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Agrotóxicos são realmente necessários? artigo de Roberto Naime

 

agrotóxicos
Agrotóxicos. Foto de Gervásio Lima

 

Agrotóxicos são realmente necessários? artigo de Roberto Naime

[EcoDebate] Flavia Londres elabora relevante e consistente reflexão. Embora a agricultura seja praticada pela humanidade há mais de dez mil anos, o uso intensivo de agrotóxicos para o controle de pragas e doenças das lavouras existe há pouco mais de meio século.

Se originaram após as grandes guerras mundiais, quando a indústria química fabricante de venenos então usados como armas químicas encontraram na agricultura um novo mercado para os seus produtos. Diversas políticas foram implementadas em todo o mundo para expandir e assegurar este mercado.

A pesquisa agropecuária se dedicou ao desenvolvimento de sementes selecionadas para responder a aplicações de adubos químicos e agrotóxicos em sistemas de monoculturas altamente mecanizados. Segundo seus promotores, esta “revolução verde” seria fundamental para derrotar a fome que assolava boa parte da população mundial.

Mas é contraditório, e esta cada vez mais cristalino, que a fome é uma questão prévia de distribuição das riquezas e equidade social e não de produção de alimentos.

No cenário mundial, a FAO (órgão das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura) e o Banco Mundial foram os maiores promotores da difusão do pacote tecnológico da Revolução Verde.

No Brasil, uma série de políticas levada a cabo por diferentes governos cumpriu o papel de forçar a implementação da chamada “modernização da agricultura”. Até hoje o governo brasileiro concede redução de 60% da alíquota de cobrança do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) a todos os agrotóxicos.

Além das isenções federais, há as isenções complementares determinadas por alguns estados Há casos que a isenção de ICMS, IPI, COFINS e PIS/PASEP para atividades envolvendo agrotóxicos chega a 100%. Mas foi na última década que o uso de agrotóxicos no Brasil assumiu as proporções mais assustadoras. Entre 2001 e 2008 a venda de venenos agrícolas no país saltou de pouco mais de US$ 2 bilhões para mais US$ 7 bilhões, quando se alcançou a triste posição de maior consumidor mundial de venenos.

Enquanto, nos últimos dez anos, o mercado mundial de agrotóxicos cresceu 93%, o mercado brasileiro cresceu 190% (ANVISA, UFPR, 2012). Nos últimos anos o Brasil se tornou também o principal destino de produtos banidos no exterior. Segundo dados da ANVISA, são usados nas lavouras brasileiras pelo menos dez produtos proscritos na União Europeia (UE), Estados Unidos, China e outros países.

É preciso observar a ineficiência deste modelo de produção, além dos desequilíbrios ecossistêmicos e homeostáticos. Mesmo com uso tão intensivo de venenos, as chamadas pragas agrícolas conseguem desenvolver mecanismos de resistência aos venenos aplicados e persistir nos campos.

Com o tempo, os agrotóxicos vão perdendo eficácia e levando os agricultores a aumentar as doses aplicadas ou recorrer a novos produtos. A indústria está sempre trabalhando no desenvolvimento de novas moléculas, que são anunciadas como “a solução” para o controle das pragas, doenças ou plantas invasoras, que com o tempo serão substituídas por outras novas, e assim infinitamente.

Quase todo tipo de profissional que apreende e incorpora princípios básicos do evolucionismo em suas áreas de trabalho, sabem que, quando determinados antídotos sintetizados, de natureza química, são ministrados para populações visando sua eliminação, tendem a sobreviver apenas indivíduos resistentes a este antídoto e, portanto, com melhor aptidão para sobrevivência.

Até que sejam eliminados por novas versões de antídotos químicos, pesquisados, sintetizados e desenvolvidos especialmente para esta finalidade. Numa espiral que se conhece o começo, mas não tem fim. Qualquer médico sabe que quando determinado vírus ou bactéria se torna resistente a um antibiótico, é preciso lançar mão de uma a geração mais moderna de antídotos químicos, numa espiral sem fim.

Trata-se de um círculo vicioso do qual nem o agricultor, nem a sociedade conseguem se libertar. Um outro elemento chave neste processo é que o desequilíbrio ambiental provocado por estes sistemas leva também ao surgimento de novas pragas.

Em outras palavras, insetos ou plantas que antes não provocavam danos às lavouras, passam a se comportar como invasores e atacar as plantações. A última novidade da indústria para “solucionar os problemas da agricultura” foi o desenvolvimento das famigeradas sementes transgênicas.

Esta tecnologia segue a mesma lógica da agricultura convencional, ora fabricando plantas inseticidas, ora plantas de uso associado a herbicidas e, desde que foi introduzida há pouco mais de uma década, só fez aumentar o consumo de agroquímicos. Com tudo isso, a agricultura química vem, ao longo das últimas décadas, apresentando resultados cada vez piores na relação produtividade versus custos de produção e deixando os agricultores a cada dia mais estrangulados.

Se pensa que não é necessário alcançar o estágio de certos vírus e certas bactérias que ganham o “status” de “super” indivíduos, infestando e causando terror em episódios ou efemérides esporádicas em hospitais humanos e eventualmente em safras ou produções agropecuárias consideradas.

Todos sabem que a espiral de desenvolvimento de inimigos ou moléculas químicas que combatam doenças em humanos ou pragas em lavouras é uma espiral infinita e que o único resultado absolutamente certo é um desequilíbrio ecossistêmico cada vez maior e gerações de vírus, bactérias ou pragas agrícolas cada vez mais fortalecidas pela seleção propiciada pela utilização dos antídotos cada vez mais fortes e potentes.

 

Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.

Sugestão de leitura: Civilização Instantânea ou Felicidade Efervescente numa Gôndola ou na Tela de um Tablet [EBook Kindle], por Roberto Naime, na Amazon.

 

Referências:

ANVISA – UFPR – Relatório sobre Mercado e Regulação de Agrotóxicos 2012. Disponível em http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/b064b7804c1890a395ccd5dc39d59d3e/Se min%C3%A1rio+ANVISA+Mercado+e+Regula%C3%A7%C3%A3o+de+Agrot %C3%B3xicos+2012+%5BSomente+leitura%5D.pdf?MOD=AJPERES

BOCHNER, R.. Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas – SINITOX e as intoxicações humanas por agrotóxicos no Brasil. In Ciência & Saúde Coletiva, 12(1):73-89, 2007.

CARNEIRO, F.; SOARES, V.. Brasil é o país que mais usa agrotóxicos no mundo. Artigo publicado no Portal EcoDebate em 08/07/2010. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/index.php? option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=34124

DOMINGUES, B.. Proteção para quem? Saúde se preocupa com os efeitos dos agrotóxicos no Brasil, o maior consumidor dessas substâncias no mundo.
Revista RADIS – Comunicação em Saúde. Número 95, julho de 2010. Rio de Janeiro: Fiocruz, p. 11-15. Disponível em: http://www4.ensp.fiocruz.br/radis/95/pdf/radis_95.pdf

LONDRES, F. Agrotóxicos no Brasil – um guia para ação em defesa da vida. Rio de Janeiro: ANA e RBJA, 2011. 190 p. Disponível em: http://aspta.org.br/wp-content/uploads/2011/09/Agrotoxicos-no-Brasilmobile.pdf

http://coleciona.mma.gov.br/wp-content/uploads/bsk-pdf-manager/34_agrotoxicos-Flavia-Londres.pdf

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 28/03/2019

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