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Do Césio 137 a Covid-19

 

Do Césio 137 a Covid-19

Do Césio 137 a Covid-19 – Para não esquecer: 33 anos do maior acidente radiológico da América Latina. A carta da vitíma Odesson Alves Ferreira.

Por Márcia Gomes de Oliveira & Norbert Suchanek

Estamos em setembro de 2020, seis meses tristes de pandemia da Covid-19, um vírus que ataca especialmente os mais fracos da sociedate, os velhos e doentes. Milhares de brasileiros já foram inocentes vítimas desta nova doença. Neste mês, é importante também lembrar de um grupo de centenas de pessoas que foram reconhecidas vítimas inocentes de um outro vilão invisível. Entre outras coisas, elas tiveram o seu sistema de defesa imunológico físico danificado para sempre e, portanto, agora correm o risco de serem também vítimas da Covid-19: Estou falando das vítimas do desastre do césio-137, em 1987, em Goiânia, capital do Estado de Goiás.

Odesson Alves Ferreira poderia ser qualquer um de nós, quando foi gravemente contaminado pelo césio-137, em Goiânia. A família dele foi uma das mais atingidas. Foi seu irmão, dono de um ferro-velho, quem comprou o velho aparelho de radioterapia que originou a maior contaminação radioativa da América Latina. Na época, chegou a ser comparada com o acidente nuclear de Chernobyl, ocorrido um ano antes, pois atingiu o nível 5 de contaminação radioativa, o mesmo de Chernobyl.

Tudo começou em 13 de setembro de 1987, quando seu irmão decidiu abrir o aparelho, e distribuir entre amigos próximos e familiares, o curioso pó que brilhava no escuro. Era o pó de césio 137, altamente radioativo. Mas a questão de 1987 permanece a mesma até hoje: a população brasileira conhece os riscos da radioatividade contida em diversos aparelhos abandonados em hospitais e ferros-velhos?

Odesson Alves Ferreira, sobrevivente e membro da diretoria da Associação de Vítimas do Césio-137 (AV Césio), é um homem forte e de muita coragem. Até hoje vive as sequelas físicas e emocionais deste acidente. E, nós, sociedade brasileira, não podemos esquecer e repetir essa catástrofe que levou à morte de tantas vítimas. Diante de muita dor e sofrimento, Odesson escreve esta carta que venho aqui compartilhar com todos os brasileiros.

Odesson Alves Ferreira escreve: “Trinta e três, não, não estou falando da idade de Jesus Cristo, quando foi perseguido e morto, falo de uma tragédia que destruiu famílias, trouxe discriminação para toda população de uma cidade e até o estado. Setembro de 1987, 19 gramas de Césio 137 encontrados em um aparelho de quimioterapia abandonado nos escombros de uma clínica.

Desleixo e irresponsabilidades dos proprietários, e até das autoridades, que deveriam guardar e vigiar o objeto, que se fosse mal usado, poderia e realmente acabou com a saúde e destruiu sonhos de milhares de cidadãos e cidadãs.

Eu, um jovem membro da família mais atingida pelo maior acidente nuclear em área urbana, era caminhoneiro com muitos planos e sonhos. Um simples toque de mais ou menos dois minutos diretamente na cápsula de Césio me causou tanto sofrimento e a destruição de uma família. Com as mãos contaminadas, fui pra casa levando desgraça para esposa e filhos que hoje sofrem as consequências.

Dias e meses de dor e incertezas, dúvidas de um futuro que desenhava ser ainda mais triste, o que realmente se confirmou com o passar do tempo. Setembro de 2020, marca 33 anos daquela tragédia anunciada. Digo anunciada, porque os proprietários e autoridades tinham consciência da existência daquela bomba relógio e nada fez para evitar. O tempo passou, vítimas morreram, outras ainda hoje vegetam com incertezas e traumas, além de sequelas físicas. Para milhares de pessoas, o césio 137 foi e é um vírus do Covid-19, sim: distanciamento, isolamento e quarentena, medo e dúvidas, foi assim conosco em 1987 é assim em 2020.

Sempre fiz o possível para superar a tragédia vivida, mas às vezes é muito difícil. Hoje, vivo praticamente só, em uma chácara a cem quilômetros de Goiânia. Busquei na natureza o alívio que minha alma exige. Esquecer o passado jamais vou conseguir, mas mereço melhor qualidade psíquica de vida. Minha saúde não é das melhores, mas graças a Deus estou em boas condições. Minha família conseguiu sobreviver às dores e está bem. Estamos nos cuidando seguindo as regras e medidas de segurança, pois ao Césio 137 sobrevivemos, mas creio que contra o Novo Coronavírus não teremos resistência”.

Odesson Alves Ferreira é um heroi da uma historia do Brasil real que nós nunca poderemos esquecer. Por isso Odesson, recebeu o Prêmio de Honra ao Mérito do International Uranium Film Festival em 2017, em Berlim.

Márcia Gomes de Oliveira, Socióloga e Documentarista
Norbert Suchanek, Correspondente da Alemanha

Foto: Odesson Alves Ferreira, em Berlim, recebendo o Prêmio de Honra ao Mérito do International Uranium Film Festival, 2017.
Foto: Odesson Alves Ferreira, em Berlim, recebendo o Prêmio de Honra ao Mérito do International Uranium Film Festival, 2017.

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 24/09/2020

 

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