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O desafio do desenvolvimento redistributivo e sustentável

 

O desafio do desenvolvimento redistributivo e sustentável. Entrevista especial com André Furtado

“Será que podemos compatibilizar a inserção da grande massa de brasileiros ainda excluídos do verdadeiro desenvolvimento com a sustentabilidade ambiental?”, questiona o economista.

Imagem: Brasil Escola

 

Desde a segunda metade do século XX o Brasil passou por três grandes processos macroeconômicos de desenvolvimento. O primeiro foi apoiado na industrializaçãoque substituiu as importações até o final dos anos 1980, omodelo liberal globalizante na década de 1990 e a partir dos anos 2000 um modelo de valorização das commodities, que agravou a desindustrialização que havia iniciado com a abertura neoliberal. “O problema foi que o neodesenvolvimentismo se chocou com a perda de competitividade sistêmica provocada pela valorização cambial e o aumento dos custos de produção. Com isso o estímulo das políticas surtiu efeitos limitados”, analisa André Tosi Furtado, em entrevista por e-mail à IHU On-Line.

O grande desafio, propõe André, é construir uma estrutura social, política e econômica capaz de gerar um desenvolvimento redistributivo. “O desafio consiste em se industrializar competitivamente. Isso requer inovação e maiores investimentos em capital humano e material”, sustenta. “O progresso técnico nos permite atender às necessidades fundamentais da população por meio de tecnologias ambientalmente limpas. Agora, a desigualdade social alimenta modos de consumo ambientalmente insustentáveis. Por isso, há convergência entre a transformação ambiental e social”, complementa.

André Tosi Furtado concluiu o doutorado em Ciências Econômicas – Université de Paris I. Atualmente é Professor Titular do Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp.

No dia 12-04-2016, às 19h30min, o professor André apresenta a conferência Desenvolvimento econômico, heterogeneidade estrutural e distribuição de renda no Brasil no pensamento de Celso Furtado, na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros no IHU – Campus São Leopoldo/RS. O evento integra a programação do Ciclo de Debates Economia brasileira: onde estamos e para onde vamos? Um debate com os intérpretes do Brasil.

Confira a entrevista.

Foto: www.ifch.unicamp.br

 

IHU On-Line – Qual a atualidade do pensamento e da obra de Celso Furtado [1] para o desenvolvimento do Brasil?

André Tosi Furtado – Celso Furtado tem um papel de destaque entre os grandes intelectuais que pensaram o Brasil. A atualidade do seu pensamento permanece porque os grandes problemas que ele levantou sobre o desenvolvimento, ou melhor, subdesenvolvimento brasileiroainda continuam presentes. Esses problemas derivam da tendência do crescimento econômico perpetuar e até mesmo ampliar a desigualdade social. Esse tipo de dinâmica é muito semelhante à que Thomas Piketty [2] descreveu em seu livro sobre o capital no século XXI. Portanto, a obra de Celso Furtado permanece atual porque a tendência presente da acumulação é justamente acentuar a desigualdade social.

IHU On-Line – Quais foram os grandes modelos econômicos e macroeconômicos de desenvolvimento implantados no Brasil desde meados do século XX?

André Tosi Furtado – Houve basicamente dois modelos econômicos que vigoraram desde o pós-guerra. O primeiro, apoiado na industrialização por substituição de importações, vigorou até o final dos anos 1980. Esse modelo comportava um forte protecionismo à produção industrial e uma taxa de inflação alta. Em função da acentuadacrise econômica dos anos 1980, esse modelo foi substituído por um outro liberalizante e de maior abertura externa, que acompanhou, de certa forma, a tendência mundial da globalização. Esse novo modelo reduziu a inflação, mas levou a uma crescente desindustrialização. Nos anos 2000, volta-se a uma maior intervenção do Estado na economia, a valorização das commodities agrava as tendências desindustrializantes já presentes durante a etapa anterior.

IHU On-Line – Como o senhor avalia os projetos neodesenvolvimentistas baseados na extração de commodities, como o petróleo, por exemplo? Há algo de novo nesse modelo de desenvolvimento?

André Tosi Furtado – O desenvolvimentismo no Brasil esteve comprometido com o projeto de industrialização do país. O neodesenvolvimentismo consiste em uma tentativa de retomar a agenda da industrialização nos anos 2000 após o período neoliberal dos anos 1990. Esse período se caracteriza pela valorização das commodities que se tornam o carro-chefe das exportações e também das atividades econômicas do país, como é o caso do petróleo. Em decorrência do sucesso produtivo acumulado pela Petrobras desde os anos 1990 até o final dos anos 2000, e da valorização das commodities, a participação do petróleo no Produto Interno Bruto – PIB cresceu substancialmente. O neodesenvolvimentismo buscou transformar esse impulso em desenvolvimento da indústria parapetroleira (fornecedores de equipamentos e prestadores de serviços) brasileira. O problema foi que o neodesenvolvimentismo se chocou com a perda de competitividade sistêmica provocada pela valorização cambial e o aumento dos custos de produção. Com isso o estímulo das políticas surtiu efeitos limitados.

