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COP21: ‘Não podemos falar de mudança climática sem falar dos direitos dos povos indígenas’

 

Lideranças indígenas e de populações tradicionais do mundo todo reunidas em conferência na Suíça apresentaram as visões de seus povos sobre seu papel e o de suas florestas na discussão climática no contexto do Acordo de Paris. E a demanda é unânime: o reconhecimento de seus territórios e a defesa de seus direitos

 

Pigmeus, indonésios, andinos, amazônicos, africanos, mexicanos, homens e mulheres compuseram o grupo de 20 lideranças de comunidades indígenas e tradicionais reunidas em Berna, na Suíça, para responder à seguinte questão: como garantir o reconhecimento de seus direitos e territórios? As lideranças falaram de suas visões e reivindicações para um público de mais de 200 pessoas, entre representantes de governos, de ONGs, de agências da ONU e de executivos e financiadores.

De 30 de setembro a 1º de outubro na cidade suíça de Berna, o grupo participou da conferência “Da retórica à ação: ampliando direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais aos territórios e recursos”, organizada pela Iniciativa para Direitos e Recursos (RRI, sigla em inglês), pela Coalizão Internacional para o Acesso à Terra (ILC), pela Oxfam e pela Helvetas Swiss Intercooperation (ONG suíça).

 

Lideranças indígenas se reúnem em Berna reafirmando necessidade de defender direitos e demarcar territórios

 

As discussões se concentraram na implementação de compromissos sobre o reconhecimento de territórios comunitários e indígenas e sobre a garantia efetiva desses direitos territoriais na luta contra o desmatamento assumidos em acordos internacionais, aí incluída a próxima Conferência das Partes do Clima, a COP-21, que se realizará em Paris, em dezembro. Por isso, o evento também teve um painel específico sobre povos indígenas e suas estratégias para fazer avançar os direitos e a governança territorial em iniciativas reativas às mudanças climáticas. Desse painel participaram representantes indígenas da PanAmazônia, América Central, Indonésia e África, além da Relatora Especial da ONU sobre os direitos dos Povos Indígenas, Vicky Tauli-Corpuz.


Florestas não são só carbono

“Os direitos humanos devem estar no centro das decisões a serem tomadas em Paris” declarou Tauli-Corpuz, referindo-se à COP-21 (saiba mais ). “Não podemos falar de mudança climática sem falar dos direitos dos povos indígenas” afirmou Hindou Oumarou Ibrahim, representante do comitê coordenador dos povos indígenas da África durante a conferência.

O último rascunho do texto do acordo de Paris publicado destaca a importância do respeito aos direitos dos povos indígenas e de outros grupos sociais marginalizados nas negociações do clima. No entanto, como esse texto não é definitivo, é fundamental haver uma pressão para que as reivindicações dos indígenas sejam efetivamente contempladas no acordo final. (Veja o rascunho na íntegra).

“Nós os povos indígenas necessitamos de instâncias próprias para canalizar os fundos climáticos diretamente para as comunidades e não através de terceiros” reivindicou Cándido Mezua – dirigente da Aliança Mesoamericana de Povos e Florestas (AMPB) em sua apresentação no painel sobre direitos territoriais e mudanças climáticas.

Mezua destacou, entre outras valiosas funções das florestas em territórios indígenas, o papel que desempenham como estocadoras de carbono e sua contribuição para mitigar as mudanças climáticas. Na América Central, as florestas nesses territórios representam cerca de 50% dos estoques de carbono da região, segundo dados preliminares de um estudo do Centro de Pesquisa Woods Hole (WHRC, sigla em inglês) apresentados por Mezua

Por outro lado, Rukka Sombolinggi, representante da Aliança dos Povos Indígenas do Arquipélago Indonésia preferiu deixar de lado as questões de carbono florestal e enfatizou a necessidade urgente de acabar com as violações dos direitos indígenas como pré-requisito para discutir as questões climáticas.

