EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Artigo

Os 500 anos da Reforma Protestante, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

 

“A religião é o ópio do povo”
Karl Marx

 

500 anos da Reforma Protestante

 

[EcoDebate] No dia 31 de outubro de 1517, Martinho Lutero afixou na porta da Igreja de Todos os Santos, no castelo de Wittenberg, na Alemanha, as suas 95 teses e a denúncia da corrupção na Igreja Católica Romana, pela venda maciça de indulgências aos pecados dos fiéis. Foi o início de uma grande divisão na Igreja e de uma revolução que teve um grande impacto no mundo, especialmente na Europa e nos Estados Unidos.

Em 2017, a Reforma Protestante completa 500 anos. A importância de Martinho Lutero na reforma da igreja é inconteste. Mas existe uma grande polêmica teórica sobre o significado da Reforma Protestante.

Karl Marx dizia que “A religião é o ópio do povo”. Esta frase expressa a concepção marxista do fenômeno religioso, pelo menos aos olhos da maior parte das pessoas. Mas para Michael Lowy (2008): “Uma leitura atenta do texto de Marx mostra que ele é mais nuançado do que se acredita, dando conta da dupla natureza do fenômeno: a angústia religiosa é por um lado a expressão da angústia real e, por outro, o protesto contra a angústia real”.

Ainda segundo Lowy, o estudo marxista da religião, enquanto fato social e histórico, como uma das múltiplas formas da ideologia, da produção espiritual de um povo, da produção de ideias, de representações e da consciência, está condicionada pela produção material da vida e pelas relações sociais correspondentes.

Frederico Engels vai além e relaciona as representações religiosas com a luta de classes. Segundo Lowy, mais além da polêmica filosófica, Engels “tenta compreender e explicar as manifestações sociais concretas da religiosidade. O cristianismo não aparece mais como uma ‘essência’ atemporal, mas como uma forma cultural que se transforma historicamente: primeiro religião de escravos, depois ideologia do Estado do Império Romano, religião adequada à hierarquia feudal e finalmente religião adaptada à sociedade burguesa”.

De forma um pouco simplificada, podemos dizer que, para o marxismo, as condições materiais de vida e as relações sociais de produção determinam a narrativa religiosa. Assim, a Reforma Protestante teria sido fruto dos interesses próprios da burguesia nascente já no início do capitalismo. Ou de forma elementar: o capitalismo gerou a Reforma Protestante.

Esta explicação materialista se choca com a explicação culturalista desenvolvida por Marx Weber. O grande sociólogo alemão, no famoso livro “A ética protestante e o espírito do capitalismo”, mostra as afinidades eletivas entre o comportamento econômico e suas raízes religiosas. Partindo de evidências empíricas, Weber percebeu uma relação estatística positiva entre a liderança capitalista, a força de trabalho mais qualificada e as regiões mais ricas da Europa e dos Estados Unidos com a filiação religiosa ao protestantismo.

Para ele, o espírito do capitalismo (incessante acumulação do capital por meio do crescimento do mercado e do avanço das forças produtivas) foi impulsionado, de forma “não antecipada”, pela ética protestante, particularmente, o “protestantismo ascético” ou “puritanismo”. O capitalismo nascente exigia grandes jornadas de trabalho e altas taxas de poupança e investimento para viabilizar a “Riqueza das Nações” (como mostrou Adam Smith).

A Reforma Protestante gerou uma mudança cultural. O protestantismo modificou a visão pejorativa sobre a riqueza predominante entre os católicos. Nunca o dinheiro e a acumulação material foram vistos de forma tão positiva. Mas a riqueza não era vista como um fim em si mesma e sim como comprovação da idoneidade religiosa dos indivíduos. Os fiéis tinham que provar sua devoção religiosa com base no trabalho árduo, sério, honesto e disciplinado.

Na teoria weberiana, o “desencantamento do mundo” foi fundamental para eliminar a magia como meio de salvação e fortalecer o processo de racionalização da cultura ocidental de base iluminista. Desta forma, a religião protestante contribuiu para a formação do empresário moderno e do trabalhador urbano-industrial.

Para Weber, o espírito profissional da modernidade tem sua raiz na moral religiosa e no ascetismo puritanos. Assim, historicamente, o capitalismo se desenvolveu com mais intensidade nos países de maioria protestante e, esses países são exatamente os que predominam no grupo das nações de maior renda e de maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Portanto, na concepção weberiana a Reforma Protestante veio antes e impulsionou o capitalismo industrial.

O fato é que a Reforma Protestante se espalhou pelo norte da Europa, Grã-Bretanha (Igreja Anglicana), Estados Unidos e Oceania. Porém, os Reinos de Portugal e Espanha, sob a batuta do Vaticano, mantiveram a hegemonia católica na América Latina nos séculos seguintes e conseguiram manter os partidários da Reforma distantes do Brasil.

Porém, o catolicismo está em declínio e o protestantismo está em alta na América Latina e no Brasil. O continente latino-americano está passando por uma transição religiosa com o declínio das filiações católicas, aumento das filiações protestantes/evangélicas, aumento das pessoas que se declaram sem religião e aumento de religiões não cristãs.

O catolicismo venceu na América Latina e Caribe (ALC), nos primeiros 500 anos após o protesto de Martinho Lutero, em 1517. Mas o protestantismo, especialmente os evangélicos pentecostais, estão rompendo as barreiras e avançando na região. Tudo indica que os próximos anos, no que se refere à correlação de forças entre católicos e evangélicos, serão “outros quinhentos”.

Referência:

WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Pioneira, 1967

Michael Lowy. Marxismo e Religião, Orientação Marxista, 19/02/2008
http://orientacaomarxista.blogspot.com.br/2008/02/marxismo-e-religio-michael-lowy.html

 

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 09/10/2017

[cite]

 

[CC BY-NC-SA 3.0][ O conteúdo da EcoDebate pode ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, à EcoDebate e, se for o caso, à fonte primária da informação ]

Inclusão na lista de distribuição do Boletim Diário da revista eletrônica EcoDebate, ISSN 2446-9394,

Caso queira ser incluído(a) na lista de distribuição de nosso boletim diário, basta enviar um email para newsletter_ecodebate+subscribe@googlegroups.com . O seu e-mail será incluído e você receberá uma mensagem solicitando que confirme a inscrição.

O EcoDebate não pratica SPAM e a exigência de confirmação do e-mail de origem visa evitar que seu e-mail seja incluído indevidamente por terceiros.

Remoção da lista de distribuição do Boletim Diário da revista eletrônica EcoDebate

Para cancelar a sua inscrição neste grupo, envie um e-mail para newsletter_ecodebate+unsubscribe@googlegroups.com ou ecodebate@ecodebate.com.br. O seu e-mail será removido e você receberá uma mensagem confirmando a remoção. Observe que a remoção é automática mas não é instantânea.