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Pedaladas contábeis no cálculo do déficit da previdência, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

Pedaladas contábeis no cálculo do déficit da previdência, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

“Tuas ideias não correspondem aos fatos
O tempo não para”
Cazuza

 

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[EcoDebate] Numa sociedade democrática é saudável que as diferentes visões econômicas, sociais e políticas se aflorem e que os diversos segmentos sociais se mobilizem para defender os seus direitos e um projeto de nação. Mas como os gregos antigos já sabiam, os sofistas se aproveitam das imperfeições da linguagem e das falhas do sistema democrático para difundir ideias e propostas que não coadunam com os fatos.

É simples calcular o déficit (ou superávit) da previdência, pois basta contabilizar as fontes de receitas e as fontes de gastos. O que torna o cálculo difícil e polêmico são as escolhas para definir o que entre nas receitas e o que entra nas despesas.

Por exemplo, a aposentadoria rural e o BPC (Benefício de Prestação Continuada) – com inegável natureza assistencial – devem entrar na contabilidade das despesas previdenciárias? E na receita, além das contribuições, devem entrar outros tributos do orçamento geral e deve se incluir o que foi retirado via DRU (Desvinculação de Receitas da União)?

Dependendo do posicionamento político do cidadão, as receitas podem ser engrossadas e as despesas podem ser desinfladas, ou o contrário. Outra questão é saber sobre o déficit de curto prazo e o déficit de longo prazo (atuarial). Desta forma, não é incomum ver pessoas sérias e respeitáveis dizerem que há déficit na previdência e outras tantas dizerem que não há déficit na previdência.

Ou seja, todo mundo tem razão e ninguém se entende (contribuindo para aumentar o descrédito na expertise dos economistas, demógrafos e atuários). Com a possibilidade de pedaladas fiscais (à esquerda ou à direita), o déficit/superávit da previdência fica parecendo com aquela brincadeira de ver formas e figuras na configuração das nuvens. Cada pessoa enxerga o bicho que sua imaginação cria.

Mas como alertou Cazuza: mesmo que “Tuas ideias não correspondem aos fatos”, a realidade é inexorável e “O tempo não para”.

Uma forma de avaliar se o Brasil tem um sistema previdenciário excepcional é compará-lo com os demais países do mundo. A figura acima é um bom referencial. Nota-se que o Brasil está sozinho no quadrante superior da esquerda. Isto quer dizer que entre os países com uma estrutura etária jovem o Brasil é o países que tinha a maior despesa (13% da proporção do PIB) para uma população idosas (65 anos e mais) de apenas 8% da população. Já o Chile tinha uma despesa de 4,9% do PIB para uma população idosa de 11% do total populacional.

Portanto, a maioria dos países jovens tem gastos totais baixos com a previdência. Os países que possuem gastos totais previdenciários maiores do que o Brasil (com proporção do PIB) são países os que já passaram pela transição demográfica e enfrentam o desafio do envelhecimento populacional. São países que aproveitaram o bônus demográfico e agora conseguem financiar uma alta proporção de pessoas na Terceira Idade.

Levando-se em conta os países da OCDE, o gasto previdenciário dos países cuja proporção de idosos é de 14% tendem a ter, aproximadamente, uma despesa de 7% do PIB. O Brasil, mais ou menos, mantém uma paridade entre a proporção de idosos e a proporção do gasto previdenciário em relação ao conjunto das riquezas produzidas a cada ano.

Como o Brasil vai ter cerca de 14% de idosos em 2030 e cerca de 28% de idosos em 2060, a despesa previdenciária, mantido as tendências históricas, tende a abarcar a quase totalidade das receitas orçamentárias do governo. Evidentemente, nenhum país do mundo consegue destinar a maioria do seu orçamento público para cuidar dos idosos, pois a economia e o conjunto da população também requer recursos para os investimentos em infraestrutura, educação, saúde, geração de emprego, etc.

Dizer que não se pode fazer a reforma da previdência, pois não se deve ter “nenhum direito a menos” é ignorar que o Brasil tem cerca de 25 milhões de pessoas desempregadas, no conceito amplo da taxa composta de subutilização da força de trabalho, segundo a PNADC, do IBGE. São milhões de pessoas sem o direito humano básico ao trabalho. É um potencial produtivo jogado fora e nenhuma nação do mundo sobreviveu e prosperou sem garantir o pleno emprego e o trabalho decente.

Os direitos previdenciários têm que ser garantidos dentro de uma perspectiva de projeto de nação que considere os direitos do conjunto da população e a solidariedade intergeracional.

É injusto penalizar as gerações jovens que não terão os mesmos direitos dos idosos de hoje. Assim, é preciso recorrer menos às pedaladas contáveis e ter mais transparência na análise econômica e atuarial.

Fazer uma reforma previdenciária é necessidade inexorável. Resta saber qual reforma fazer. A sociedade brasileira precisa saber os detalhes da proposta do atual governo, precisa participar de forma democrática e lutar para viabilizar uma reforma que combata os privilégios, garantindo sustentabilidade econômica de longo prazo.

Para maiores informações sobre o assunto ver o artigo abaixo:

ALVES, JED. “Transição demográfica, envelhecimento e a reforma da previdência” Fundação Konrad Adenauer, Rio de Janeiro, Cadernos Adenauer XIX (2018), nº 2, pp: 79- 101, julho 2018
http://www.kas.de/wf/doc/26273-1442-5-30.pdf

 

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 20/02/2019

[cite]

 

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