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O crescimento da pandemia de coronavírus e a redução da poluição ambiental, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

 

O crescimento da pandemia de coronavírus e a redução da poluição ambiental, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

Só tenho para oferecer sangue, suor e lágrimas”

Winston Churchill (às vésperas da entrada na segunda guerra mundial)

[EcoDebate] A epidemia de coronavírus assustou a China nos meses de janeiro e início de fevereiro de 2020 e provocou a paralisação das atividades econômicas do gigante asiático. O resto do mundo olhou com curiosidade e certa angústia, mas não imaginou a possibilidade de um surto global. O índice Dow Jones da Bolsa de Nova Iorque que iniciou o ano pouco acima de 28 mil pontos se manteve acima de 29 mil pontos até o dia 21 de fevereiro, refletindo uma tranquilidade do mercado financeiro americano e global diante do que acontecia no leste asiático.

Mas tudo começou a mudar rapidamente na última semana de fevereiro, quando o mundo percebeu que havia algo de novo e assustador no ar. O índice Dow Jones caiu para cerca de 19 mil pontos no dia 20 de março de 2020, um crash de estonteantes 35%. Trilhões de dólares desapareceram da economia internacional em menos de um mês. A Organização Mundial de Saúde (OMS) demorou a dizer que se tratava de uma pandemia e assumiu a gravidade da situação no dia 11 de março de 2020.

No dia 29 de fevereiro, a Covid-19 já estava presente em cerca de 80 países, atingindo 86,6 mil pessoas e provocando 2,98 mil mortes globalmente. Mas 92,2% dos casos e 96,4% dos óbitos estavam na China. A tabela abaixo mostra os 8 países com maior número de casos, mais a situação do Brasil e o total mundial. Nota-se que em 29 de fevereiro, a Coreia do Sul estava em segundo lugar em número de pessoas infectadas (3.150 casos), a Itália em terceiro lugar (1.128 casos) e o Irã em quarto lugar (593 casos). Alemanha, Espanha, Estados Unidos e França tinham 100 casos ou menos e o Brasil somente 2 casos. Os 8 países concentravam 98,1% dos casos e 99,5% das mortes. Retirando a China, os outros 7 países tinham 6% dos casos e somente 3,1% dos óbitos.

número de casos e mortes por coronavírus

Mas o quadro mudou completamente ao longo do mês de março. O crescimento dos casos na China foi muito pequeno, passando para 81,1 mil casos, com um crescimento de apenas 0,1% ao dia, entre 29/02 e 22/03. O número de mortes na China passou para 3,3 mil, com um crescimento diário de 0,6% ao dia, no mesmo período. Portanto, a China que tinha 92,1% dos casos da doença e 96,4% das mortes em 29/02, diminuiu para 24,2% e 22,3% do total, respectivamente, em 22/03/2020. A taxa de letalidade (número de mortes em relação ao número de casos) na China foi de 4% no dia 22 de março.

Ao contrário, os outros 7 países com maior número de casos e de mortes, depois da China, aumentaram sua participação relativa. Eles passaram de 6% para 57,1% dos casos e 3,1% para 69,8% das mortes durante os primeiros 22 dias de março. A Itália, o segundo país com maior impacto do surto, passou de 1,1 mil casos para 59,1 mil casos (um aumento exponencial de 19,7% ao dia) e 29 mortes para 5,5 mil mortes (um aumento exponencial de 26,9% ao dia), entre 29/02 e 22/03. A taxa de letalidade, em 22/03, foi de 9,3 mortes para cada caso confirmado, a maior entre todos os países.

Os Estados Unidos, que tinham somente 68 casos no final de fevereiro, assumiram o terceiro lugar no ranking mundial, com 32,4 mil casos em 22/03, um crescimento de impressionantes 32,3% ao dia. O número de mortes também foi significativo, passando de 1 morte para 414 mortes no período, um crescimento de 31,5% ao dia e uma taxa de letalidade de 1,3 mortes para cada caso confirmado.

Alemanha (com a menor taxa de letalidade), Espanha, e França possuem evolução aproximadamente semelhante do número de casos, mas a Espanha apresentou muito mais mortes e uma taxa de letalidade de 6,1. Já o Irã que ocupava o terceiro lugar no ranking global até semana passada, caiu para o 6º lugar e depois da Itália é o país com maior taxa de letalidade, isto é, 7,8 óbitos para cada caso registrado. Já a Coreia do Sul é um caso de sucesso pois caiu do segundo lugar no ranking para o oitavo lugar e o crescimento dos casos em março foi de “apenas” 4,8% ao dia e a taxa de letalidade de somente 1,2 óbitos para cada caso.