Apesar da diversidade de opiniões sobre a questão do carbono de suas florestas, as lideranças presentes em Berna se uniram em torno de um objetivo comum: a ampliação do reconhecimento de seus territórios e direitos.

Nesse sentido, entre as reivindicações centrais dos representantes indígenas estiveram: a titulação de territórios indígenas, o fim à perseguição de lideranças indígenas por defenderem suas posições e a efetiva aplicação dos direitos indígenas em iniciativas ligadas ao clima, como a garantia do Consentimento Livre, Prévio e Informado entre outros estabelecidos na Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (UNDRIP).


Territórios e direitos precisam ser reconhecidos

“É preciso titular cerca de 100 milhões de hectares de territórios indígenas na PanAmazônia que ainda estão pendentes”, disse Edwin Vasquez, coordenador geral da Coordenação da Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (Coica) no painel sobre direitos indígenas e clima.

Atualmente, o conjunto dos povos indígenas da PanAmazônia têm um território de cerca de 240 milhões de hectares. No âmbito internacional, povos indígenas e comunidades tradicionais têm direitos sobre cerca de 513 milhões de hectares de florestas, mas ainda não possuem o reconhecimento legal sobre aproximadamente três quartos do total dos territórios tradicionais que eles reivindicam, segundo o estudo lançado pela RRI em Berna (saiba mais).

No entanto, o reconhecimento desses territórios e de seu status de área protegida não garante a efetiva manutenção das florestas. A construção de barragens e estradas, a expansão da agroindústria, a mineração e a extração de combustíveis fósseis ameaçam não apenas as florestas mas também a cultura e a própria existência dos indígenas.

Na PanAmazônia, estima-se que cerca de 40% das TIs estão ameaçadas por projetos de desenvolvimento que estão sendo implementados atualmente ou planejados para o curto prazo. Essa estimativa foi feita pelo estudo “Carbono nas florestas da Amazônia: o pouco reconhecido papel dos territórios indígenas e áreas naturais protegidas”, elaborado pelo WHRC, ISA, Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (Raisg), Coica e Environmental Defense Fund (EDF). O estudo foi lançado em 2014, durante a COP-20, em Lima, e publicado na revista Carbon Management ,mostrando um mapeamento completo do carbono em territórios indígenas na Amazônia (saiba mais).

É preciso recursos para demarcar e consolidar territórios indígenas e áreas protegidas na Amazônia

Segundo essa análise, os 2.344 territórios indígenas e as 610 áreas protegidas na PanAmazônia compõem 4,1 milhões de Km2, ou seja, 52% dos ecossistemas amazônicos. Os territórios indígenas sozinhos estocam 32,8 % do carbono sobre o solo da Amazônia em apenas 30% da área da região (28.247 milhões de toneladas de carbono).

Isso significa que há mais carbono em territórios indígenas amazônicos do que o existente nas florestas da República Democrática do Congo e da Indonésia juntas.
O estudo calcula que sejam necessários pelo menos entre US$ 2 e 4 bilhões para demarcar e consolidar territórios indígenas e áreas protegidas na PanAmazônia (saiba mais). Recursos também são necessários para cobrir custos de monitoramento das florestas e desenvolver alternativas econômicas sustentáveis para as populações locais, garantindo-lhes serviços sociais como educação e saúde.

Por essa razão, com base em estudos científicos, é que os povos indígenas amazônicos liderados pela Coica fizeram proposta de acesso direto ao Fundo Verde do Clima discutido na Convenção do Clima e de um Fundo Indígena Amazônico, cujo controle administrativo seria exercido principalmente por indígenas.

Hoje, a Coica tem uma visão estratégica global e pretende reforçar essas demandas aliando-se a organizações indígenas de outras regiões com importantes áreas de florestas, como as da América Central, da República Democrática do Congo e da Indonésia a fim de lançar uma mensagem coletiva ao mundo durante a COP-21 em Paris.

Por Juliana Splendore, ISA
Edição: Inês Zanchetta

 

Informe do ISA – Instituto Socioambiental, in EcoDebate, 20/10/2015


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