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Ribeirinhos cultivam mesmas espécies que indígenas já extintos da Amazônia Antiga, mostra estudo

 

Artigo que mostra resultados de coletas de vestígios arqueobotânicos será apresentado no 16º Simpósio sobre Conservação e Manejo Participativo na Amazônia (Simcon)

Desvendar o passado para entender o presente. Esse é um dos principais objetivos dos estudos arqueológicos. A busca pelos sinais de quem já foi ajuda a explicar os modos de vida que hoje vivem em locais cujas paisagens foram transformadas e modeladas durante séculos por diferentes populações.

Vai ser apresentado no 16º Simpósio sobre Conservação e Manejo Participativo na Amazônia um estudo que usou vestígios arqueobotânicos para investigar as espécies de plantas cultivadas por populações indígenas da Amazônia Antiga em uma comunidade ribeirinha da região do Médio Solimões.

A pesquisa atestou que a população ribeirinha que hoje ocupa a área pode ter apreço semelhante pelas espécies cultivadas há séculos atrás por grupos indígenas extintos na região.

Ocupações indígenas na comunidade Boa Esperança

Localizada na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã, a comunidade Boa Esperança é a maior e mais populosa da reserva com cerca de 300 habitantes.

Desde 2012, pesquisadores realizam escavações e coletas de materiais arqueológicos na área. O material já identificou quatro ocupações indígenas classificadas pela análise de vestígios de cerâmica, que demonstram diferentes modos de produção.

A pesquisa utiliza sementes arqueológicas como instrumento capazes de fornecer dados sobre os modos de vida das populações que viviam na área por volta do ano 1000 d.C.

A data foi escolhida por se tratar do período onde os dados arqueológicos demonstram ter ocorrido uma transformação na organização social, política e econômica que resultaram na adoção de economia mais dependente de práticas agrícolas, além da intensificação das técnicas de manejo de recursos.

Da Amazônia Antiga aos ribeirinhos de hoje: ‘gostos’ e sistemas agroflorestais semelhantes

Foram identificados registros arqueológicos de cacau (Theobroma cacao), cupuaçu (Theobroma grandiflorum), castanha-do-brasil (Bertholletia excelsa), piquiá (Caryocar sp.), açaí (Euterpe sp.), bacaba (Oenocarpus sp.) e tucumã (Atrocaryum aculleatum), espécies amplamente cultivadas e consumidas na comunidade.

Para a pesquisa, foram analisadas sementes carbonizadas que, para auxílio na identificação das espécies, foram comparadas ao material que compõe a coleção de referência de vegetais carbonizados do Instituto Mamirauá e da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa).

De acordo com o estudo, os resultados apontam a continuidade do uso da terra baseado em sistemas agroflorestais.

Mesmo quando as populações da Amazônia Antiga passaram a cultivar plantas domesticadas, fizeram-no em convergência com as atividades de caça, pesca e coleta.

“As populações não passam a depender apenas do cultivo agrícola. Ou seja, continuam usufruindo do que a floresta proporciona em épocas diferentes e se relacionando com o espaço de diferentes formas, numa interação mútua com a paisagem, que vai além das questões de subsistência, mas também abarca a visão de mundo destas populações”, explica a pesquisadora Emanuella Oliveira.

Atualmente, os ribeirinhos têm práticas de manejo semelhantes. Isso, definem os autores, “demonstra que a paisagem permanece sendo modelada pelas populações que habitam o local”.

O artigo intitulado “O sítio Boa Esperança no ano 1000 da era cristã: percepções da paisagem a partir do registro arqueobotânico” é de autoria dos pesquisadores Emanuella Oliveira, Márjorie Lima, Eduardo Tamanaha e Márcio Amaral do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM) em parceria com Mariana Franco Cassino, do Instituto Nacional de Pesquisas na Amazônia (Inpa) e Myrtle Pearl Shock, da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa).

A pesquisa será apresentada no 16º Simpósio sobre Conservação e Manejo Participativo na Amazônia (Simcon), que começou no dia 2 e vai até o dia 5 na sede do Instituto Mamirauá, em Tefé, no estado do Amazonas.

Texto: Júlia de Freitas

Do Instituto Mamirauá, in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 04/07/2019

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