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Cambiri e a preservação de várzeas, artigo de Roberto Naime

 

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[EcoDebate] Na cidade de Ferraz de Vasconcellos em São Paulo, existe um bairro denominado Cambiri. Documentário exibido no espaço Tela Verde do Ministério do Meio Ambiente na TV NBR no sábado 09 de agosto de 2014 e denominado “Ritos de rios e ruas” argumenta que esta expressão de origem indígena, é empregada para designar “rios que mudam de lugar”. Isto normalmente ocorre em várzeas que são mais comuns na foz de cursos de água, ou em fases mais maduras. Mas em nascentes do rio Tietê ocorrem planaltos de baixa declividade que determinam esta especificidade muito peculiar, uma característica própria de cerrados, que se identifica nas nascentes do rio Tietê.

Rios e cursos de água em regiões de cerrado podem nascer em chapadões de pequena declividade, em várzeas ou algo como as “veredas” imortalizadas por Guimarães Rosa. Mas normalmente, os rios tem em sua clássica descrição, uma fase juvenil, uma fase madura ou adulta e um estágio senil ou terminal, que normalmente coincide com a denominada “foz” ou zona de deságue em outro curso de água, num lago ou até mesmo em um oceano.

Na fase juvenil, em geral os cursos de água se encontram limitados e encaixados em morros, com margens íngremes e elevada declividade do curso de água. São regiões ideais para implantação de barramentos do tipo de concreto por engastamento, e com descargas de fundo, que podem tornar o tempo de vida útil da barragem muito longo ou até mesmo permanente. É uma modelagem de retenção e armazenamento de água para consumo ou produção de energia muito usada na Europa, onde se evitam por inexistência de espaços, as grandes áreas inundadas. Tendem a serem cursos de água lineares.

No estágio mais adulto, os rios não são tão encaixados e a declividade é menor no curso de água. Neste estágio até podem acontecer ou se estabelecer zonas de várzeas, como ocorrem no rio Tietê no bairro de Cambiri em Ferraz de Vasconcelos em São Paulo, onde o rio é responsável por todo um microambiente, um clima próprio, e onde se destaca a grande quantidade de vertentes contributivas para a vazão do rio, protegidas por matas ciliares e vegetações locais, em situação análoga aos rios de cerrado. Em geral as grandes barragens brasileiras estão inseridas nesta fase dos cursos de água e geram grandes áreas inundadas, que são origem de variados conflitos de grande porte de todas as naturezas.

Estas barragens de grande porte não admitem a implantação de mecanismos ou comportas de descarga de fundo, porque as elevadas pressões geradas pela água, em reservatórios de grande porte não viabilizam a implantação destas estruturas. Assim como no Tietê, tendem a ser cursos de água com desenho em planta do tipo meandrante, que acaba gerando mesmo braços abandonados. Mas que no caso do Tietê, de acordo com testemunhas, houve escavações, com interferência antrópica que produziram novos canais e contribuíram para o abandono de ”braços” ou canais naturais.

É de lamentar que o modelo de barragens largamente adotado no Brasil, privilegie esta circunstância e não tenha como diretriz primeira a manutenção e o fortalecimento de ações integradas que beneficiem a sustentabilidade ambiental e a manutenção de populações com saberes tradicionais em suas origens em seus “habitats” naturais e tradicionalmente históricos, onde seus antecessores e sua comunidade desenvolveu suas raízes.

Na fase madura, em geral os cursos de água são acompanhados pela instalação e presença de grandes várzeas. Apresentam baixa declividade, formato geométrico que tende a ser anastomosado e devido às peculiaridades geomórficas, não se implantam barramentos, em geral nesta fase, pois seriam barramentos de porte muito elevado e de grandes áreas inundadas. A exemplificação mais característica seria a foz do rio Nilo na África, na região da cidade egípcia de Alexandria.

Na região do bairro de Cambiri, na cidade de Ferraz de Vasconcelos, é de saudar a existência de movimentos sociais e ambientais de repercussão, que lutam pela preservação das inúmeras nascentes que protegidas por matas ciliares ou assemelhadas, contribuem para a manutenção do vigor do rio Tietê, contribuindo para a preservação do meio ambiente e dos sistemas locais.

Mais do que as belas imagens do documentário apresentado, se exalta estas ações num momento que o estado de São Paulo e a cidade de São Paulo sofrem as drásticas consequências de episódio de “seca”, associado ou não com as relevantes alterações climáticas que o planeta tem sofrido.

A água representa um recurso natural fundamental para a preservação da vida e a obtenção de condições de sustentabilidade em novo patamar. Ações desta natureza com a água, em todas as suas dimensões, com a grande compreensão da população e o grande aumento de ações socioambientais sistêmicas, deve ser saudado com grande alento, para a melhoria da qualidade ambiental e a qualidade de vida de todas as populações que acabam sendo beneficiadas por iniciativas silenciosas e cotidianas, mas de grande magnitude e importância de vida.

Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.

 

Publicado no Portal EcoDebate, 14/04/2015

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