“O problema foi que o neodesenvolvimentismo se chocou com a perda de competitividade sistêmica”

IHU On-Line – De que maneira as políticas econômicas implementadas no Brasil nos últimos 50 anos radicalizaram ainda mais a desigualdade social no país?

André Tosi Furtado – A desigualdade social está presente em todos esses modelos macroeconômicos e perpassa a história brasileira contemporânea. Ela se agrava na forma de desigualdade regional nos anos 1950 durante a industrialização acelerada do país. Depois ela se acentua dramaticamente durante o período do golpe militar e do milagre econômico. Ela volta a assombrar o país com a crise dos anos 1980 e durante a década neoliberal, quando aumenta dramaticamente o desemprego e o volume de emprego informal. Somente nos anos 2000 ocorre uma importante inflexão no processo de perpetuação e aprofundamento da desigualdade no Brasil. Estou certo de que muitos estudiosos irão se questionar no futuro sobre as verdadeiras causas dessa melhora na distribuição de rendano país. Eu a atribuo, sobretudo, aos efeitos benéficos que a melhora dos termos de troca das commodities trouxe para a renda e no emprego. O problema foi que essa melhora da renda se reverteu para o consumo e não para o investimento, e que a oferta interna não foi capaz de cobrir a expansão da demanda interna.

IHU On-Line – Como pensar uma estrutura política e econômica no Brasil que não sirva a modelos concentradores de renda?

André Tosi Furtado – Esse é o grande desafio, criar uma estrutura sociopolítica e econômica capaz de propiciar um desenvolvimento redistributivo. Durante a prosperidade fordista do pós-guerra, o Brasil aprofundou um modelo de desenvolvimento intrinsicamente concentrador. As disparidades de renda entre ricos e pobres se acentuaram no período do milagre econômico. O progresso técnico, ao ter um viés para o trabalho qualificado, acentuou o fosso salarial entre trabalhadores qualificados e não qualificados.

A parcela da renda apropriada pelo capital sempre foi bem alta. Porém a destinação do excedente para a acumulação era bem fraca e o país se tornou muito dependente do endividamento externo para a acumulação. Mudar o modelo de desenvolvimento implica em criar um novo modelo de acumulação e em uma nova trajetória tecnológica. Essa mudança é possível desde que a sociedade faça as escolhas certas na seleção de mecanismos sustentáveis. O aumento do nível educacional da população brasileira irá a longo prazo diminuir o impacto concentrador do progresso técnico. Para isso é necessário que por meio do Estado a sociedade gere os bens públicos necessários ao seu bem-estar. Também é necessário manter um nível de acumulação elevado para gerar emprego formal.

IHU On-Line – Quais os desafios de se construir um modelo de desenvolvimento industrial baseado em matrizes heterogêneas de desenvolvimento econômico?

André Tosi Furtado – A indústria segue sendo, no atual estágio brasileiro, muito necessária para o desenvolvimento do país. Porém vivenciamos desde os anos 1990 uma desindustrialização precoce provocada pela abertura econômica e a valorização cambial. Essa desindustrialização está certamente por trás das baixas taxas de crescimento da economia brasileira. A diferença da industrialização atual com a que ocorreu a partir dos anos 30 do século passado, é que agora ela deve ocorrer competitivamente, já que as economias estão cada vez mais abertas. E o que tem faltado à indústria brasileira é competitividade de seus produtos frente aos importados. Portanto, o desafio consiste em se industrializar competitivamente. Isso requer inovação e maiores investimentos em capital humano e material.

IHU On-Line – Como a perspectiva econômica de Celso Furtado oferece alternativas aos desafios da desigualdade em nível nacional?

André Tosi Furtado – Celso Furtado diagnosticou que o capitalismo brasileiro tendia a gerar desigualdade social e regional. A única forma de corrigir essas tendências seria por meio da intervenção do Estado, que poderia assumir uma função redistributiva e poderia direcionar a acumulação para bens e serviços de maior utilidade pública. Convinha também ao Estado dinamizar a economia, a qual apenas por meio dos mecanismos de mercado tendia a um crescimento econômico débil.

IHU On-Line – É possível aliar crescimento econômico e combate às desigualdades sociais com um projeto de desenvolvimento que seja sustentável do ponto de vista ambiental?

