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Em Busca de uma Comunidade de Destino Sustentável para Todos

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Em Busca de uma Comunidade de Destino Sustentável para Todos, artigo de Marcus Eduardo de Oliveira

“Enquanto um único inocente morrer desnecessariamente
por causa de danos ambientais causados por outros,
haverá necessidade de reflexão ética.”
(Dale Jamieson, Ethics and the Environment: an introduction, [2010])

A configuração da atual crise ambiental – que, com pesar, prefiro chamar de predação planetária – mostra com a força da autoevidência que há impossibilidade de incorporar a todos no universo de consumo em função da finitude dos sistemas naturais.

Para ser taxativo, nem condições ecológicas há para isso, uma vez que, reforçando a ideia da finitude ecológica, a natureza não é um gigantesco e inesgotável baú com energia/recursos à disposição da incessante produção global.

Visto, então, que os recursos do planeta são limitados, qualquer expansão ilimitada (e principalmente a política de crescimento econômico ininterrupta que orienta o modelo global) se torna, por assim dizer, contraproducente e antiecológica.

Em notação científica, significa esclarecer que a pressão exercida pela ação humana sobre a biosfera põe em evidência que o estilo de vida do mundo moderno (a razão ocidental, sejamos diretos) é incompatível com o processo de regeneração do meio ambiente. E isso, todavia, não é difícil de entender: como o nosso planeta é limitado, qualquer expansão ilimitada – e principalmente a economia do crescimento, o ponto medular da macroeconomia moderna – se torna inviável, impraticável e impossível de acontecer. Trata-se, a rigor, de uma conta que nunca irá fechar, afinal, tudo o que é físico (e o crescimento econômico é, sim, um movimento físico) não pode crescer indefinidamente.

Dito nesses termos claros, e para que não mais se fira a inteligência, temos, agora, de levar em conta que o nosso modo de viver – espécie de razão que nos guia – está em profunda crise. Há de se entender, pois, que há um desajuste em cena. Nossas aspirações materiais (sempre em escala crescente) não cabem diante da finitude de recursos. No fim das contas, simplificando o assunto, vale dizer, assim, que o nosso modo de viver (nosso jeito de produzir, consumir, descartar) é, ao mesmo tempo, tanto a causa quanto o sintoma de uma crise de característica conjuntural e estrutural que toca todos os sentidos da vida.

Ocorre que, desse velho e pertinente problema, as raízes são bem conhecidas. Para bom entendimento, invoquemos aqui alguns dos dados que mais orientam o debate contemporâneo: no começo dos anos 1960 precisávamos (toda a comunidade humana, queremos dizer abertamente) de pouco mais de 60% da Terra (recursos naturais e energéticos) para atender as demandas humanas. Vinte anos depois, necessitávamos 97% da Terra.

No entanto, assim que chegamos à metade dos anos 1990, pela primeira vez ultrapassamos a marca dos 100%, ou seja, atingíamos a sobrecarga ecológica (overshoot ecológico). Pois bem, nos tempos atuais, depois de seis décadas da primeira medição, continuamos abusando de todas as consequências possíveis; tanto que os números gritam: a humanidade está consumindo 30% mais do que aquilo que a Terra pode repor. O pior é que sequer nos preocupamos com os prejuízos ambientais (o esgotamento do legado ambiental, sejamos claros) acarretados.

Para ir direto ao ponto, tudo se dá em nome da ideia de “progresso”. É como se a economia de produção, nesse caso, fosse tudo o que nos resta, e fora disso, quer dizer, da ideia de crescimento, não há salvação. Ora, vamos aos fatos: devido à incisiva cultura capitalista e seu correlato paradigma dominante – justamente a economia do crescimento, vale insistir -, não me parece descabido considerar que cada um de nós, desde há muito, foi habituado a pensar e olhar para a estrutura da economia global exclusivamente pelo espectro da expansão da atividade econômica.

Ao sabor de uma boa discussão, dir-se-á, todavia, que cada “homem econômico” foi devidamente doutrinado (pelas forças do mercado, é óbvio) a enxergar o sucesso (?) de uma determinada localidade observando-se tão somente a tendência ascendente da produção material e da geração de serviços. Pela visão economicista (racionalidade econômica) que ainda predomina, o sucesso econômico das nações (ou algo próximo disso), advém apenas do aumento produtivo, mesmo no caso de se perceber, en passant, que disso são geradas certas ameaças à integridade do meio ambiente.

