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Artigo

O impacto da cultura do café no meio ambiente do Brasil do século XVIII ao XXI, artigo de Sandra Marcondes

 

Quente como o inferno/Preto como o carvão

Forte como o diabo/Doce como o amor

(Paródia da definição francesa do café – barão Homem de Melo)

 

Colheita do café. Theodor Preising, déc.1930. Foto: Acervo Museu do Café.

[EcoDebate] A introdução do café no Brasil deve-se a Francisco de Melo Palheta que trouxe as primeiras sementes para o país em 1727. Tais sementes foram plantadas em Belém do Pará, mas a produção declinou de tal modo que em 1870 já estava extinta. No ano seguinte as sementes foram introduzidas no Maranhão e, em 1760, no Rio de Janeiro. Nesse período preliminar, o cultivo do café, cujo valor comercial era baixo, estava restrito aos quintais e sítios, sobretudo para consumo doméstico. Depois, a planta do café se espalhou pela Tijuca e pelo Corcovado, sendo, portanto, o Rio de Janeiro o centro a partir do qual a indústria cafeeira se expandiu e prosseguiu em duas direções: a Baixada Fluminense, chegando até Campos, e o norte, até Resende. Esse seria o eixo das grandes culturas do Vale do Paraíba, passando à mata mineira e norte de São Paulo.

Em 1830, a cultura do café era a principal atividade do Vale do Paraíba. A região, anteriormente coberta por extensas e intricadas matas, teve sua paisagem transformada por tantos cafezais. A exploração cafeeira continuou o mesmo modelo da açucareira: significativas derrubadas das matas e posterior queima da madeira, grande propriedade, monocultora e trabalho escravo. A derrubada das matas começava na madrugada e os escravos reunidos davam início ao trabalho da destruição. A submata e os cipós retrançados eram cortados com foices para abrir caminho aos machadeiros que vinham atrás. Depois de limpo o chão, em volta de uma árvore, o machadeiro começava a cortar a altura da cinta, ou às vezes em cima de uma plataforma.

Um vigia avisava-o quando devia afastar-se de uma árvore já parcialmente cortada, para recomeçar o trabalho em outra situada pouco mais acima, na encosta. Quando a árvore estremecia, ele se afastava, e quando todas as árvores da lombada se achavam enfraquecidas, o mais experimentado machadeiro escolhia aquela que, na sua queda, arrastaria as outras situadas em plano inferior, entrelaçadas todas pelos cipós. Em seguida escolhiam as madeiras necessárias para a fazenda e o restante era queimado.

As queimadas, feitas de forma descuidada, espalhavam-se pelas fazendas vizinhas. O agrônomo francês M. R. Lesé, testemunha do final do século XIX, observou situações em que, para cada hectare que se pretendia abrir para a lavoura, de cinco a dez eram destruídos pelo fogo descontrolado. E, de acordo com o vassourense Francisco Peixoto de Lacerda Werneck, barão de Pati, em seu livro “Memória”, muitos fazendeiros mandavam colocar fogo nas derrubadas “de sangue-frio, como se estivessem praticando um ato heróico”.

Assim, a floresta da Tijuca, por exemplo, foi sendo substituída pelos extensos plantios de café, o que gerou um colapso no sistema de abastecimento de água potável, pois os rios que abasteciam a cidade do Rio de Janeiro, especialmente o Carioca e o Paineiras, perderam a cobertura vegetal que protegia suas nascentes. Desse modo, por orientação do Ministério da Agricultura, em 1856, alguns terrenos localizados ao redor das nascentes começaram a ser desapropriados para que fossem reflorestados. Em 11 de dezembro de 1861, dom Pedro II aprovou o documento “Instruções Provisórias”, pelo qual mandava efetuar o plantio e a conservação das florestas da Tijuca e das Paineiras.

A partir das duas últimas décadas do Império, a produção da região do Vale do Paraíba começou a declinar, como conseqüência do esgotamento dos solos, das terras cansadas atingidas pela erosão, dos desequilíbrios climáticos, da extinção das florestas primárias e da ineficiência dos métodos agrícolas tradicionais. Além disso, os produtores da região não conseguiram encontrar solução para superar o problema da mão-de-obra que deveria substituir o trabalho escravo, que foi abolido em 1888. Assim, enquanto a produção no Vale do Paraíba declinava; a região do Oeste Paulista seguia em franca expansão, transformando-se no principal centro produtor e exportador do Brasil. Muito embora o café fosse plantado nessa região com o mesmo descuido que havia sido no Vale, os cafezais sofreram menos a ação dos agentes naturais, pois nesse local se reuniam condições mais favoráveis de solo e de clima para a sua lavoura. Foram introduzidas as técnicas do arado e do despolpador, o qual significou verdadeira revolução na técnica de descascamento de grãos.

