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Notas sobre Anomalias Geoquímicas Geogênicas, Antropogênicas e Valores Orientadores Ambientais

 

Notas sobre Anomalias Geoquímicas Geogênicas, Antropogênicas e Valores Orientadores Ambientais

201202a Mine Kalimantan Ouro Indonesia

http://eco4planet.com/blog/os-dez-lugares-mais-poluidos-mundo/

Artigo de Carlos Augusto de Medeiros Filho

[EcoDebate] Os tratamentos dos dados geoquímicos para estudos ambientais, de uma área ou região, compreendem a caracterização de fatores chaves como a determinação de faixas de backgrounds e de limiares de anomalias, bem como a distribuição dos resultados analíticos em relação a valores orientadores para a prevenção da contaminação dos solos. O não entendimento desses fatores e etapas podem conduzir a interpretações distorcidas e variados danos e consequências.

O termo “background geoquímico” provém da exploração geoquímica. Hawkes & Webb (1962) definiram background como a concentração normal de um elemento em um terreno estéril e concluíram que seria mais realístico entender background como uma faixa de valores do que uma medida absoluta. Dessa forma, “background geoquímico ou background natural” é entendido principalmente como um valor natural para um dado meio não impactado por atividades antropogênicas (Gough, 1993; Galuska, 2007).

Diferencialmente, “background ambiental ou baseline” corresponde as concentrações de substâncias naturais e antropogênicas presentes no ambiente, representativas de uma região. Abrangeria, portanto, influências de fatores naturais (geogênicos) e antropogênicos, não correspondendo, portanto, aos valores originais, mas traduzindo ou servindo para avaliar a concentração ou background “atual” (Reimann & Garrett, 2005; Medeiros Filho, 2020)

Anomalia, por definição, é um desvio da normalidade. Uma anomalia geoquímica, mais especificamente, é um afastamento de padrões geoquímicos que são normais para uma determinada área ou paisagem geoquímica.

Para diferenciar entre background e anomalia, foi introduzido o termo threshold (limiar). Dessa forma, um limiar corresponde aos limites (inferior e principalmente superior) da faixa de valores de background (Hawkes & Webb, 1962; Reimann & Garrett, 2005).

Figura 1 – exemplo de distribuição teores de Mg em rochas graníticas e ultrabásicas (fonte: Medeiros Filho, 2019)

Figura 1 – exemplo de distribuição teores de Mg em rochas graníticas e ultrabásicas (fonte: Medeiros Filho, 2019)

A delimitação da faixa de background e, consequentemente, os valores dos limiares das anomalias são matérias essenciais na exploração e pesquisa geoquímica. Deve-se salientar, ainda, que as concentrações de background natural ou geogênico são influenciadas e variam de acordo com fatores litológicos (figura 1), geomorfológicos e regolíticos, mesmo dentro de uma área relativamente restrita. Além disso, métodos de preparação física e de análise química podem influenciar nos resultados das variáveis e, consequentemente, na determinação das faixas de background. (Medeiros Filho, 2019).

Diferentes métodos estatísticos têm sido aplicados para avaliar background e anomalias geoquímicas, como: análise de regressão parcial, método fractal, median ± 2 median absolute deviation; gráficos de probabilidade ou frequência acumulada, box-plots; percentis e conjunção de métodos ou  EDA – Exploratory Data Analysis  (Reimann et al., 2018; Xu et al., 2016; Medeiros Filho, 2019; Selinus e Esbensen 1995; Li et al., 2003; Tobias et al., 1997; Fadigas et al., 2006; Medeiros Filho & Rocha, 2016; Cruz & Andrade, 2015;  Sahoo et al., 2020).

A caracterização de background pode ser motivo de interpretações variadas e, consequentemente, de contradições e polêmicas. Esse processo produz diversas relevantes questões, como: O que é “abundância normal”? Todos valores elevados são anomalias? Como determinar o valor ou a faixa de background? e, finalmente, como classificar e diferenciar anomalias geoquímicas geogênicas e anomalias geoquímicas antropogênicas? (Medeiros Filho, 2019).

O Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA, 2009) define que Valores Orientadores são concentrações de substâncias químicas que fornecem orientação sobre a qualidade e as alterações do solo e da água subterrânea. Nessa resolução três valores orientadores são nomeados e caracterizados: Valor de Referência de Qualidade-VRQ; Valor de Prevenção-VP e Valor de Investigação-VI.

