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Artigo

Abuso sexual e violência homicida, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

A violência não é força, mas fraqueza, nem nunca poderá ser criadora

de coisa alguma, apenas destruidora” (Benedetto Croce)

Treze mulheres por dia e 6 homens por hora foram assassinados no Brasil em 2013”

(Alves, 11/11/2015)

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[EcoDebate] O Brasil vive um rico momento de reavivamento da luta das mulheres pela conquista de direitos efetivos e pela equidade de gênero. É a chamada Primavera Feminista. Na web e nas redes sociais foi lançado, com grande sucesso, o hashtag #primeiroassédio, incentivando mulheres a rechaçar a violência e contar quando foi a primeira vez que foram assediadas e/ou abusadas. O movimento #AgoraÉQueSãoElas conseguiu que os homens que atuam nas redes e nas mídias, em vez de falarem ou escreverem sobre as questões feministas, abrissem espaço para que se ouvissem as vozes e se lessem as palavras das próprias mulheres. Com fortes mobilização, milhares de mulheres foram às ruas em diversas cidades do Brasil para protestar contra o PL 5069/13, de autoria do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e apoiado pela bancada religiosa, cujo objetivo é dificultar o acesso à pílula do dia seguinte e o acesso ao aborto legal no caso de gravidez resultante de estupro. No dia 18 de novembro, em Brasília, ocorre a Marcha Nacional das mulheres negras.

Há também diversas manifestações contra a PEC 215 que pretende transferir do Executivo para o Congresso o poder de demarcar as terras indígenas, territórios quilombolas e unidades de conservação, o que na prática permiti o avanço do desmatamento, a redução das terras indígenas e um novo genocídio no país. Ainda no quadro de propostas conservadoras, promovidas pela bancada BBB (Bala, Boi e Bíblia), crescem os protestos contra o Estatuto da Família (PL 6.583/2013) que, entre outros defeitos, é discriminatório, excludente e homofóbico. A bancada BBB também patrocina o Projeto de Lei 3722, que busca estender o direito ao porte de arma a diversas categorias, acabando, na prática, com o Estatuto do Desarmamento.

Foi justamente no âmbito de todas essas manifestações e mobilizações – parte mais visível de um descontentamento muito mais amplo existente no país – que foi lançado o estudo “Mapa da Violência 2015: Homicídio de Mulheres”, coordenado pelo sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, divulgado 09/11/2015. Com base nos dados do Datasus, o estudo mostra que houve 4.762 mulheres assassinadas em 2013, o que representa uma taxa de 4,8 por cem mil mulheres, sendo que 50,3% das mortes violentas de mulheres no Brasil são cometidas por familiares. Desse total, 33,2% são parceiros ou ex-parceiros. O estudo também apresenta números com recortes regionais e de raça/cor.

De acordo com o relatório, o Brasil é o quinto país mais violento para mulheres em um ranking de 83 nações que usa dados da OMS (Organização Mundial de Saúde). Segundo Julio Jacobo, a quinta posição do Brasil no ranking internacional da violência contra a mulher mostra como, ao contrário do que se costuma dizer, o brasileiro não é um povo tão cordial assim e de como o machismo ainda está arraigado à sociedade. Na comparação com outros 83 países, o Brasil fica atrás de Rússia (4º), Guatemala (3º), Colômbia (2º) e El Salvador (1º). Fica atrás inclusive de países mais populosos como China e Índia.

De fato, não se pode deixar de denunciar que, em 2013, foram assassinadas 4.762 mulheres no Brasil. Isto representa 13 mulheres mortas por dia. Um absurdo! Não há nada que justifique estes números escandalosos, apresentados no gráfico 1. Como mostram Alves e Correa (2010):

Os homicídios são um grave problema de saúde pública e representam apenas a parte mais visível da violência e das agressões que atingem o conjunto da população. A violência que provoca mortes, também provoca hospitalizações e atendimentos médicos em proporções muitas vezes mais elevadas. Os efeitos negativos da violência, em termos psicológicos, sociais e econômicos são bastante conhecidos. Toda a sociedade perde com o aumento das agressões e com as vidas que são ceifadas precocemente”.