Todavia, como a própria história do futuro ainda está para ser devidamente escrita, esse delicado ponto – não obstante a comunidade de ambientalistas eleve a voz em tom de protesto – permanece em aberto. Contas feitas, interessa muito destacar o seguinte: caso se aprofunde a interação entre vida socioeconômica e mundo natural, perceber-se-á, ao fim e ao cabo, que é do fino ajuste da relação Homem-Terra-Economia que se subscreve a tarefa final que espreita o ser humano, realizar-se para uma vida plena.

Essa é, a rigor, a questão definitiva. É o que mais importa. E como bem sabemos que a economia, ao menos desde a sua emergência (final do século XVIII), tem sido não apenas uma boa ciência, mas notadamente espécie de eixo articulador (enquanto atividade produtiva) que orienta os destinos humanos, é possível dizer com clareza meridiana que essa desejada condição – realizar-se para a vida plena – requer, sobretudo, o alcance de boas orientações nesse terreno arenoso da economia. Talvez a mais significativa dessas orientações, vale assinalar, seja a necessidade de aprender de uma vez por todas a “cambiar la economia para cambiar la vida”; premissa-chave defendida, entre outros, pela economista equatoriana Magdalena Léon.

Logo, é nesse sentido, repare bem, que cabe um decisivo chamado: se a nossa espécie ainda tem a intenção de continuar fazendo parte do acervo biológico terreno, com convicção tenaz deve ser pronunciado em bom tom que já passou da hora de mudar o comportamento existencial dos primatas, a começar pelo abandono da ideia corrente de que o crescimento econômico, ícone da modernidade, irá nos completar, e com ele nossa felicidade está assegurada.

E não é só isso. Para que se eliminem dúvidas, deixemos 100% claro que o crescimento da economia, ao aumentar de forma considerável a oferta de bens e serviços, pode até nos tornar mais ricos – aliás, disso ninguém duvida – mas, todavia, está longe (bem distante, por sinal) de ser a condição que deixará nosso edifício moral mais bem preparado. Como bem diz o aclamado prêmio Nobel de economia (1998) Amartya Sen, (…) “o crescimento econômico não pode sensatamente ser considerado um fim em si mesmo”.

Com algum esforço, muitos afirmam, não sem razão, que nos tornaremos melhores, de fato, se conseguirmos construir uma comunidade (biocivilização) de destino sustentável para todos. Para tanto, o sucesso nessa empreitada virá a partir do entendimento de que a proteção do meio ambiente (conservação, preservação, regeneração) é condição imperativa para o que se pode chamar de vida com qualidade. E como já não é mais segredo algum que a comunidade humana se especializou em abusar das condições dos ecossistemas planetários (até mesmo ultrapassando em alguns casos as fronteiras ecológicas, comprometendo assim os sistemas geradores de vida da Terra), convém não perder de vista a narrativa feita pela economista britânica Kate Haworth: “a nossa geração é a primeira a compreender adequadamente os danos que temos causado ao nosso lar planetário, e provavelmente a última a ter a chance de fazer algo transformador em relação a isso”.

Precisamos ainda, com todo o empenho, procurar construir redes de debates e opiniões, envolvendo cada vez mais novos atores sociais, assim como teremos a chance de fazer, em setembro próximo, nas muitas mesas redondas organizadas em nome do VII CNEA (Congresso Nacional de Educação Ambiental) e IX ENBio (Encontro Nordestino de Biogeografia). Dois eventos que acontecem simultaneamente entre os dias 15 e 18 de setembro de 2021.

De tal modo que, abusando ainda da capacidade de imaginar o futuro, o que temos de fazer, em parelelo ao que foi aqui mencionado, é tomar como referência o que consta no preâmbulo da Carta da Terra, sabendo, de antemão, que (…) estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro […] A escolha é nossa: formar uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos outros ou arriscar a nossa destruição e a da diversidade da vida […]

Marcus Eduardo de Oliveira – Economista e ativista ambiental. Autor de “Economia Destrutiva” (ed. CRV) e “Civilização em desajuste com os limites planetários” (ed. CRV). prof.marcuseduardo@bol.com.br

VII CNEA & IXENBio – Congresso Nacional de Educação Ambiental

& Encontro Nordestino de Biogeografia

(15 a 18 de setembro de 2021)

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 06/07/2021

 

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