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Catálogo de árvores nativas ajuda comunidades a fazer manejo florestal sustentável na Amazônia

 

Catálogo de árvores nativas ajuda comunidades a fazer manejo florestal sustentável na Amazônia

Para apoiar comunidades e técnicos que atuam no Manejo Florestal Comunitário na Amazônia, a Embrapa elaborou um catálogo inédito com 56 espécies nativas arbóreas comerciais. Trata-se de uma contribuição valiosa, pois os cientistas afirmam que a identificação botânica é a base da sustentabilidade do manejo florestal e de estratégias para a conservação das espécies florestais na região. Disponibilizada no formato impresso e, gratuitamente, on-line, a publicação apresenta árvores exploradas no plano de manejo conduzido pela comunidade do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Virola-Jatobá, localizado no município de Anapu, região da Transamazônica, no Pará.

Detalhes do talho, casca externa, tronco, base, flor, fruto e características da madeira, como cor, densidade, dureza, durabilidade e escala comercial, distribuição geográfica das espécies, risco de extinção e outras informações relevantes estão reunidas em um vasto material que alia a experiência e o conhecimento das comunidades à ciência. O catálogo traz o “jeitão das arvores”, como é conhecido pelos comunitários, e o que técnicos e cientistas chamam de características físicas para a correta identificação das espécies.

“Conhecer bem a floresta é fundamental para as comunidades realizarem o manejo adequado”, afirma Ademir Ruschel, pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental (PA) e um dos autores da publicação. Ele destaca que um dos grandes desafios do manejo comunitário é a identificação correta de espécies, pois comumente um único nome popular acaba agrupando diferentes espécies com madeiras semelhantes, mas com características biofísicas e valor de mercado distintos, o que traz prejuízos ao negócio da comunidade.

“O identificador comunitário, ‘mateiro’, é um conhecedor da natureza. Ele conhece muito bem a identidade das espécies do jeito dele. Mas no inventário da área realizado pela comunidade, ele acaba juntando grupos de espécies sob o mesmo nome. Isso confunde os órgãos fiscalizadores e tem rebatimentos no mercado”, relata o especialista.

Um exemplo comum encontrado pelos pesquisadores durante a elaboração do catálogo é o caso da maçaranduba, espécie de grande valor para a comunidade e para o mercado. Três espécies da mesma família eram nominadas pelos identificadores locais como maçaranduba: maparajuba [Manilkara bidentata (A.DC.) A.Chev], maçarandubinha [Manilkara paraensis (Huber) Standl] e a própria marçaranbuda [Manilkara elata (Allemao ex Miq.) Monach]. “Isso acontece porque o ‘jeitão’ delas é muito parecido. Mas no mercado internacional elas têm valores diferentes. Então havia erros de identificação que prejudicavam lotes inteiros. E nosso objetivo foi trazer elementos para que a comunidade possa diferenciar essas espécies”, conta Ruschel.

A elaboração do material iniciou há cerca de cinco anos. Foram realizados treinamentos para identificação botânica na comunidade, registro fotográfico das partes de todas as espécies, identificações em campo a partir do inventário florestal das unidades de produção anual da comunidade e entrevistas com os identificadores comunitários, os “mateiros”. “Tivemos ainda a etapa de realização de uma extensa revisão bibliográfica para dar o respaldo necessário às informações trabalhadas no catálogo”, conta o engenheiro florestal Daniel Palma Perez Braga, consultor independente e um dos autores da publicação.

Conheça as árvores

As 56 espécies que ilustram a publicação são: abiu-larga-casca, abiu-mangabarana, abiu-vermelho, acapu, amapá-doce, amarelão, andiroba, angelim-amargoso, angelim-vermelho, cajuaçu, castanha-do-brasil, cedro, coco-pau, copaíba, cumaru, cupiúba, currupixá, fava-amargosa, fava-arara-tucupi, fava-atanã, fava-bolota, fava-branca, fava-tamboril, freijó-cinza, guajará-bolacha, guajará-pedra, guariuba/oiticica, ipê-amarelo, itaúba-amarela, jarana, jatobá, louro-pimenta, maçaranduba, maçarandubinha, maparajuba, melancieiro, muiracatiara, mururé, parapará, pau-amarelo, pequiá, pequiarana, sapucaia, sorva, tachi-branco, tachi-preto, tachirana, tanimbuca, tatajuba, tauari, timborana, ucuuba-terra-firme, ucuubarana, uxi, uxirana e xixuá.

Linguagem acessível

As árvores nativas presentes no catálogo foram selecionadas em razão do volume de madeira, abundância, valor de mercado e uso tradicional pela comunidade. Cada uma das 56 espécies está organizada em ordem alfabética de acordo com o nome mais popular e traz o nome científico, família, utilidades, curiosidades, detalhes de identificação e a distribuição geográfica no Brasil.

