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A importância da relação dos filhos com os pais na construção da identidade, contribuindo para a sustentabilidade, artigo de Marco Pais Neves dos Santos

 

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[EcoDebate] Neste texto aborda-se o conceito de identidade e a importância da relação dos filhos com os pais na construção da sua identidade, do ponto de vista psicológico, contribuindo para o desenvolvimento sustentável.

A noção de identidade é utilizada em variadas investigações psicológicas como perspetiva de investigação, de que é exemplo a identidade no trabalho ou a identidade sexual.

As várias escolas de psicologia focam esta questão através de métodos e orientações científicas diferenciadas, utilizando de formas diferentes as noções de identidade, autoconceito e eu.

A teoria de Erikson sobre a identidade adquiriu especial relevância no campo da psicologia. Segundo este autor, “a identidade é um subsistema do ego e designa a sua função: estabelecer um equilíbrio entre as próprias exigências e as exigências sociais” (NEUENSCHWANDER, 2002, p. 60). Ou seja, segundo Erikson, a identidade acaba por ser uma ponte entre o eu e o meio. A identidade é construída mediante a necessidade do ser individual de se delimitar do meio que o envolve. Esta separação, que proporciona a formação da identidade individual, é uma condição para a formação da solidariedade em relação aos grupos aos quais o indivíduo pertence, e também para o estabelecimento de relações íntimas.

Para além do aspeto social da identidade que põe em evidência, Erikson também confere importância aos aspetos genéticos. Durante o crescimento o sentimento de unidade interior aumenta, o ser humano adquire capacidade de reflexão e de concretização de projetos.

O autor descreve oito estádios de desenvolvimento psicossocial, que se distinguem através das tarefas de desenvolvimento e de um conflito psicossocial típico.
De acordo com a tese de Erikson, o conflito típico da fase da adolescência é a construção de uma identidade vs confusão/difusão.

Frey e Hausser interpretam a noção de identidade proposta por Erikson como resultado de uma reflexão em que vários conteúdos das experiências vividas são reunidos e ligados de forma ajustada numa estrutura definida. Constrói-se deste modo uma continuidade na identidade do indivíduo. Para Erikson, a identidade tem que ser um “sentimento subjetivo de uma semelhança e de uma continuidade fortalecedora” (NEUENSCHWANDER, 2002, p. 60).

Apesar das inúmeras críticas ao proposto por Erikson, Neunschwander afirma na sua obra que conseguiu distanciar-se da teoria psicanalista e desenvolver uma teoria do ciclo vital do desenvolvimento da identidade que abrange aspetos sociais, psíquicos e genéticos.

Devido ao mérito da sua obra, Erikson teve bastantes discípulos, entre os quais se destaca Marcia, que distingue quatro estatutos de identidade:

(i) Identidade difusa – quando o ser humano não tem qualquer ideia sobre a sua vida em geral e se desvia dos problemas sem tentar encontrar uma solução;

(ii) Identidade assumida – quando o adolescente é dependente dos pais e assume de forma acrítica a forma como estes veem o mundo. Ele tem medo de situações novas, porque ainda não aprendeu a aceitar exigências e a vencer crises;

(iii) Identidade crítica – nesta fase encontram-se os jovens que, embora se tenham esforçado em diferentes áreas da vida, ainda não obtiveram sucesso. As suas atitudes ainda são influenciadas pelos pais, mas eles já são relativamente independentes da família. Costumam ter uma aparência fora da normalidade, o que pode ser uma forma de tentar encontrar uma individualidade própria;

(iv) Identidade alcançada – depois de uma crise, os jovens adquirem uma ideia de como gostariam de formar a sua família e de orientar a sua atividade profissional. As perspetivas de vida adotadas quanto à família, ao trabalho e à ideologia, são independentes das dos pais.

