas federais eleitas em 2018 (77 mulheres), o Brasil continua no grupo da lanterna mundial do ranking de participação parlamentar feminina. O Brasil perde inclusive para a Arábia Saudita que tem 19,9% de mulheres no parlamento do país.

Desde o iluminismo, a luta pela emancipação feminina tem crescido e conquistado espaço. Alguns homens foram fundamentais na luta pela cidadania feminina, entre eles, François Poullain de la Barre (1647-1725), Marquês de Condorcet (1743-1794), William Godwin (1756-1836), Charles Fourier (1772-1837), John Stuart Mill (1806-1873), August Bebel (1840 – 1913), como mostrei no artigo “Homens pioneiros do feminismo e da luta pela equidade de gênero”, publicado aqui no Ecodebate (ALVES, 28/02/2018).

Há que se reconhecer que o teto de vidro foi rompido em vários locais e em diversos momentos nos 200 anos da Independência do Brasil. As mulheres brasileiras avançaram na saúde (aumento da expectativa de vida), na educação, no mercado de trabalho, etc. Mas a paridade de gênero na política permanece um sonho distante no Brasil.

As eleições gerais de 2022 serão um bom momento para se debater essas questões e para ampliar a presença feminina, com toda a sua diversidade, nos inúmeros espaços de poder da democracia brasileira.

Não existe democracia com exclusão das mulheres que são maioria da população e do eleitorado.

José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382

Referências:

ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século XXI (com a colaboração de GALIZA, F), ENS, maio de 2022

https://ens.edu.br:81/arquivos/Livro%20Demografia%20e%20Economia_digital_2.pdf

ALVES, JED et. al. Meio século de feminismo e o empoderamento das mulheres no contexto das transformações sociodemográficas do Brasil. In: BLAY, E. AVELAR, L. 50 anos de feminismo: Argentina, Brasil e Chile. EDUSP, São Paulo, 2017

ALVES, JED, PINTO, CRJ, JORDÃO, F. (Orgs). Mulheres nas eleições 2010. ABCP/SPM, SP, 2012, 520 p. http://nupps.usp.br/downloads/livros/mulheresnaseleicoes.pdf

ARAÚJO, Clara, ALVES, J. E. D. Impactos de indicadores sociais e do sistema eleitoral sobre as chances das mulheres nas eleições e suas interações com as cotas. Dados (Rio de Janeiro). , v.50, p.535 – 578, 2007. http://www.scielo.br/pdf/dados/v50n3/04.pdf

ALVES, JED. Homens pioneiros do feminismo e da luta pela equidade de gênero, Ecodebate, 28/02/2018

https://www.ecodebate.com.br/2018/02/28/homens-pioneiros-do-feminismo-e-da-luta-pela-equidade-de-genero-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394

 

 

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