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Artigo

Colapso econômico, demográfico e ambiental de Porto Rico, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

 

Puerto Rico: Total Population

 

[EcoDebate] Porto Rico é uma ilha do Caribe com uma população de 3,6 milhões de habitantes, em 2017, e uma área de 9.104 km2 (menor do que a cidade de Manaus que tem 11.104 km2). Porto Rico foi uma colônia e província espanhola desde a invasão de Cristóvão Colombo em 1493, até a Guerra Hispano-Americana de 1898. Os porto-riquenhos passaram a ser cidadãos americanos em 1917, quando o país se tornou um estado associado aos Estados Unidos.

Porto Rico foi atingido duramente pelo furacão Irma, no dia 07 de setembro de 2017, e, antes mesmo de ter tempo para se recuperar, foi devastado pelo furacão Maria, no dia 20 de setembro. O Maria gerou ventos de até 250 km/h, inundações litorâneas de grande volume e chuvas torrenciais quando tocou o solo perto de Yabucoa, no sudeste da ilha. O furacão Maria foi a pior tempestade a se abater sobre a ilha em 100 anos, transformando ruas em rios repletos de destroços, danificando edifícios e cortando totalmente a oferta de energia. A proporção dos danos materiais foi inédita e incomensurável.

Mas os furacões não são os únicos problemas de Porto Rico. Na verdade, o país está vivendo um colapso econômico, demográfico e ambiental.

Vamos começar pela economia. Porto Rico tem uma dívida monstruosa de US$ 124 bilhões, sendo US$ 74 bilhões para os bancos e um adicional de US$ 50 bilhões em obrigações de pensão para professores e quase todos os outros funcionários do governo. O PIB em 2017 está previsto em US$ 99,7 bilhões. Em maio, o país registrou a maior falência na história dos EUA. E já é conhecido como a “Grécia das Américas”.

A dívida porto-riquenha não é somente muito maior do que o PIB nacional, ela é impagável porque a economia está em declínio e não gera os recursos suficientes para amortizar o passivo de dívidas. O gráfico abaixo, com dados do FMI, mostra que Porto Rico está em recessão desde 2005 e não há recuperação à vista (as projeções do FMI foram feitas antes dos furacões). A recessão porto-riquenha é maior do que a profunda recessão brasileira. Porto Rico terá duas décadas perdidas encadeadas e este quadro pode prosseguir na próxima década, mostrando que o século XXI pode representar o colapso econômico da ilha associada dos EUA.

 

crescimento do PIB em Porto Rico: 1981-2022

 

O segundo colapso é demográfico. As projeções da Divisão de População da ONU mostram que a população de Porto Rico era de 2,2 milhões de habitantes em 1950 e chegou ao pico de 3,8 milhões de pessoas em 2001. De lá para cá a população vem caindo e chegou a 3,6 milhões em 2017. Mas para o restante do século, a previsão da ONU (feita também antes dos furacões) indica uma população de apenas 2 milhões de habitantes em 2100. Desta forma, Porto Rico pode ter uma população em 2100 menor do que aquela que tinha em 1950. A população em idade ativa (PIA) deve cair de 2,2 milhões em 2000 para menos de 1 milhão em 2100, reduzindo dramaticamente a força de trabalho do país.

Mas essa projeção média da ONU pressupõe um aumento da atual taxa de fecundidade total (TFT) que está em somente 1,47 filho por mulher. Contudo, pode ser que a TFT não suba, porque a população jovem de Porto Rico está emigrando e abandonando a ilha. O desemprego persistentemente alto, associado a melhores oportunidades de emprego no continente dos EUA, empurrou os porto-riquenhos para pegar suas malas e se mudar, principalmente para a Flórida e o Texas. O ritmo também está aumentando. Em 2005, cerca de 47 mil porto-riquenhos deixaram a ilha para o continente. No ano passado, foram 89 mil emigrantes.