Contudo, tão escandaloso quanto, são os números de homicídios masculinos no Brasil. Segundo o mesmo Datasus, houve 35.171 homicídios masculinos em 1996 e 3.682 homicídios femininos. Ou seja, 9,6 homens mortos para cada mulher. No ano 2000, os números foram: 41.585 homicídios masculinos e 3.743 homicídios femininos (11,1 homens para cada mulher vítima fatal de violência). Em 2013, foram 51.937 homens assassinados e 4.762 mulheres. Isto representa 13 mulheres assassinadas por dia e 142 homens (6 homicídios masculinos por hora). Entre 1996 e 2013, houve 71.955 homicídios femininos e 797.384 homicídios masculinos, uma relação de 11 mortes masculinas para cada morte feminina.

O gráfico 2 mostra que as taxas de homicídios subiram no país no século XXI, apesar da campanha pelo desarmamento e da melhoria das condições sociais, econômicas e demográficas que ocorreu no Brasil antes da crise atual de 2015. As taxas femininas subiram de 4,3 mortes por cem mil mulheres em 2000 para 4,7 por cem mil em 2013. As taxas masculinas subiram de 48,3 mortes por cem mil homens em 2000 para 52,3 por cem mil em 2013. A despeito de uma pequena queda das taxas de homicídios entre os anos de 2004 e 2008 (chamado de quinquênio virtuoso da economia brasileira), o crescimento das mortes violentas voltou a subir e apresentou taxas recordes em 2013 para ambos os sexos.

Os efeitos da violência letal são sempre nefastos independentemente de onde a pessoa se situa no espectro de definição de corpos e identidades sexuadas. Ninguém merece uma morte precoce, muito menos ser vítima de violência. O fato é que os números e as taxas de homicídio no Brasil tem aumentado em pleno século XXI. Nos últimos 15 anos as diferenças de gênero tem se mantido, com o número de homicídios masculinos permanecendo em torno de 11 vezes superior aos homicídios femininos. É sem dúvida uma desigualdade reversa de gênero (Alves e Correa, 2009).

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O fato do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) ter crescido no Brasil, a pobreza ter sido reduzida, as taxas de matrícula terem crescido, de o país ter uma mulher na Presidência da República, de se ter instituído politicas de cotas sociais e raciais, de se ter ampliado as políticas públicas de proteção social, de ter ampliado as redes sociais e o acesso à informação, leis do feminicídio, nada disto impediu o aumento do número de homicídios de homens e mulheres, principalmente em 2012 e 2013. O que será que vai acontecer na crise econômica e social brasileira de 2015 e 2016?

A tabela abaixo mostra os números de mortes para o período 1996 a 2013. O percentual de homicídios masculinos aumentou 47,7% e o de mulheres aumento 29,3% entre 1996 e 2013. Desde 2006 (quando foi aprovada a Lei Maria da Penha) o aumento dos homicídios femininos foi de 18,4% e de 15,3% para os homens. É urgente reverter esta calamidade!

Dezenas de milhares de vidas são ceifadas precocemente a cada ano no Brasil. Algo é preciso ser feito para interromper os 155 assassinatos diários (142 homens e 13 mulheres) e que são um grave problema, não só de saúde pública, mas de direito básico à vida. Reduzir a violência para todas as pessoas é uma tarefa urgente e base para a justiça social em todos os seus aspectos.

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O pior é que a violência está presente nas relações familiares e sociais do dia a dia. Para além dos homicídios, é necessário reconhecer que, praticamente, todas as pessoas passam por situação de violência especialmente na infância e na adolescência. Artigo do psicanalista Contardo Calligaris (FSP, 12/11/2015) mostra que o assédio é tremendamente doloroso para as meninas “porque ele desperta uma sexualidade da qual a cultura e o próprio assediante querem que a menina se envergonhe já. O medo da sexualidade feminina e sua negação são o ingrediente básico do machismo e do ódio machista contra as mulheres”. Porém, os meninos também são vítimas de assédio. Para o psicanalista há uma tremenda diferença entre o assédio e abuso sexual de uma menina e o de um menino: “a diferença é que, ainda hoje, a menina é chamada a viver tudo o que desperta seu sexo como sendo uma vergonha, enquanto o menino, em geral, é encorajado a viver o despertar de sua sexualidade como uma festa”. O problema é que muitas festas terminam em tragédia.

