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Aquecimento recorde em 2016 e os seis anos de contínuo aumento da temperatura, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

 

o aumento da temperatura em relação à média do século XX: 2011-2016

 

[EcoDebate] O ano de 2016 foi o mais quente já registrado. Desde o início da série de medição regular da temperatura do planeta, que começou em 1880, é a primeira vez que a temperatura atinge 0,94º Celsius acima da média do século XX e, ao mesmo tempo, o aquecimento global aumenta por seis anos seguidos.

As temperaturas ficaram, acima da média do século XX, em 0,58º C em 2011, 0,62º C em 2012 e 0,67º C em 2013. Mas, nos 3 casos, as temperaturas foram menores do que em 2010 que estabeleceu a marca de 0,70º C acima da média do século XX. Nos anos seguintes, pela primeira vez a temperatura bate recordes sucessivos por três anos seguidos, 2014 com 0,74º C, 2015 com 0,90º C e 2016 com 0,94º C. Estes 3 anos foram os mais quentes já registrados.

O aumento da temperatura não segue uma tendência retilínea e monotônica. A temperatura cresce em espiral com momentos de pico e momentos de vale. Houve um pico em 1998, quando a temperatura atingiu a marca de 0,63º C, acima da média do século XX. Foi o maior valor do século passado. Mas nos anos seguintes a temperatura caiu e só voltou a níveis acima daquele patamar em 2005 e 2010, com 0,66º C e 0,70º C, respectivamente.

Embora o aumento da temperatura não seja monotônico e mesmo havendo oscilações naturais, dos dezessete anos mais quentes já registrados, dezesseis estão no século XXI.
Como em 2011 a temperatura global ficou abaixo daquela atingida em 1998, isso fez os céticos do clima falarem em hiato climático e argumentarem que o aquecimento global seria uma fraude. Mas, na realidade, a temperatura média do século XXI tem sido muito mais elevada do que a temperatura média do século XX e o aquecimento global não está estagnado, mas, sim, está se acelerando.

Considerando toda a série histórica (entre 1880 e 2016), o aumento médio por década foi de apenas 0,07º C, como mostra o gráfico abaixo. As barras azuis são dos anos em que a temperatura ficou abaixo da média do século XX, enquanto as colunas vermelhas são dos anos que ficaram acima da média do século passado. Nota-se que desde 1977, todos os anos apresentaram temperatura acima da média do século XX. E o aumento foi crescente.

 

global land and ocean temperature anomalies - january-december

 

O gráfico abaixo mostra que a média do período 1950-2000 foi de 0,11º C, por década, apresentando um aumento significativo em relação ao 0,07º C. da média de toda a série.

 

global land and ocean temperature anomalies - january-december, 1950-2000

 

Já o gráfico abaixo mostra que a média do período 2000 a 2016 aumentou e foi de 0,19º C, por década. Ou seja, o ritmo de aquecimento nos 16 primeiros anos do século XXI está aumentando quase o dobro do que aconteceu na segunda metade do século XX e quase o triplo do ritmo prevalecente em toda a série. No ritmo dos primeiros 16 anos do século XXI o aquecimento global deve ultrapassar 2,5º C

 

global land and ocean temperature anomalies - january-december, 2000-2016

 

Artigo de Dutton e colegas (2015), na revista Science, analisando o nível dos oceanos durante períodos quentes na história recente da Terra, semelhantes ou ligeiramente superiores aos atuais, particularmente o último interglacial – um período quente entre eras glaciais cerca de 125 mil anos atrás – quando a temperatura média global foi semelhante à atual. Eles observaram que o nível médio do mar estava entre 6 e 9 metros em relação aos níveis atuais, causado pelo derretimento do gelo dos glaciares, da Groenlândia e da Antártida. Antes disso, cerca de 400 mil anos atrás, quando as temperaturas médias globais foram estimadas entre 1°C e 2°C acima dos níveis pré-industriais, o mar chegou a estar entre 6 e treze metros acima do que está hoje.

Artigo de Tobias Friedrich et. al., publicado na revista Science (09/11/2016) sugere que o clima da Terra poderia ser mais sensível aos gases de efeito estufa do que se pensava, elevando o espectro de um cenário apocalíptico da elevação da temperatura de mais de até 7º C dentro do espaço de uma vida.