No mundo, o número de casos passou de 86,6 mil em 29/02 para 335,2 mil até o final da tarde do dia 22/03/2020, um crescimento de 6,3% ao dia. E o número de mortes passou de 2.977 para 14,6 mil óbitos no mesmo período, com crescimento de 7,5% ao dia e uma taxa de letalidade de 4,4 mortes para cada caso confirmado.

O Brasil apresenta uma tendência de aumento preocupante do surto de coronavírus, pois havia apenas dois casos confirmados no final de fevereiro e passou para 1.546 casos em 22/03, um aumento de 35,3% ao dia – o maior crescimento entre os 8 países apresentados na tabela. Mesmo com a quarentena do fim de semana (21 e 22 de março) o número de casos quase que dobrou em relação à sexta-feira. O número de mortes era zero no final de fevereiro, apresentou o primeiro caso no dia 17 de março e atingiu 25 casos em 22/03. Considerando o período de 17/03 a 22/03 a variação diária no número de óbitos foi de 90%. Portanto, a taxa de letalidade brasileira que está em 1,6, deve subir muito nos próximos dias.

O restante do mês de março vai ser um período de subida da curva exponencial, pois a pandemia já está se espalhando em cerca de 200 países e territórios. O impacto na saúde pública vai ser enorme, assim como o impacto econômico vai ser terrível. A situação é parecida com aquela às vésperas da entrada na segunda guerra mundial, quando Winston Churchill disse: “Só tenho para oferecer sangue, suor e lágrimas”.

Mas enquanto a pandemia de Covid-19 joga a economia para baixo, ao mesmo tempo, joga a saúde do meio ambiente para cima.

A pandemia de coronavírus veio revelar uma verdade que algumas pessoas insistiam em negar que é um impacto do crescimento econômico sobre a degradação ambiental. Na China, a epidemia de coronavírus diminuiu a produção industrial, provocou feriados prolongados e a introdução de restrições de viagens, que resultam em menores emissões de CO2. Houve uma redução geral da queima de combustíveis fósseis e o preço do barril do petróleo (WTI a menos de US$ 20) caiu para o patamar do final do século passado. As emissões da China diminuíram em um quarto ou 100 milhões de toneladas, refletindo nas imagens abaixo captadas pela Nasa.

redução da poluição na China após quarentena obrigatória

Assim, a piora dos indicadores econômicos tem sido acompanhada por um melhora nos indicadores ambientais. Em todos os lugares, quer seja a limpeza das águas dos canais de Veneza ou a redução da poluição do ar nas grandes cidades da Ásia, a natureza agradece a trégua e a quarentena humana. A NOAA da Nasa já indica que o ritmo de crescimento da concentração de CO2 na atmosfera desacelerou. Globalmente, a Covid-19 está provocando a redução das atividades antrópicas – fechando fábricas, paralisando os transportes, cortando significativamente o número de voos, etc. – resultando em uma recessão econômica que deve produzir uma diminuição nas emissões de carbono em 580 milhões de toneladas de carbono em 2020, como mostra o gráfico abaixo.

bilhões de toneladas de carbono por ano com projeção do impacto do coronavírus

Como afirmei em entrevista ao Correio da Cidadania (21/03/2020), a crise é tão grave que pode repetir “na pior das hipóteses, uma depressão econômica do nível da crise de 1929 e um número de mortes do nível do que ocorreu na Segunda Guerra Mundial (1939-1945). O certo é que os infortúnios serão severos e prolongados e os cenários podem ser bastante catastróficos. O desarranjo econômico, social e psicológico poderá ser maior do que os efeitos diretos da Covid-19 nos próximos meses, transformando 2020 em um ano ímpar”.

Quando tudo isto passar, a humanidade vai ter a oportunidade de refletir sobre o fato de que é impossível manter o modelo insustentável de produção e consumo. Perceberá que precisa reduzir a pegada ecológica global e tratar a natureza como uma aliada e não como inimiga. O ser humano precisa acordar para o fato de que sem tratar bem a ECOlogia não há como sustentar a ECOnomia. E que manter o crime do Ecocídio é o mesmo que optar pelo suicídio.

José Eustáquio Diniz Alves
Colunista do EcoDebate.
Doutor em demografia, link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382

 

Referências:

ALVES, JED. A pandemia de Coronavírus e o pandemônio na economia internacional, Ecodebate, 09/03/2020

https://www.ecodebate.com.br/2020/03/09/a-pandemia-de-coronavirus-covid-19-e-o-pandemonio-na-economia-internacional-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/

ALVES, JED. “A recessão em 2020 é inexorável e a palavra-chave para as pessoas é sobrevivência”, Correio da Cidadania, 21/03/2020

https://www.correiocidadania.com.br/34-artigos/manchete/14095-a-recessao-em-2020-e-inexoravel-e-a-palavra-chave-para-as-pessoas-e-sobrevivencia

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 24/03/2020

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