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Fique atento ao abuso de antibióticos na pediatria

Por Sociedade Brasileira de Pediatria / EBC

Para se ter sucesso no tratamento da criança alérgica ou com sintomas que parecem alergia é importante que os pais entendam o que acontece nas vias aéreas dessas crianças. O que a alergia provoca no sistema respiratório é uma irritação. É importante salientar que se trata de uma irritação e não de uma infecção. No jargão médico, essa irritação é chamada de processo inflamatório. E inflamação é diferente de infecção! Com frequência, crianças alérgicas tomam antibiótico desnecessariamente, quando esta irritação é confundida com infecção.

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Creative Commons – CC BY 3.0 – Bebê tomando antibiótico. Javier Pincemin/ Creative Commons

Febre não indica necessariamente que é preciso dar antibiótico. Nos primeiros anos de vida, as crianças apresentam infecções virais com certa frequência.

Nove em cada dez casos de febre em crianças abaixo de cinco anos estão relacionados com infecção viral – e vírus não se trata com antibiótico.

O argumento de que a febre está muito alta, acima de 39ºC, também não justifica a prescrição de antibióticos. Podemos encontrar crianças com 39, 40 ºC de febre causada por um simples resfriado e não é raro termos crianças com 37,5 ºC que estão com meningite. Portanto, a intensidade da febre não indica necessariamente a gravidade do problema. Febre indica apenas que o organismo está reagindo a alguma coisa, o que pode ser um bom sinal.

Investigar antes de dar o antibiótico

Muito mais preocupante é aquela criança que está prostrada, abatida, sem se alimentar e fria, com hipotermia. Na maioria das vezes só devemos nos preocupar com a febre se ela persistir por mais de cinco a sete dias. Em uma infecção viral, a febre não deve ir além de uma semana. No entanto, lembramos que preocupar não necessariamente indica prescrever antibiótico. Preocupar indica investigar para avaliar se a criança realmente precisa desse tipo de medicamento. Crianças raramente têm febre que persiste por mais de sete dias. Quantas vezes seu filho teve febre por mais de uma semana? Muitas vezes se prescreve antibiótico, a febre melhora, e todos vão dormir tranquilos com a impressão de que o remédio está fazendo efeito. Na realidade, na maioria das vezes, estava na hora da febre ceder, independente do uso de antibiótico.

Outro argumento muito usado para essas prescrições é a presença de catarro. Quem nunca ouviu que catarro amarelo-esverdeado é sinal de infecção e que é preciso tomar antibiótico? Mais uma vez esse conceito é errado e antigo. Hoje sabemos que um simples resfriado pode apresentar catarro amarelo-esverdeado e não necessariamente indica a necessidade de prescrição de antibiótico. Nos Estados Unidos, a Academia Americana de Pediatria recomenda aos pediatras que só se preocupem com o catarro se ele persistir por mais de 10 a 15 dias, sem tendência de melhora. Portanto, não se justifica a prescrição de antibiótico na presença de secreção amarelo-esverdeada nos primeiros 10 dias. O antibiótico e a lavagem nasal com soro fisiológico levam ao mesmo resultado.

Atenção na interpretação de raios-X

A interpretação equivocada de raios-X também resulta na prescrição de antibiótico. Muitas vezes vemos crianças com diagnósticos de pneumonias ou sinusites baseados na interpretação errada de radiografias. Quem nunca ouviu o termo “princípio de pneumonia”? Pois princípio de pneumonia não existe. Quando se faz raios-X de tórax em crianças com tosse, peito cheio e chieira, essas radiografias podem vir alteradas e não necessariamente indicam a presença de pneumonia, muito menos a necessidade de prescrição de antibiótico.

O mesmo acontece com os raios-X dos seios da face. Quando se faz radiografia de seios da face durante uma gripe, quando a criança está com coriza, obstrução nasal e mucosa irritada, com o rosto inchado, em 90% das vezes os raios-X vão estar alterados. Isto não indica o diagnóstico de sinusite e muito menos a necessidade de prescrição de antibiótico. Portanto, alterações nas radiografias de seios da face ou de tórax não necessariamente indicam a presença de infecção bacteriana e necessidade de antibiótico.

A criança, na maioria das vezes, apresenta as vias aéreas irritadas e não infeccionadas. Uma das principais causas desta irritação é a alergia. No entanto, no meio ambiente, existe uma série de fatores que irritam as vias aéreas de qualquer pessoa, alérgicas ou não.

Em crianças com menos de cinco anos de idade, o que mais acontece é a irritação das vias aéreas causada por infecções virais. Quem nunca teve um resfriado e se viu com a garganta irritada, o nariz entupido, encatarrado, tossindo e com peito cheio? Muitas vezes, a infecção viral melhora, mas a irritação fica e a criança persiste com sintomas nasais, tosse e chieira por um tempo prolongado.

Cautela no uso de antibióticos

Nos primeiros cinco anos de vida, a criança tem, em média, 10 viroses por ano. Não se trata de fraqueza do organismo, nem de baixa resistência e muito menos falta de cuidado. Os primeiros anos de vida são um período em que crianças apresentam infecções virais que desencadeiam tosse, chieira e sintomas nasais recorrentes mantendo uma irritação das vias aéreas, estas infecções promovem a produção de anticorpos. Após o 5º ano de vida, a criança está com o sistema imunológico mais amadurecido e resistente, fazendo com que as infecções virais diminuam progressivamente.

Outros fatores presentes no ambiente, como poluição, mudança de tempo, cheiro forte, fumaça de cigarro e inseticida também podem piorar ou manter a irritação das vias aéreas. Salientamos que não existe alergia a cheiro, nem a mudança de tempo, ou poluição, mas esses são fatores que quando atuam numa via aérea já irritada desencadeiam ou mantêm os sintomas.

Em crianças, o fator irritante mais comum é a infecção viral. Por isto, para se ter sucesso no tratamento da criança alérgica é importante diminuir a irritação. O antibiótico não diminui esta irritação! Portanto devemos ser cautelosos e criteriosos na utilização de antibiótico em crianças. Estes medicamentos possuem inúmeros efeitos colaterais e com frequência deixam as bactérias mais resistentes e difíceis de serem vencidas.

Publicado no Portal EcoDebate, 23/04/2015

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