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Artigo

Queda da fecundidade e decrescimento da população chinesa

 

 

Queda da fecundidade e decrescimento da população chinesa, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

“Todos os nossos problemas ambientais se tornam mais fáceis de resolver com menos gente e mais difíceis e, em última instância, impossíveis de resolver com cada vez mais pessoas”.

David Attenborough

 

[EcoDebate] A China é o país mais populoso do mundo, tinha 554 milhões de habitantes em 1950, passou para quase 900 milhões no início da década de 1970 e tem atualmente 1,44 bilhão de habitantes. É mais do que toda a população da África e, também para efeito comparativo, mais do que toda a população das Américas (do Norte, Central e do Sul). Ou ainda, cerca de duas vezes a população da Europa. Portanto, não é pouca gente.

A demografia da China tem gerado reações ciclotimias. No passado foi comum o medo com a “explosão populacional”. Agora o medo é com a “implosão populacional”. Desta forma, o receio do crescimento agora mudou para o pavor do decrescimento populacional. O gráfico abaixo, da Divisão de População da ONU, mostra o comportamento da Taxa de Fecundidade Total (TFT) para o período 1950 a 2020 e projeções até 2100. Nota-se que a TFT que estava acima de 6 filhos por mulher na época da Revolução Comunista de 1949, caiu na década de 1950, mas voltou a subir com a Revolução Cultural dos anos de 1960.

No início dos anos de 1970 foi lançada a política “Mais Tarde, Mais Tempo e em Menor Número” (em chinês: “Wan, Xi, Shao” e em inglês: later, longer, fewer”) que incentivava as mulheres a terem o primeiro filho em idades mais avançadas, que mantivessem um espaçamento maior entre os filhos e que limitasse o tamanho da prole, adotando um tamanho pequeno de família. A política foi um sucesso e a TFT caiu para 3 filhos por mulher. Porém, no bojo das reformas implementadas por Deng Xiaoping em dezembro de 1978, foi instituída a “Política de filho único” – a iniciativa controlista mais draconiana da história da humanidade – e a TFT ficou abaixo do nível de reposição (2,1 filhos) já na década de 1990.

taxa de fecundidade total da China: 1950-2100

Como a TFT está abaixo do nível de reposição por mais de 30 anos (e como a China é um país de emigração e não imigração) a população total do país vai começar a diminuir em breve. Se a TFT se recuperar um pouco o decrescimento da população será moderado, mas se a TFT continuar caindo o declínio da população, assim como o envelhecimento da estrutura etária, será acentuado.

Os gráficos abaixo mostram diversos indicadores demográficos para a China. Nota-se que a população de 0-14 anos já diminui desde 1975, a população de 15-24 anos já diminui desde 1990 e a população de 25-64 parou de crescer em 2015. Somente a população idosa (65 anos e mais) continua crescendo. A população em idade ativa (15-64 anos) começou a decrescer em 2014.

Com o decrescimento da PIA, depois de mais de 30 anos da política de filho único, a orientação governamental começou a mudar. As autoridades chinesas anunciaram o fim da política do filho único, permitindo que os casais tivessem dois filhos a partir de 1º de janeiro de 2016. Alguns analistas esperavam uma “explosão” de nascimentos. O que não ocorreu. Entre 2016 e 2019, o nascimento caiu de 13 por 1.000 pessoas para 10 por mil. Em 2019, a taxa de casamentos na China despencou pelo sexto ano consecutivo para 6,6 por 1.000 pessoas – uma queda de 33% em relação a 2013 e o menor nível em 14 anos, de acordo com dados do Ministério de Assuntos Civis.

demografia da China

Reportagem da CNN (Nectar Gan, 30/01/2021) mostra que o desenvolvimento chinês (ocorrido em função do aproveitamento do bônus demográfico gerado pela queda da fecundidade) possibilitou um empoderamento das mulheres, que agora não querem reproduzir o velho modelo de donas de casa. Na década de 1990, o governo chinês acelerou a implantação da educação obrigatória de nove anos, trazendo para a sala de aula meninas em áreas atingidas pela pobreza. Em 1999, o governo expandiu o ensino superior para aumentar as matrículas nas universidades. Em 2016, as mulheres passaram a ultrapassar os homens nos programas de ensino superior, representando 52,5% dos estudantes universitários e 50,6% dos estudantes de pós-graduação.