Elas são classificadas também de acordo com três escalas: risco de extinção, potencial para extração de Produto Florestal Não Madeireiro (PFNM) e aceitação comercial.

A linguagem empregada é simples. São textos, fotos, ilustrações e infográficos que apresentam conceitos técnicos e conteúdo de referência científica em palavras de entendimento popular mais amplo, acessível a comunidades e técnicos da área. “A gente tentou traduzir a conexão entre a linguagem científica, técnica e a utilizada pelos identificadores comunitários”, conta o engenheiro.

Espécies “invisíveis”

Muitas das espécies presentes no catálogo são invisíveis para a sociedade e até mesmo para os mercados que trabalham com a madeira, segundo os pesquisadores. Isso porque há pouca ou quase nenhuma informação na literatura científica disponível sobre elas, e o conhecimento popular atribui o mesmo nome para espécies diferentes.

Exemplos não faltam, segundo Ademir Ruschel, pesquisador da Embrapa. O catálogo, segundo ele, traz espécies desconhecidas externamente como o coco-pau (Parinari excelsa Sabine) e o melancieiro (Alexa grandiflora Ducke), cujo nome é uma referência ao cheiro de melancia exalado pela casca do tronco. “O coco-pau, aliás, dava nome a três espécies diferentes da mesma família e no catálogo conseguimos diferenciar”, conta o pesquisador.

Até espécies mais conhecidas, como jatobá (Hymenaea courbaril L.), têm erros de identificação. “As espécies do gênero Hymenaea são muito parecidas e para a comunidade, tudo era jatobá. Mas para o plano de manejo é importante diferenciar”, afirma Ruschel.

Mas os nomes populares podem, segundo o pesquisador, ter diferenças entre as regiões do mesmo estado. “Isso poderia ser um problema, então tentamos trazer para o catálogo os diferentes nomes populares e aqueles mais adotados pelos órgãos de fiscalização”, conta.

Para o engenheiro florestal Daniel Braga, o catálogo dá visibilidade aos elementos fundamentais da floresta. “Não existe floresta sem árvores”, afirma. A identificação botânica, segundo ele, é uma área que precisa avançar dentro do manejo florestal comunitário.

“Quando se tem a identificação correta das espécies, a gente está valorizando não somente a qualidade da madeira, que é o produto final nesse caso, mas também oferecendo subsídios para estudos de biologia das espécies, para entender melhor a dinâmica de populações. O ganho é para a comunidade, para o mercado e para as estratégias de conservação florestal”, ressalta Braga.

Um exemplo emblemático, segundo o engenheiro, é o freijó-cinza (Cordia goeldiana Huber), que é uma espécie com uma dinâmica biológica ainda pouco entendida, pois há limitações na sua reprodução, mas com uma madeira muito cobiçada, de excelente qualidade e valorizada no mercado.

Perigo de extinção

A classificação das espécies de acordo com o seu risco de extinção merece destaque, segundo o engenheiro florestal Daniel Braga. Os pesquisadores organizaram cada espécie em cinco classes de acordo o nível de ameaça de extinção, conforme regem a Instrução Normativa do Ministério do Meio Ambiente (Brasil, 2015b) e a Lista Nacional Oficial de Espécies da Flora Ameaçadas de Extinção (Portaria MMA nº 443, de 2014).

O pau-amarelo (Euxylophora paraensis Hube), por exemplo, é classificado como espécie criticamente em perigo e seu corte é proibido. Já o acapu (Vouacapoua americana Aub.), que é uma árvore-chave na região tanto para agricultores familiares quanto para fazendeiros pela durabilidade da madeira em contato com o solo, está classificado como “em perigo”. Conhecer a dinâmica populacional dessas espécies, portanto, é fundamental na seleção das árvores para extração a fim de manter os estoques necessários para a reprodução delas.

Por outro lado, como afirma o especialista, várias espécies identificadas pelo grupo não têm estudos suficientes quanto ao seu risco de extinção. “Como para muitas delas há pouca informação disponível na literatura, podemos estar perdendo espécies sem ao menos conhecê-las”, alerta Daniel Braga.

O apoio da ciência às florestas

A publicação Árvores do manejo florestal no Projeto de Desenvolvimento Sustentável Virola-Jatobá, Anapu, PA é um dos resultados dos trabalhos realizados pela Embrapa no tema florestas e reunidos em seu Portfólio Florestal. Nesse grupo, estão projetos que buscam soluções tecnológicas em três grandes vertentes: diversificação e aumento da produtividade e competitividade do setor de florestas plantadas; conservação e manejo sustentável de florestas naturais e restauração florestal.

Entre as ações do portfólio também está o apoio à formulação de políticas públicas e de legislação na área florestal e na participação e representação em diversos fóruns florestais nacionais e internacionais.