Valor de Referência de Qualidade-VRQ: é a concentração de determinada substância que define a qualidade natural do solo, sendo determinado com base em interpretação estatística de análises físico-químicas de amostras de diversos tipos de solos (CONAMA, 2009). O VQR poderia, portanto, ser correlacionável as faixas de concentrações de background geoquímico ou baseline.

Valor de Prevenção-VP: é a concentração de valor limite de determinada substância no solo, de forma que ele seja capaz de sustentar as suas funções principais de proteção do solo. Os valores de VP são estabelecidos com base em ensaios de fitotoxicidade ou em avaliação de risco ecológico. (CONAMA, 2009).

Valor de Investigação-VI: é a concentração de determinada substância no solo ou na água subterrânea acima da qual existem riscos potenciais, diretos ou indiretos, à saúde humana, considerando um cenário de exposição padronizado (CONAMA, 2009).

Os valores de Prevenção e de Investigação são, portanto, limiares ambientais relacionados à saúde humana e de risco ecológico. Amostras de solo com resultados analíticos superiores aos limites estabelecidos para VP ou VI devem ser, obrigatoriamente, considerados e explicados nos tratamentos ambientais, especialmente buscando definir as causas dos valores altos, se relacionados a fatores geogênicos ou antropogênicos.

Figura 2 - Boxplots mostrando a variabilidade dentro das áreas para Cr e Ni. A linha pontilhada representa o limite legislativo italiano para áreas residenciais / recreativas. (modificado de Beone et al., 2018)

Figura 2 – Boxplots mostrando a variabilidade dentro das áreas para Cr e Ni. A linha pontilhada representa o limite legislativo italiano para áreas residenciais / recreativas. (modificado de Beone et al., 2018)

Uma breve ilustração sobre a relação da distribuição de valores de elementos químicos e valores ambientais orientativos é apresentada na figura 2. Beone et al (2018) desenvolveram uma aprofundada pesquisa com o objetivo de avaliar a faixa de concentração de elementos potencialmente tóxicos (EPT) em solos agrícolas da planície da Lombardia e considerar sua variabilidade espacial nas bacias dos rios Ticino, Adda, Oglio, Mincio e Pó. Solos agrícolas foram amostrados em profundidades de 0-30 cm e analisadas para determinar suas principais propriedades e suas concentrações de As, Be, Cd, Co, Cr, Cu, Hg, Mn, Mo, Ni, Pb, Sb, Se, Sn, Tl, V e Zn.

A figura 2 mostra a variabilidade dos resultados analíticos dentro das áreas estudadas para Cr e Ni. A linha pontilhada representa o limite legislativo italiano para áreas residenciais / recreativas. Todos os valores de concentração de EPT que ultrapassaram o limite legislativo para Cr e 91% daqueles para Ni localizaram-se na área de Po.

Beone et al (2018) relatam que as concentrações de Cr e Ni da planície da Lombardia estão fortemente correlacionadas (coeficiente de Pearson = 0,981) devido às suas associações mineralógicas típicas com minerais máficos. As concentrações de Cr e Ni também foram fortemente correlacionadas com Co, confirmando que os solos desenvolvidos a partir de rochas ultrabásicas são geralmente enriquecidos em Co, Cr e Ni.

Os valores mais altos de Co, Cr e Ni na área de Po, segundo Beone et al (2018), refletem a abundância de detritos ultramáficos fornecidos pelo rio Pó através de seus afluentes. Dessa forma, os resultados anômalos de Cr e Ni, alguns deles maiores que o valor ambiental orientativo estabelecido, teriam dominantemente origem geogênica.

Referências Bibliográficas

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Cruz, J.C. & Andrade, C. 2015. Natural background groundwater composition in the Azores archipelago

Fadigas, F.S.; Sobrinho, N.M.B.A.; Mazur, N.; Anjos, L.H.C.; Freixo, A.2006. Preposição de valores de referência para a concentração natural de metais pesados em solos brasileiros. Ver. Bras. De Engenharia Agrícola e Ambiental, v.10, n 3, p. 699-705.

Galuska, A. 2007. A review of geochemical background concepts and an example using data from Poland. Environ Geol (2007) 52:861–870.

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Carlos Augusto de Medeiros Filho, geoquímico, graduado na faculdade de geologia da UFRN e com mestrado na UFPA. Trabalha há mais de 35 anos em Geoquímica em Pesquisa Mineral e Ambiental.

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 02/12/2020

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