Com o aumento da educação, as mulheres ganharam independência econômica, então o casamento não é mais uma necessidade para as mulheres como era no passado. As mulheres agora querem buscar o autodesenvolvimento e uma carreira antes de se casar. Mas as normas de gênero e as tradições patriarcais não acompanharam essas mudanças. Na China, muitos homens e sogros ainda esperam que as mulheres cuidem da maioria dos filhos e das tarefas domésticas após o casamento, mesmo que tenham empregos em tempo integral.

As estatísticas mostram que ambos os sexos estão atrasando o casamento. De 1990 a 2016, a idade média dos primeiros casamentos aumentou de 22 para 25 para as mulheres chinesas e de 24 para 27 para os homens chineses, de acordo com a Academia Chinesa de Ciências Sociais. Hoje em dia, a capacidade econômica das mulheres melhorou, então é muito bom morar sozinha. Se você encontrar um homem para se casar e formar uma família, haverá muito mais estresse e sua qualidade de vida diminuirá proporcionalmente. Como a sociedade chinesa não aceita tranquilamente os filhos fora do casamento, a menor nupcialidade significa também menor fecundidade.

O resultado é o nascimento de menos crianças. Em 2016, imediatamente depois que se permitiu o segundo filho, nasceram 17,9 milhões de crianças, de acordo com a Agência Nacional de Estatísticas da China. Apenas 1,3 milhão a mais do que em 2015 e metade do que o Governo previa. Já em 2017, o número de nascimentos foi ainda menor, 17,2 milhões de novos bebês, muito abaixo dos 20 milhões estimados pelas autoridades. Em 2018, nasceram 15,2 milhões de bebês e, em 2019, houve o recorde de baixa com 14,7 milhões de nascimentos.

Mas com a pandemia da covid-19 a redução da natalidade foi maior ainda (embora não tenha sido publicado os números definitivos). A China concluiu o seu censo demográfico no final do ano passado, de acordo com o National Bureau of Statistics e os resultados preliminares devem ser publicados em abril. Matéria do jornal South China Morning Post (Sidney Leng, 02/02/2021) mostra que os dados populacionais divulgados por algumas províncias e cidades chinesas mostraram quedas dramáticas no número de recém-nascidos em 2020 em comparação com o ano anterior (que teve recorde de baixa). Ao longo de janeiro, algumas províncias e cidades chinesas divulgaram seus próprios dados de nascimento por meio de relatórios do governo e da mídia estatal – e em alguns casos as taxas de natalidade caíram mais de 30% em 2020 em relação ao ano anterior.

Na cidade de Guangzhou, capital da província de Guangdong, potência econômica do sul, o número de bebês recém-nascidos caiu para o nível mais baixo em quase uma década. Cerca de 195.500 bebês nasceram em Guangzhou, uma queda de 17% em relação a 2019 e 33% abaixo de 2017. Na região autônoma de Ningxia Hui, uma área sem litoral no noroeste da China onde vive a minoria étnica Hui, o número de recém-nascidos foi ligeiramente acima de 80.000 no ano passado, uma queda de 16 por cento em relação a 2019. A capital Yinchuan registrou cerca de 24.400 novos bebês, uma queda de 11,9% em relação a 2019. Assim, pode-se prever que o número de nascimentos em 2020 seja o mais baixo das últimas décadas.

Todos estes números mostram que a população chinesa vai parar de crescer nos próximos anos e começar a decrescer na segunda metade da atual década. O envelhecimento será também de grande proporção. Porém, a China se preparou para isto aproveitando o bônus demográfico, quando retirou quase 1 bilhão de chineses da extrema pobreza e construiu uma economia produtiva e competitiva capaz de dar o salto para o caminho que leva ao clube dos país ricos.

Para lidar com este novo desafio, a China investiu pesado em capital humano (avançando de maneira espetacular com a educação básica e com o ensino superior), avançou na infraestrutura e em uma estrutura produtiva complexa, investiu em ciência e tecnologia (digitalização e rede 5G, robotização, inteligência artificial, etc.). Assim, quando a população e a força de trabalho caírem, haverá uma mão-de-obra mais qualificada produzindo várias vezes do que se produz hoje. O país terá mais idosos, mas, com altas taxas de poupança e investimento, haverá recursos para financiar as suas necessidades e para garantir o avanço geral, a sustentabilidade ambiental e o progresso humano.

Portanto, a queda da fecundidade e o decrescimento populacional não serão empecilhos para o aumento da qualidade de vida dos chineses. Ao contrário, o menor número de pessoas possibilitará o aumento dos salários e facilitará a solução dos problemas ambientais.

Qualquer país que fizer o dever de casa durante o período do bônus demográfico não precisa temer a nova configuração demográfica.