Segundo a perspetiva humanista da psicologia, as pessoas formam a imagem de si próprias com base na experiência subjetiva. A noção mais importante, segundo Rogers, não é a noção de identidade, mas sim de autoconceito. O autor define autoconceito como sendo “uma forma consistente de percepção estruturada (…) composta por percepções do “eu” ou “me” com o mundo exterior e as outras pessoas” (NEUENSCHWANDER, 2002, p. 79). Para este autor, tal como para Freud, o autoconceito surge através da interação com o meio.

Na tradição de Piaget, não é possível encontrar uma noção de identidade unitária, visto existirem na sua obra pelo menos três conceitos de identidade. Mas de uma forma geral, segundo este autor, a partir das ações, constroem-se esquemas que não são estruturados, mas que representam evoluções do comportamento. Os esquemas podem ser coordenados em estruturas, e estas estruturas são variáveis e vão-se adaptando às diferentes condições do meio.

Ao contrário das outras teorias, a identidade para Piaget não é nem uma estrutura nem um conteúdo, mas sim um critério de definição de um equilíbrio estrutural. O paradoxo entre estabilidade e desenvolvimento deixa de ter razão de ser, porque a identidade é tida como uma propriedade do estádio de desenvolvimento desejado, ou seja, o equilíbrio. Desta forma, o autor aborda o conceito de identidade através de fenômenos constantes. No entanto, se no início da sua carreira acadêmica e investigativa tentava explicar estes fenômenos através de funções inatas, no fim da mesma interpreta estes fenômenos de acordo com estruturas de equilíbrio adquiridas.

Depois de descrever todas estas perspetivas sobre o conceito de identidade e autoconceito, Neunschwander (2002) tenta fazer uma definição do mesmo conceito a partir das teorias de Erikson, Marcia e Rosenberg. O autor afirma que a noção de identidade é um produto de identificação, reflexão e adaptação, é um esquema na memória e é parte integrante do nosso conhecimento. O esquema de identidade é construído a partir de acontecimentos específicos relacionados com o eu, a partir das experiências de vida importantes.

O processo de valorização dos objetos e de integração na identidade é designado processo de identificação, e os indivíduos não se identificam só consigo mesmos, mas também com os objetos do seu meio.

Relação entre pais e adolescentes no desenvolvimento da identidade
“Só se é completamente adulto, quando se tiver perdoado aos pais”. Jean Jacques Rousseau

Segundo Erikson e Marcia, o desenvolvimento da identidade é um processo que nunca acaba, mas na adolescência assume especial relevância, existindo mesmo uma pressão social para que os jovens alcancem uma identidade coerente.

A adolescência é “o estádio de desenvolvimento humano que finaliza a infância e introduz [o indivíduo] na idade adulta” (NEUNSCHWANDER, 2002, p. 134). Todos os indivíduos que alcancem a idade adulta têm de passar por esta fase de desenvolvimento, independentemente da religião ou cultura.

Segundo Piaget, na adolescência ocorrem certos processos específicos, tais como: (i) desenvolvimento do potencial para operações formais; (ii) maturação físico-sexual; (iii) modificação da relação com os outros, devido ao desenvolvimento no campo físico e cognitivo; (iv) aquisição de um estatuto socialmente relevante, com o alargamento das redes de sociabilidade do adolescente que se junta a grupos de indivíduos da mesma faixa etária.

Devido a todas estas mudanças que se operam no ser humano, quer a nível físico quer a nível social, é natural que a adolescência seja um momento difícil mas muito importante no desenvolvimento da identidade do indivíduo.

Os pais são muito importantes para o desenvolvimento da identidade dos filhos, pois é na família que se dá a socialização primária, que são transmitidas regras, normas, valores e comportamentos.

É no seio da família que os adolescentes adquirem um saber coerente sobre si próprios e orientam a sua forma de ver a vida a partir do exemplo dos pais.

Apesar dos adolescentes passarem habitualmente mais tempo com os grupos de pares, os pais possuem bastante influência sobre as suas atitudes e comportamentos.
Sobre esta questão destacamos duas teorias: a teoria da vinculação e a teoria da individualização.

