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Artigo

Vivemos no melhor dos mundos? artigo de José Eustáquio Diniz Alves

 

“Vivemos no melhor dos mundos possíveis”
Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716)

 

 

[EcoDebate] Steven Pinker é um autor cornucopiano que acredita no progresso e na conquista da abundância para satisfazer o bem-estar do ser humano. Em 2012, ele publicou o livro “The Better Angels of Our Nature: Why Violence Has Declined”. Agora, em 2018, ele volta à carga como um novo livro “Enlightenment Now: The Case for Reason, Science, Humanism, and Progress”, onde reforça as mesmas ideias sobre o avanço das atividades antrópicas e sobre as conquistas civilizacionais.

Do ponto de vista estritamente antropocêntrico, a ideia de “vivemos no melhor dos mundos”, pode ser considerada correta, como Steven Pinker tem insistido em dizer e como mostrei no artigo “A grande cisão: sucesso humano versus fracasso ecológico” (Alves, 25/03/2015). Mas cabe duas ressalvas: 1) houve de fato um inquestionável progresso humano, mas isto ocorreu às custas do regresso ambiental; 2) se o padrão de vida humano aumentou muito nos últimos 200 anos, não quer dizer que continuará subindo nos próximos 200 anos, podendo até haver retrocessos.

No livro “Os melhores anjos da nossa natureza: por que a violência diminuiu” (Companhia das Letras, 2013), Pinker busca mostrar que o mundo atual está mais seguro para se viver e a raça humana se mostra cada vez menos violenta consigo mesma. Embora com duas guerras mundiais, um punhado de ditadores genocidas, homicídios, inúmeros conflitos localizados e 180 milhões de mortes nos diversos massacres, o século 20 é o campeão de um banho de sangue em termos absolutos, mas não em termos relativos. Pinker considera que, em termos proporcionais, a violência sempre foi maior entre os nossos ancestrais. Ou seja, a tese do livro é simples: a violência diminuiu em termos absolutos ao longo da jornada milenar do Homo sapiens até os dias de hoje. Por exemplo, a “gripe espanhola”, de 1918, matou muito mais gente que a soma da epidemia de Ebola, gripe aviária e outras epidemias recentes.

Além disto a sociedade está ficando mais democrática. Pinker mostra que houve avanço da democracia no mundo depois de 1945. A maioria dos países do globo hoje são democráticos e não somente os países ricos do Ocidente, mas também as diversas nações de todos os continentes. O autor considera que o fato de a humanidade ter caminhado para a prosperidade e a paz não é garantia de que vá continuar a fazê-lo. Para manter a linha da paz e tolerância, ele considera ser necessário que os “anjos” preponderem sobre os “demônios”, e ele, como otimista confesso, acredita mais nos anjos do que nos demônios.

Agora em 2018, no livro “Iluminismo Hoje. Em Defesa da Razão, da Ciência, do Humanismo e do Progresso”, Pinker reforça a sua aposta nos anjos bons e diz que as pessoas, normalmente, subestimam o progresso que a humanidade está fazendo. Para ele, o mundo é cerca de 100 vezes mais rico do que 200 anos atrás e, ao contrário da crença popular, sua riqueza é distribuída de forma mais uniforme. A participação das pessoas que morrem anualmente nas guerras é menor bem menor do que nas décadas anteriores e meio por cento do que morreram na Segunda Guerra. A mortalidade por causas externas (acidentes de carro, incêndios, acidentes de trabalho) também diminuiu .

Ele diz que o progresso incrivelmente rápido, possibilitou que a grande maioria dos americanos pobres usufruíssem de luxos não disponíveis para os Vanderbilts e Astors de 150 anos atrás, como eletricidade, ar-condicionado e televisores a cores. Os vendedores ambulantes do Sudão do Sul têm melhores telefones celulares do que os magnatas da primeira metade do século XX. As pessoas têm tempo livre e a Amazon e a Apple oferecem uma deslumbrante variedade de entretenimento para preenchê-lo. As pessoas também estão crescendo mais inteligentes e mais humanas. As pontuações de QI aumentaram cerca de 30 pontos em 100 anos. Isto se deve à melhor nutrição e mais estimulação cerebral. Para Pinker, o progresso e os valores iluministas estão prevalecendo no mundo. A ciência e a tecnologia estão resolvendo os problemas materiais da humanidade.

O filósofo Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) costumava dizer, 300 anos atrás, que “Vivemos no melhor dos mundos possíveis”. Em resposta, Voltaire (1694-1778) escreveu o livro “Cândido ou o Otimismo”, onde ironiza o otimismo de Leibniz. Apesar de Cândido, em toda a história de vida, apenas presenciar desastres e dificuldades, os ensinamentos do Dr. Pangloss sempre insistiam no mantra de que “tudo vai pelo melhor no melhor dos mundos possíveis”. Desta forma, enquanto Pinker tenta reviver e requentar o otimismo de Leibniz, parece que a maioria do mundo se identifica com os apuros de Cândido.

Do ponto de vista dos interesses da humanidade, a ideia abraçada por Steven Pinker de que “vivemos no melhor dos mundos” não é incorreta, pois os dados mostram que o avanço da humanidade desde o início da Revolução Industrial e Energética foram realmente inquestionáveis. Contudo, ele esqueceu de avaliar o estado do meio ambiente e comparar o que aconteceu com a natureza nos últimos 200 anos desde o início do uso generalizado de combustíveis fósseis e produtos químicos na agricultura e pecuária.

Seria um erro extrapolar as tendências positivas dos últimos dois séculos para os próximos 200 anos. Por exemplo, houve realmente uma queda impressionante da mortalidade na infância que era de 400 por mil e caiu para 40 por mil. Com isto a esperança de vida que era de menos de 30 anos passou para mais de 70 anos. Mais pessoas vivendo mais tempo puderam investir em capital humano e terem um grande retorno no mercado de trabalho. Ganharam os indivíduos, as famílias e as nações. Contudo, o atual aumento da longevidade só aumenta o envelhecimento populacional e a razão de dependência demográfica, que representam um ônus para a economia. O custo para manter uma população envelhecida é muito alto e tende a depreciar a economia. Ou seja, o fim do bônus demográfico será um dos grandes desafios do século XXI.

Assim, como tenho insistido em dizer em vários artigos anteriores, todo o avanço das condições de vida dos habitantes da Terra ocorreu às custas do retrocesso das condições ambientais. Enquanto a humanidade avançou, as demais espécies vivas do Planeta regrediram e os ecossistemas foram degradados. O ser humano usou a riqueza ecossistêmica para usufruto próprio e reduziu as condições ambientais para as futuras gerações.

Portanto, o extraordinário avanço antrópico ocorrido nos últimos dois séculos pode não se repetir no futuro e diversas conquistas podem ir por água abaixo. As mudanças climáticas e a perda de biodiversidade pode gerar um grande colapso ambiental ou até mesmo um apocalipse ecológico.

É impossível o ser humano permanecer rico em um Planeta empobrecido. O ecocídio é também um suicídio.

Referências:

ALVES, JED. A grande cisão: sucesso humano versus fracasso ecológico, Ecodebate, 25/03/2015
http://www.ecodebate.com.br/2015/03/25/a-grande-cisao-sucesso-humano-versus-fracasso-ecologico-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/

PINKER, Steven. Os Anjos Bons da Nossa Natureza: por que a violência diminuiu, São Paulo, Companhia das Letras, 2013

PINKER, Steven. Enlightenment Now: The Case for Reason, Science, Humanism and Progress. By Steven Pinker. Viking; 2018

 

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 16/03/2018

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