Para as próximas décadas a China pensa em abandonar a métrica do Produto Interno Bruto (PIB) e adotar a métrica do Produto Ecossistêmico Bruto (PEB) que resume o valor dos serviços ecossistêmicos em uma única métrica monetária, conforme mostra artigo de Zhiyun Ouyang et. al. (PNAS, 08/06/2020). Com a redução da população e a recuperação dos ecossistemas a China vai buscar um desenvolvimento mais verde inclusivo, para amenizar a enorme poluição do país, que tem a maior pegada ecológica do mundo.

A nova dinâmica demográfica não deve impedir a ascensão da China como mostrou Clyde Prestowitz no livro “The World Turned Upside Down – America, China, and the Struggle for Global Leadership” (fevereiro de 2021). Segundo o autor, quando a China ingressou na Organização Mundial do Comércio em 2001, a maioria dos especialistas esperava que as regras e procedimentos da OMC liberalizassem a China e a tornassem uma parte interessada responsável na ordem mundial liberal. Mas isto não ocorreu. A China hoje não está se liberalizando nem econômica nem politicamente, mas, está se tornando mais autoritária e mercantilista. O que aumenta os problemas e os perigos da “Armadilha de Tucídides”.

Seria totalmente desastroso se a China adotasse políticas pronatalistas coercitivas para enfrentar uma possível ameaça do Ocidente. Buscar resolver a questão da redução absoluta da população em idade ativa e o envelhecimento populacional com aumento da produtividade do trabalho é a melhor perspectiva. Pois uma economia mais produtiva e mais sustentável ajuda a China e ao mundo. O globo precisa de menor pegada ecológica e maior biocapacidade.

José Eustáquio Diniz Alves
Colunista do EcoDebate.
Doutor em demografia, link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382

 

Referências:

ALVES, JED. A queda da fecundidade na China e o decrescimento populacional, Ecodebate, 17/02/2020

https://www.ecodebate.com.br/2020/02/17/a-queda-da-fecundidade-na-china-e-o-decrescimento-populacional-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/

ALVES, JED. Os 70 anos da Revolução Comunista na China, Ecodebate, 27/09/2019

https://www.ecodebate.com.br/2019/09/27/os-70-anos-da-revolucao-comunista-na-china-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/

ALVES, JED. Quarenta anos das reformas de Deng Xiaoping e o renascimento da China como potência, Ecodebate, 10/12/2018

https://www.ecodebate.com.br/2018/12/10/quarenta-anos-das-reformas-de-deng-xiaoping-e-o-renascimento-da-china-como-potencia-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/

ALVES, JED, A China continua tendo superávits recordes a despeito da guerra comercial de Trump, Ecodebate, 22/10/2018

https://www.ecodebate.com.br/2018/10/22/a-china-continua-tendo-superavits-recordes-a-despeito-da-guerra-comercial-de-trump-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/

ALVES, JED. China, nova potência mundial Contradições e lógicas que vêm transformando o país. Revista do Instituto Humanitas Unisinos (IHU), China, nova potência mundial: Contradições e lógicas que vêm transformando o país. São Leopoldo, Nº 528, Ano XVIII, 17/9/2018

http://www.ihuonline.unisinos.br/media/pdf/IHUOnlineEdicao528.pdf

ALVES, JED. A ascensão da China, a disputa pela Eurásia e a Armadilha de Tucídides. Entrevista especial com José Eustáquio Diniz Alves, IHU, Patricia Fachin, 21 Junho 2018

http://www.ihu.unisinos.br/159-noticias/entrevistas/580107-a-ascensao-da-china-a-disputa-pela-eurasia-e-a-armadilha-de-tucidides-entrevista-especial-com-jose-eustaquio-diniz-alves

Nectar Gan. Chinese millennials aren’t getting married, and the government is worried, CNN, 30/01/2021

https://edition.cnn.com/2021/01/29/china/china-millennials-marriage-intl-hnk/index.html

Sidney Leng. Why you can trust SCMPChina population: tumbling regional birth rates signal scale of country’s ageing crisis Published, SCMP, 02/02/2021

https://www.scmp.com/economy/china-economy/article/3120236/china-population-tumbling-regional-birth-rates-signal-scale

The 2019 Revision of World Population Prospects https://population.un.org/wpp/

https://population.un.org/wpp/Graphs/DemographicProfiles/Line/156

Clyde Prestowitz. The World Turned Upside Down – America, China, and the Struggle for Global Leadership, 2021

Zhiyun Ouyang et. al. Using gross ecosystem product (GEP) to value nature in decision making, PNAS, 08/06/2020 https://www.pnas.org/content/117/25/14593

 

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 19/02/2021

 

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