A produção do café, entretanto, cresceu demasiadamente e sucederam-se as primeiras crises. As altas cotações internacionais do café fizeram que os 141 milhões de cafeeiros de São Paulo, em 1886, em uma década chegassem a 386 milhões. Surgiu o desequilíbrio e a superprodução provocou a baixa dos preços, ocorrendo em 1896 a primeira grande crise. Para reduzir a oferta e melhorar os preços o presidente Getúlio Vargas ordenou a queima de todo o seu estoque e erradicou cafezais. Com o tempo, a produção e a exportação do café estabilizaram-se e a partir de 1952 passaram a ter supervisão do Instituto Brasileiro do Café (IBC), extinto em 1990. Foi, então, criado dentro do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) o Procafé (Programa Integrado de Apoio à Tecnologia Cafeeira), por meio de convênio firmado entre o Mapa e a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil – CNA e o Conselho Nacional do Café – CNC, através do qual os técnicos eram alocados nas cooperativas e associações de cafeicultores. Esse convênio vigorou por dez anos até que o Ministério transformou seus engenheiros agrônomos em fiscais federais agropecuários. Com o esvaziamento do corpo técnico, criou-se em 2001 a Fundação Procafé voltada à pesquisa e difusão de tecnologia, a qual sucedeu o Procafé (Programa Integrado de Apoio à Tecnologia Cafeeira)[1].

Atualmente, mais precisamente em 2014, segundo dados do citado Mapa, o Brasil manteve a sua posição de maior produtor e exportador mundial de café e de segundo maior consumidor do produto. A safra alcançou 45,34 milhões de sacas de 60 kg de café beneficiado, em 15 Estados, com destaque para Minas Gerais, que respondeu por 49,93% da produção nacional, seguido do Espírito Santo, São Paulo, Bahia, Rondônia e Paraná.  O parque cafeeiro brasileiro é estimado em 2,256 milhões de hectares com aproximados 287 mil produtores em cerca de 1.900 municípios distribuídos pelos seguintes Estados: Acre, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Distrito Federal, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rondônia e São Paulo[2]. E, também, de acordo com o citado Ministério, a cafeicultura brasileira é uma das mais exigentes do mundo em relação a questões sociais e ambientais com a preocupação de garantir a produção de um café sustentável.

De todo modo, vale citar a produção de café orgânico, cuja produção não permite a utilização de fertilizantes sintéticos solúveis; agrotóxicos e transgênicos. Além disso, no processo produtivo do produto orgânico são respeitados os princípios agroecológicos, ou seja, contempla-se o uso responsável do solo, da água, do ar e dos demais recursos naturais, com respeito às relações sociais, trabalhistas e culturais[3]. A propósito, o mercado de produtos orgânicos vem se firmando como uma tendência necessária e um dos fatores responsáveis por isso é a demanda cada vez mais forte dos mercados nacional e internacional por esses produtos. Em 2014, no Brasil, a agricultura orgânica movimentou cerca de R$ 2 bilhões e a expectativa é de que no ano de 2016 tal número alcance o patamar de R$ 2,5 bilhões.   Portanto, deduz-se que um importante fator responsável pelo impulso da produção orgânica é o próprio consumidor, muito embora o produto orgânico ainda esteja carente de políticas de modo a reduzir os aproximados 30% a mais no preço em comparação aos produtos convencionais. Enfim, querido e querida leitora, deixo-o com a opção de degustar um delicioso, cremoso e livre de agrotóxicos “cafezinho” nacional. Saúde!

 

Referência

MARCONDES, S. Brasil, amor à primeira vista! Viagem ambiental no Brasil do século XVI ao XXI. São Paulo: Editora Fundação Peirópolis, 2005.

 

Sandra Marcondes é Advogada, com mestrado em Gestão Integrada em Saúde do Trabalho e Meio Ambiente.

 

[1] < http://www.sapc.embrapa.br/antigo/index.php/ultimas-noticias/fundacao-procafe-solucoes-tecnologicas-para-o-desenvolvimento-sustentavel-da-cafeicultura> Acesso em 03.10.15.

[2] <http://www.agricultura.gov.br/vegetal/culturas/cafe/saiba-mais> Acesso em 03.10.2015.

 

[3] http://www.agricultura.gov.br/desenvolvimento-sustentavel/organicos/o-que-e-agricultura-organica Acesso em 03.10.2015.

 

in EcoDebate, 09/10/2015

[cite]


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2 thoughts on “O impacto da cultura do café no meio ambiente do Brasil do século XVIII ao XXI, artigo de Sandra Marcondes

  • Leonardo Rivetti

    Olá, Muito legal esse artigo!
    Sou do estado do Rio de Janeiro e não sabia que o café havia sido difundido a partir da introdução no estado após ter passado pelo Pará e Maranhão. Interessante os dado sobre os estados citados como as maiores expressões na produção de café no país. Mas gostaria de compartilhar a informação de que existem outras experiências na produção de café pelo Brasil. Cito aqui, especificamente, a produção de café no estado do Amazanas, mais precisamente ao sul do estado, no município de Apuí. São produtores que apostaram na produção da bebida e que vêm se especializando no cultivo do produto em Parceria com o Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas – IDESAM. Destaco ainda o trabalho de transição nas lavouras de café, onde os produtores já adotam práticas de base ecológica (controle biológico da brica do café, técnicas de adubação verde, adoção de terreiros suspensos, uso de biofertilizantes, entre outras) na produção do grão, caminhando para a certificação de um café orgânico e/ou agroecológico. Apesar de não compor o grupo de maiores produtores, nem na produção de bebida de qualidade superior se comparada aquelas produzidas em outros estados, vale mencionar que trata-se de uma experiência que apresenta grande potencial, não só na produção, mas também no sentido de criar um produto com identidade regional, adaptada e já avançando no cultivo e na seleção de cultivares genuinamente amazônicas.

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