A matéria de Renata Mendonça, na BBC (10/11/2015), mostra que a violência sexual contra meninos é um tema pouco discutido. A reportagem constata que fazer qualquer denúncia sobre abuso sexual é uma experiência traumática para crianças de ambos os sexos. Mas no caso dos meninos, o processo é ainda mais complexo. Enquanto meninas que sofrem crimes sexuais recorrem à Delegacia da Mulher, os meninos precisam ir a delegacias comuns para relatar os casos de abuso. Em algumas cidades, existem Ambulatórios de Atendimento para Violência Sexual Contra a Mulher, mas quando a vítima é um menino, não há local específico para que ele possa fazer esse atendimento.

Como disse o filósofo italiano Benedetto Croce (1866 – 1952): “A violência não é força, mas fraqueza, nem nunca poderá ser criadora de coisa alguma, apenas destruidora”. Há poucas chances de uma convivência pacífica, prazerosa e feliz em uma sociedade em que meninos e meninas são vítimas de violência sexual na infância e na adolescência e passam o resto da vida sendo agentes e presas, reais ou potenciais, da violência homicida.

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PS: Os bárbaros atentados terroristas da sexta-feira, 13 de novembro, em Paris mataram 129 pessoas em um único dia. Foi o pior e o maior ataque à França desde quando Hitler invadiu o país. O presidente François Hollande declarou ato de guerra. As repercussões foram globais. A carnificina foi condenada no mundo inteiro. Sem querer comparar, mas já comparando, no Brasil são assassinadas 155 pessoas (142 homens e 13 mulheres) na média diária. Foram 56.699 homicídios em 2013. Ou seja, há carnificinas permanentes no dia a dia da sociedade brasileira. Somando os acidentes de trânsito e os suicídios, foram 151.683 mortes por causas externas em 2013, o que dá um montante de 416 mortes violentas por dia no Brasil (segundo o Datasus). Mais de três vezes o número de vítimas dos atentados de Paris. Se a França está em guerra contra o inimigo externo, o Brasil está em “guerra civil”. Pena que se fale tão pouco sobre essa nossa tragédia cotidiana e haja uma banalização das mortes violentas no Brasil. (Está nota foi escrita posteriormente ao artigo acima que trata da questão da violência no Brasil).

Referências:

ALVES, JED. O escandaloso número de homicídios de mulheres e homens no Brasil, SP, CCR, 11/11/2015

http://www.ccr.org.br/jogo-rapido-detalhes.asp?cod=386

ALVES, JED. Eduardo Cunha, a bancada BBB e a ideologia anti-neomalthusiana, Ecodebate, RJ, 30/10/2015 http://www.ecodebate.com.br/2015/10/30/eduardo-cunha-a-bancada-bbb-e-a-ideologia-anti-neomalthusiana-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/

ALVES, JED. CORREA, Sonia. Violência letal e gênero: decifrando números obscenos?, CLAM, RJ, 15/09/2010 http://www.clam.org.br/artigos-resenhas/conteudo.asp?cod=7231

ALVES, J.E.D, CORREA, S. Igualdade e desigualdade de gênero no Brasil: um panorama preliminar, 15 anos depois do Cairo. In: ABEP, Brasil, 15 anos após a Conferência do Cairo, ABEP/UNFPA, Campinas, 2009. http://www.abep.nepo.unicamp.br/docs/outraspub/cairo15/Cairo15_3alvescorrea.pdf

DATASUS. Informações de Saúde. Óbitos por causas externas (X85-Y09 Agressões), 2015

http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sim/cnv/ext10uf.def

CALLIGARIS, Contardo. Primeiro Assédio, São Paulo, FSP, 12/11/2015

MENDONÇA, Renata. Campanha #PrimeiroAssédio expõe tabu de violência sexual contra meninos, BBC, 10/11/2015 http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/11/151105_abuso_sexual_meninos_rm

 

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

 

in EcoDebate, 18/11/2015

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