Relatório do Banco Mundial (2016), divulgado durante a COP-22 em Marrakesh, estimou as perdas causadas pelas catástrofes naturais em US$ 520 bilhões ao ano, revisando para cima a alta dos prejuízos sofridos pela população mais carente. A nova avaliação de perdas do BM é superior em 60% aos cálculos habituais das Nações Unidas (US$ 300 bilhões). A diferença se dá porque os autores do informe não calcularam apenas as perdas materiais (moradias, infraestruturas, meios de transporte), como também a perda do “bem-estar” que um desastre natural causa aos mais desfavorecidos. Isso inclui gastos com alimentação, educação, saúde etc, já que os atingidos perderam tudo ou quase tudo. Por isso, o BM acredita que, se o planeta não sofresse catástrofes naturais durante um ano, mais de 26 milhões de pessoas escapariam da pobreza.

Chegar a 1,5º C será um perigo. Ultrapassar os 2º C será uma catástrofe. Mas quando consideramos a linha base de comparação o período 1881-1910, o limite de 1,5º C já foi alcançado em março de 2016. Na final do ano de 2016, a temperatura ficou em torno de 1,2º C, em relação ao período 1881-1910 (mais próximo da etapa pré-industrial), conforme mostra o gráfico abaixo:

 

on the edge of 1,5°C

 

Se o aquecimento global ultrapassar os 2º C e o nível do mar subir 6 metros todas as praias do mundo, na forma atual, desaparecerão e grandes áreas das cidades litorâneas e terrenos férteis para a agricultura e pecuária também desaparecerão. Os prejuízos imobiliários serão incalculáveis e haverá um impacto negativo na economia e haverá um empobrecimento generalizado da população mundial e um aumento da pobreza.

De fato, o aquecimento global está se acelerando como mostra os gráficos acima e isto gera negatividades crescentes não só para a civilização, como também para toda a biodiversidade do Planeta. Se a temperatura da Terra ultrapassar os 2º Celsius e continuar subindo, poderá atingir o nível mais alto dos últimos 5 milhões de anos e desencadear uma cadeia de eventos catastróficos e mudanças climáticas que podem transformar o Planeta em um inferno, para todas as formas de vida.

Referências:

NOAA National Centers for Environmental information, Climate at a Glance: Global Time Series http://www.ncdc.noaa.gov/cag/
https://www.ncdc.noaa.gov/cag/time-series/global/globe/land_ocean/ytd/12/1880-2016?trend=true&trend_base=10&firsttrendyear=1880&lasttrendyear=2016

A. Dutton et. al. Sea-level rise due to polar ice-sheet mass loss during past warm periods, Science, 10 Jul 2015
http://science.sciencemag.org/content/349/6244/aaa4019

Tobias Friedrich, Axel Timmermann, Michelle Tigchelaar, Oliver Elison Timm and Andrey Ganopolski. Nonlinear climate sensitivity and its implications for future greenhouse warming.
Science Advances, Vol. 2, no. 11, e1501923, 09 Nov 2016
http://advances.sciencemag.org/content/2/11/e1501923.full.pdf+html

Hallegatte, Stephane; Vogt-Schilb, Adrien; Bangalore, Mook; Rozenberg, Julie. Unbreakable: Building the Resilience of the Poor in the Face of Natural Disasters. Climate Change and Development;. Washington, DC: World Bank. © World Bank. 2016
https://openknowledge.worldbank.org/handle/10986/25335

Andrea Thompson. 2016 Officially Declared Hottest Year on Record, Climate Central, 18/01/17
http://www.climatecentral.org/news/2016-declared-hottest-year-on-record-21070

 

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

 

in EcoDebate, 23/01/2017

[cite]

 

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One thought on “Aquecimento recorde em 2016 e os seis anos de contínuo aumento da temperatura, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

  • É legal lembrar também que os picos naturais de temperatura atmosférica costumam coincidir com os anos de El Nino, pois este é um mecanismo em que calor acumulado no oceano é dissipado para a atmosfera. Um dos motivos para as altas temperaturas no início de 2016 foi o El Nino que acontecia na época, e é provável que 2017 seja “menos quente” pois estamos em La Nina/El nada. MAS NADA DISSO QUER DIZER PAUSA NO AQUECIMENTO. O El Nino de 97-98 foi mais forte que o de 2015-2016, e ainda assim, 2014 (sem El Nino) foi mais quente que 1998… os gráficos mostram bem como a temperatura está subindo, mesmo que haja variação natural.

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