Segundo a teoria da vinculação, os pais são muito importantes para o desenvolvimento da identidade dos filhos na adolescência, e os adolescentes com uma relação estável com os pais consideram-nos como um refúgio para ultrapassar as dificuldades.

De acordo com esta teoria, uma relação estável com os pais proporciona a construção de uma identidade integrada, e quando os jovens não têm pais procuram substitutos psicológicos, para o desenvolvimento da sua identidade.

Ao contrário da identidade pessoal, que adquire cada vez mais relevância à medida que a idade vai avançando, a relação com os progenitores ou seus substitutos vai perdendo importância.

De acordo com Erikson, a identidade pessoal define os conteúdos pessoais, tais como a percepção do eu por oposição ao próximo.

A identidade pessoal pode ser descrita da mesma forma que Neunschwander (2002) descreve o conceito de identidade, com base em três dimensões:

(i) Experiências de vida importantes – influenciam a construção de uma identidade forte, e quanto mais experiências mais hipóteses de mudança de estrutura da identidade pessoal;

(ii) Autoestima – é um valor global para a autoimagem e a identidade, porque uma autoestima elevada é quase sinônimo de uma identidade integrada;

(iii) Sentimento de controlo – quando um individuo pensa que pode influenciar o seu corpo, a sua forma de pensar e os seus sentimentos, tem um elevado sentimento de controlo a nível individual.

A outra teoria que aborda este problema é a teoria da individualização, que descreve a separação dos pais como um processo de desvinculação e reconciliação, ou seja, de transformação da relação do indivíduo com os pais.

A teoria da vinculação foca uma área diferente da teoria da individualização, ou seja, tem perspetivas diferentes, considerando os vínculos com os pais como apoios essenciais ao desenvolvimento da identidade e distinguindo ainda três tipos de vínculo: (i) inseguro-evitativo; (ii) seguro; (iii) inseguro-ambivalente.

Uma relação segura com os pais é visível não só na interação com estes, mas também durante a sua ausência.

A teoria da individualização, pelo contrário, evidencia até que ponto pais e filhos se diferenciam, e a diferenciação dos pais faz parte do desenvolvimento da identidade dos filhos. Uma separação satisfatória dos pais pressupõe uma forte vinculação paternal que mais tarde torna mais fácil a conquista da autonomia relativa. A separação progressiva é desejável para o desenvolvimento de uma identidade integrada.

A teoria da vinculação não tem em conta a vontade das pessoas, não permite obter dados diferenciados sobre o desenvolvimento dos laços relacionais como permite a teoria da individualização.

A individualização começa desde o nascimento com o corte da ligação umbilical, quando mãe e filho passam a ser dois organismos distintos. O filho, pouco a pouco, começa a ter ligação a outras pessoas, nomeadamente ao pai (e outros familiares).

Os pais têm de satisfazer as necessidades básicas das crianças, que de início estão totalmente dependentes dos seus cuidados.

Segundo Erikson, “a confiança originária surge na criança, da experiência de que entre o mundo e as suas necessidades pessoais existe harmonia” (NEUNSCHWANDER, 2002, p. 157). A imagem do mundo da criança corresponde à dos pais, a identificação com a família surge assim de forma espontânea.

Depois de conseguir fazer com êxito a separação sujeito-objeto, a criança começa a ter vontade própria, e, quando entra para a escola, a sua rede de sociabilidades alarga-se, oferecendo-lhe assim uma alternativa à família.

A família é muito importante para a criança até à adolescência, mas depois esta valorização começa a ser posta em causa. Os jovens procuram realizar objetivos sozinhos, procuram a diferenciação do sistema familiar e a construção de novas estruturas familiares, tentam reformular as relações familiares procurando a simetria.

Com o decorrer da adolescência há uma intensificação inevitável de relações extrafamiliares, o jovem procura a autonomia nos seus comportamentos e ações.