Assim, Porto Rico está em crise econômica e demográfica. Neste quadro dramático, a crise ambiental vai ter um efeito de aprofundar as duas crises anteriores. Por exemplo, o país vai gastar vários meses para restaurar a energia elétrica e o pleno acesso à água potável na ilha. Gastará anos para recuperar os domicílios e a infraestrutura. Três cidades situadas nas proximidades da represa de Guajataca, no noroeste de Porto Rico, estão sendo evacuadas preventivamente devido ao temor pelo rompimento da barragem. A abertura iminente das comportas da barragem pode afetar cerca de 70 mil pessoas. O fato é que várias áreas da ilha ficaram inviabilizadas para moradia ou outras atividades econômicas e podem ficar, para sempre, inabitáveis.

 

destruição provocada pelo furacão Maria, em Porto Rico, setembro de 2017

 

Por conta de tudo isto, Porto Rico pode naufragar em decorrência do colapso econômico, demográfico e ambiental. Evidentemente, o país caribenho tem uma posição privilegiada no sentido que seus habitantes possuem a alternativa para se mudar para os EUA e não terão os problemas enfrentados por refugiados da Síria e da África.

Outra observação importante é que o colapso econômico, demográfico e ambiental de Porto Rico não significa que os porto-riquenhos possuam um padrão de bem-estar pior do que a média da América Latina. Ao contrário, a mortalidade infantil é de apenas 5 mortes para cada mil nascidos vivos em 2017 (na média da ALC é de 16 por mil). A esperança de vida ao nascer em Porto Rico chegou a 80,2 anos em 2017 (na média da ALC é de 75,7 anos).

O gráfico abaixo (também com dados do FMI) mostra que, no caso de Porto Rico, a despeito de toda a crise econômica, a renda per capita (em ppp) que era igual à da Venezuela em 1980 e 1,5 vezes maior do que a renda brasileira, chegou a US$ 38,6 mil em 2017, contra US$ 15,5 do Brasil e US$ 12,9 da Venezuela. A renda per capita de Porto Rico era 1,5 vezes a renda per capita brasileira e passou para 2,5 vezes atualmente. O Brasil está pior do que um Porto Rico falido.

Portanto, os porto-riquenhos têm maior renda per capita, menor mortalidade infantil e maior esperança de vida do que seus parceiros venezuelanos e brasileiros. O IDH de Porto Rico está no nível de 0,865, muito acima do IDH da Venezuela e do Brasil, que estão, respectivamente, em 0,767 e 0,754.

 

renda per capita (em ppp) de Porto Rico, Brasil e Venezuela: 1980-2022

 

Ou seja, Porto Rico é o país com melhores condições sociais da América Latina e Caribe (ALC). Mas também é um país em declínio e fortemente impactado pelo colapso econômico, demográfico e ambiental. A única certeza do país é que vai sofrer novos danos com novos furacões impulsionados pelo aquecimento global e pelas mudanças climáticas, tornando diversas áreas inabitáveis. É um país não apenas submergente, mas em via de algo, enquanto nação, próximo à extinção.

Para o bem ou para o mal, os porto-riquenhos possuem cidadania americana e podem trocar de lar, opção que outros países não possuem. Já Brasil e Venezuela, por exemplo, com seus “furacões” em Brasília e Caracas, vão ter que conviver eternamente com os colapsos e as regressões. E o pior, suas populações não poderão emigrar em massa.

 

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 27/09/2017

[cite]

 

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One thought on “Colapso econômico, demográfico e ambiental de Porto Rico, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

  • Uma coisa importante a notar é que a “cidadania” (sim, aspas) americana dos porto-riquenhos não garante a eles o direito a voto. Eles só podem votar em eleições americanas se se mudarem para o continente, ou para o Havaí. Ou seja, basicamente, são uma colônia. Podem ser uma colônia com IDH alto, mas ainda assim, colônia, sem direito a voto.
    Essa falta do direito a voto faz diferença? Claro que faz. Se o Trump estivesse ameaçado de perder um dos grandes distritos de voto ignorando o desastre em Porto Rico, dificilmente ele trataria o lugar inteiro da forma como está tratando.

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