Segundo Milton Kanashiro, pesquisador da Embrapa e presidente do comitê gestor do portfólio, o catálogo é muito importante porque vai além do manejo florestal comunitário. “Ele contribui para a base da conservação das florestas manejadas, que é a identificação correta das espécies”, afirma. Outro valor agregado que o gestor destaca é a prática da transdisciplinariedade na geração do conhecimento.

“Para a Embrapa, como uma empresa pública, essas entregas representam um grande benefício ao proporcionar o uso, o manejo e a conservação das florestas tropicais, um bem comum a ser preservado para esta geração e para as futuras”, conclui.

Os autores do catálogo são: os engenheiros-florestais Daniel Palma Perez Braga (consultor independente) e Rafael Costa Miléo (assessor técnico da Associação Virola-Jatobá); o engenheiro-agrônomo Edson Vidal (professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz) e os pesquisadores Ademir Roberto Ruschel, Milton Kanashiro, Eniel David Cruz e Roberto Porro, da Embrapa Amazônia Oriental.

Fortalecimento da comunidade

O catálogo é um produto direcionado ao manejo florestal comunitário, modalidade de manejo que envolve a gestão de florestas de uso comum ou coletivo, executado pelas famílias assentadas na área e tendo um profissional da área florestal como responsável técnico junto aos órgãos de fiscalização.

O engenheiro florestal Rafael Costa Miléo, do município de Altamira (PA), região da Transamazônica, acompanha o plano de manejo da Associação e Cooperativa Virola-Jatobá desde 2016.

“A madeira é uma fonte de renda complementar à agricultura. E o manejo mantém a floresta em pé e a comunidade unida em torno desse trabalho”, afirma o engenheiro. A área total do PDS é de aproximadamente 40 mil hectares, onde as 160 famílias desenvolvem práticas agroextrativistas. Miléo conta que a área de manejo florestal do PDS abrange 23 mil hectares e tem o envolvimento de 30 famílias.

Uma dessas famílias é a do Luís Bezerra da Conceição. Ele é referência para a identificação das espécies na comunidade. Para ele, o conhecimento das pessoas da comunidade sobre a floresta é fundamental, pois é onde vivem e de onde tiram seu sustento. “É muito importante a gente conhecer as árvores e as espécies para fazer nosso manejo”, conta. E ele destaca ainda que compartilhar esse conhecimento é motivo de orgulho. “A gente passa para a Embrapa, para os alunos da universidade que fazem estágio aqui. Isso é muito importante pra gente também”, diz.

Miléo conta que o conhecimento da comunidade sobre a floresta é muito amplo e foi essencial para a elaboração do catálogo. “Esse produto serve para essa e várias comunidades da região fazerem o manejo adequado, pois ele traz espécies de grande ocorrência nesses locais”, afirma o engenheiro.

Os registros do catálogo mostram que entre 2008 e 2012, a Associação manteve contrato com uma empresa madeireira que, nesse período, explorou cerca de 3 mil hectares, colhendo 51.188 metros cúbicos de madeira em toras. Já entre 2014 e 2017, a Embrapa coordenou o projeto “Automanejo”, uma pesquisa-ação em parceria com Universidade Federal do Para (UFPA), Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra) e Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA) em apoio ao manejo florestal comunitário.

O engenheiro da Associação Virola-Jatobá relata que o primeiro lote de madeira comercializado com o protagonismo da comunidade incluiu aproximadamente 5 mil metros cúbicos de madeira da Unidade de Produção Anual/2016-2017.

O antropólogo Roberto Porro, pesquisador da Embrapa que coordenou o projeto e um dos autores da publicação, conta que a obra faz um alerta à sociedade sobre a necessidade de ações efetivas e instituições governamentais fortes para evitar a ampliação dos danos não só às florestas do PDS Virola-Jatobá, “como também ao ideal daqueles que acreditam que é possível manter essas florestas em pé, por meio de iniciativas que gerem renda e sustentabilidade ambiental”. Ele relata que conflitos agrários e a ação ilegal de grupos externos têm prejudicado o trabalho com o manejo florestal no PDS.

Para Porro, a publicação cumpre também com o objetivo de reconhecer o papel desempenhado por agricultores familiares no manejo florestal sustentável. “Esses produtores demonstraram que detêm o conhecimento necessário sobre as espécies arbóreas para cumprir com os procedimentos legais que viabilizem o licenciamento dos planos de manejo”, atesta.

Já Braga afirma que o catálogo fortalece o manejo e a própria comunidade. “São famílias que residem em áreas de florestas bastante cobiçadas pelo seu produto madeireiro, e é uma forma de contribuir para que elas façam um bom uso de um bem que lhes pertence”, finaliza o consultor.

Fonte: Embrapa Amazônia Ocidental

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394

 

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