A emancipação da tutela parental é uma tarefa árdua, mas essencial para o desenvolvimento da identidade do ser humano. Esta emancipação pode decorrer de forma pacífica e gradual ou então de forma conflituosa. Nesta fase os grupos de pares assumem bastante importância na vida dos jovens. A emancipação não se opera da mesma forma em todos os jovens, cada caso é um caso. Erikson (1976) apresenta uma diferenciação entre jovens de sexo masculino e jovens do sexo feminino. Os rapazes “optam por modelos de sucesso da vida social exteriores à sua própria família”, as raparigas “encaram o seu futuro pelo prisma das relações interpessoais, em termos de relações futuras com o marido ou com os filhos, ou de popularidade no seu meio popular”.

Segundo Campbell, os pais podem apoiar o desenvolvimento dos filhos, ao tentarem estabelecer um equilíbrio entre as relações familiares e o encorajamento para a individualidade. É nesta forma híbrida, entre a manutenção de uma relação saudável com os pais e a conquista da autonomia desejada, que reside a chave para um desenvolvimento da identidade harmonioso. A afirmação “só se é completamente adulto, quando se tiver perdoado aos pais” ilustra bem que a estabilidade na relação entre pais e filhos só se encontra depois de o indivíduo ter conseguido atingir um desenvolvimento harmonioso.

A importância do desenvolvimento de uma identidade pró-ambiental, sustentável, na socialização primária

Os pais têm uma grande influência nas atitudes e comportamentos dos seus filhos, que se constituem durante a socialização primária, e são muito importantes para o desenvolvimento da identidade. Os adolescentes adquirem no seio da família um saber coerente sobre si próprios, e orientam a sua forma de ver a vida tendo como exemplo os pais. É por isso que os pais devem ser conscientes na educação dos seus filhos, para possibilitar a superação da crise atual, que não é só econômica e ambiental, é sobretudo uma crise de valores.

Quando uma criança não tem um ambiente familiar saudável e equilibrado, e coabita numa família onde não existem princípios, valores éticos e morais, corre um forte risco de vir a desenvolver um modelo de vida pouco virtuoso, provavelmente conduzido pela inconsequência, com ações e atitudes que podem desorganizar e prejudicar o seu caráter e a sua personalidade. No oposto, quando uma criança nasce numa família consciente da importância da sua contribuição para a sociedade, gera mais capital social, tem maior autoestima, é mais disciplinada e proativa, e procura constantemente melhorar o seu lugar na sociedade. Não obstante, em qualquer das situações é determinante que os pais intensifiquem o processo de educação para o desenvolvimento sustentável, uma ferramenta indispensável para a construção de novos saberes e atitudes orientados para o desenvolvimento de uma sociedade preocupada com as questões ambientais. Não podemos esquecer que as crianças de hoje são os adultos de amanhã.

A educação ambiental  é fundamental, mas em muitas casas continua a ser primitiva, às vezes até inexistente, não por ser um assunto desconhecido, mas porque os conhecimentos não são colocados em prática, logo de nada valerão. Aos pais voltados à inércia pede-se agência, determinação em passar a mensagem, para que todos possamos almejar um mundo melhor. No ensino formal, em simultâneo, é necessário e urgente implementar a tão desejada educação para o desenvolvimento sustentável, que inclua a responsabilidade e solidariedade social, de tal maneira forte e consistente que possa “lutar” contra comportamentos enraizados e menos próprios na sociedade.

Nunca se pode separar a educação dos jovens da educação das suas famílias. No entanto, este é o modelo de Educação Ambiental que tem sido seguido em vários países, incluindo Portugal. Na verdade, não se pode esperar que sejam as crianças a mudar os hábitos dos adultos e a explicar aos adultos a importância da mudança dos comportamentos (mas sabemos que o fazem, e que têm sido bem-sucedidas). A educação ambiental deve ser uma educação de carácter permanente, geral, adaptada às mudanças que se produzem num mundo em rápida evolução, e deve permitir o desenvolvimento de competências a nível da participação ativa, que se pretende também mais efetiva, por parte da população.

Artigo elaborado com base na obra de Markus Neuenschwander, (Desenvolvimento e identidade na adolescência. Coimbra: Almedina, 2002).

 

in EcoDebate, 19/09/2016

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