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Estresse tóxico na infância pode criar uma geração de adultos doentes

 

Estresse tóxico na infância pode criar uma geração de adultos doentes, artigo de Patrícia Consorte

Estamos vivenciando um claro alerta para a nossa sociedade, principalmente porque as consequências do aumento de estresse tóxico nas crianças só serão sentidas quando se tornarem adultos

É normal que enfrentemos diversos tipos de estresse ao longo das nossas vidas. Durante a infância, esses episódios são, inclusive, importantes para que os pequenos aprendam a lidar com frustrações e se tornem adultos mais resilientes. No entanto, quando muito intensos e por períodos prolongados, podem ocasionar problemas sérios para a saúde e, até mesmo, para a economia do país em um efeito cascata – problema que sentiremos nas próximas décadas, devido ao estresse gerado pela pandemia. Crianças com acesso a educação, moradia, alimentação adequada e amor, tornam-se adultos mais produtivos para sociedade.

Existem três tipos de estresse costumeiros na infância. O primeiro, de grau leve, é de curta duração e possível de ser regulado pelas próprias crianças, chamado de estresse positivo. O segundo, tolerável, é mais intenso em grau e duração, capaz de impactar o sistema neuroendócrino dos pequenos – mas, também passível de ser lidado adequadamente com o suporte dos pais. Já o terceiro, o tóxico, é o mais grave de todos, no qual devido a situações extremamente difíceis enfrentadas, a criança perde a capacidade de se autorregular. Com alta liberação de cortisol, seu desenvolvimento neurocelular é severamente comprometido, fato que pode levar à inúmeros problemas de saúde orgânicos, como obesidade, diabetes e, até mesmo, psicológicos, como depressão e ansiedade.

O estresse tóxico pode ter inúmeras causas. As características mais comuns são a violência doméstica, abuso na infância, negligência, exposição à extrema pobreza, estupro, criações inflexíveis e, até mesmo, a sobrecarga de atividades, sem que tenham tempo para, realmente, serem crianças, brincar e se divertir. As crianças já podem ser expostas a ele, inclusive no ambiente intra-uterino, quando, na gravidez, as mães vivenciam os mesmos problemas ou similares, como violência doméstica ou excesso de trabalho.

Como resultado, os sintomas mais presentes nas crianças submetidas a um contínuo estresse tóxico são choro intenso e irritabilidade em bebês pequenos, maior agressividade nas suas ações ou palavras, dificuldades no aprendizado, introspecção e piora na qualidade do sono. São muitas possibilidades e, nos últimos anos, vem aumentando o número de jovens com tais problemas. Segundo uma pesquisa do projeto Fique Bem, quase 60% das crianças têm demonstrado um nível alto de estresse após o início da pandemia.

Todos foram tirados de suas rotinas, de sua convivência com amigos e familiares para ficarem dentro de casa 100% do tempo – com pais sobrecarregados com seus trabalhos e a conciliação com tarefas domésticas. As consequências do isolamento foram sentidas rapidamente: em apenas um mês após o decreto da quarentena, as denúncias de violência contra à mulher saltaram 40%, segundo dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMDH) – algo que cria marcas profundas nas crianças.

Estamos vivenciando um claro alerta para a nossa sociedade, principalmente porque as consequências do aumento de estresse tóxico nas crianças só serão sentidas quando se tornarem adultos. A única forma de evitarmos que cresçam com problemas de saúde e psicológicos, é se preocupando desde já em garantir uma infância mais saudável. Não precisamos esperar que os jovens apresentem sintomas graves, mas sim atuar na prevenção por meio da medicina do bem-estar – identificando as situações que podem expô-las a tais riscos.

Neste cuidado, o papel do pediatra deve ser constantemente presente. Sua função é entender a fundo a rotina da criança, questionar os pais sobre isso, orientá-los sobre os principais cuidados com seus filhos e, principalmente, analisar a mãe, buscando entender se ela enfrentou depressão pós-parto, por exemplo. Qualquer mudança bruta de comportamento deve ser informada imediatamente ao médico e, acima de tudo, contar com um acompanhamento complementar de um psicólogo especializado – não apenas para as crianças, mas para toda a família.

Os primeiro mil dias de um bebê são os mais importantes e merecem extrema atenção, uma vez que é o período no qual a criança terá seu maior desenvolvimento cerebral. Busque proporcionar tempo livre e de qualidade para as crianças. Seja brincando, entrando em maior contato com a natureza, diminuindo o tempo frente às telas, estabelecendo um horário para dormir e, praticando atividades físicas sem exagero. Tais ações, quando adotadas pelos pais e, favorecidas por políticas públicas de incentivo à educação, alimentação e moradia, são as melhores formas de prover uma infância saudável e evitar uma nova geração de adultos diabéticos, hipertensos, ansiosos e depressivos.

Dra. Patrícia Consorte é pediatra e especialista em nutrição materno-infantil.

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394

 

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