André Tosi Furtado – Essa é uma importante questão. Será que podemos compatibilizar a inserção da grande massa de brasileiros ainda excluídos do verdadeiro desenvolvimento com a sustentabilidade ambiental? Eu tenho a convicção que sim. Muito da depredação ambiental somente se justifica porque há pobreza. É possível que o Estado fiscalize e controle muito mais o patrimônio natural, impedindo que ele seja delapidado. Por outro lado, o progresso técnico nos permite atender às necessidades fundamentais da população por meio de tecnologias ambientalmente limpas. Agora, a desigualdade social alimenta modos de consumo ambientalmente insustentáveis. Por isso, há convergência entre a transformação ambiental e social.

“Agora, a desigualdade social alimenta modos de consumo ambientalmente insustentáveis”

IHU On-Line – Como inovar em termos econômicos e políticos em um cenário de austeridade?

André Tosi Furtado – Nunca deveríamos sair de um cenário de austeridade. Somos ainda um país pobre. Ainda precisamos passar por um período de intensa acumulação no qual deverá ser construída a infraestrutura socioeconômica do país. Acho que depois de acabar “o sonho de uma noite de verão” dos preços altos das commodities, o país precisa acordar para arrumar efetivamente a casa. O problema é que em períodos de escassez como os que estamos atravessando existe o risco do agravamento das tendências conservadoras, com ameaças de retrocesso do ponto vista dos avanços sociais obtidos. Vai demorar um certo tempo ainda para que se perceba que a sociedade brasileira precisa avançar na alteração de seu modelo de desenvolvimento.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

André Tosi Furtado – Sim, gostaria de dizer que há algo novo na sociedade brasileira que surgiu a partir dasmanifestações ocorridas em 2013. No clamor ainda confuso das ruas, propôs-se, no meu entender, uma alteração do modelo de desenvolvimento do país. O modelo de consumo apoiado no automóvel que se expandiu descontroladamente nos anos 2000 sob o impulso da prosperidade das commodities revelou-se insustentável socioambientalmente. Clamou-se para uma reformulação do sistema urbano que priorizasse o transporte coletivo e o uso racional e social do espaço, assim como para que o Estado melhore a prestação de serviços públicos tais como a educação e a saúde. Essas manifestações revelam que há uma demanda de importantes segmentos da sociedade brasileira, principalmente os mais jovens, para alterar a trajetória de desenvolvimento dominante e torná-la social, ambiental e economicamente sustentável.

Por Ricardo Machado

Notas:

[1] Celso Furtado (1920-2004): economista brasileiro, membro do corpo permanente de economistas da ONU. Foi diretor do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste e membro da Academia Brasileira de Letras. Algumas de suas obras são A economia brasileira (1954) e Formação econômica do Brasil (1959). Confira a edição 155 da IHU On-Line que aborda a obra de Furtado. (Nota da IHU On-Line)

[2] Thomas Piketty (1971): economista francês, concentra seus estudos no acúmulo e desigualdade de renda. É diretor de pesquisas da École des hautes études en sciences sociales (EHESS) e professor da Escola de Economia de Paris. Seu livro best-seller, O Capital no Século XXI, enfatiza as questões do acúmulo de renda nos últimos 250 anos e argumenta que o acúmulo de capital cresce mais rápido que a economia, o que gera desigualdade. A edição 449 da IHU On-Line, intitulada A desigualdade no século XXI. A desconstrução do mito da meritocracia, inspira-se na obra O Capital no Século XXI e foi publicada meses antes de a obra ser publicada traduzida no Brasil. (Nota da IHU On-Line)

 

(EcoDebate, 04/04/2016) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

 

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2 thoughts on “O desafio do desenvolvimento redistributivo e sustentável

  • Se a degradação se justifica porque há pobreza, como podemos explicar que os EUA e a maioria dos países desenvolvimentos sejam os maiores depredadores do ambiente natural?

  • É incrível como o entrevistado, André Tosi Furtado, fala um monte de asneiras sem qualquer fundamentação no campo da realidade, e, pior ainda, parece que ele , de fato, crer nas incoerências que fala.

    É incrível e lamentável que pessoas que se apresentam como detentoras de elevado nível de compreensão da destruída e irrecuperável condição socioambiental do planeta Terra sejam capazes de proporem soluções absolutamente inviáveis para essa parte do planeta chamada República Federativa do Brasil, como se não soubessem que toda essa merda compõe, hoje, um único bloco comandado pelas grandes potências capitalistas, e que nenhuma parte poderá ser separada e salva.

    Em suma, Senhor entrevistado, desculpe-me a franqueza, mas a tradução que faço de tudo que o Senhor disse é que estamos, todos os seres vivos do planeta Terra, seguindo em dirreção à inevitável extinção, em muito breve espaço de tempo.

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