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Artigo

O naufrágio dos deltas devido às atividades humanas, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

 

 

[EcoDebate] O aquecimento global tem provocado o derretimento das geleiras e das calotas polares e elevado o nível do mar. Dois estudos da NASA, de maio de 2014, mostram que a contração das geleiras na Antártida ocidental se tornou irreversível. A humanidade ultrapassou um patamar crítico. Somente a geleira Pine Island, no oeste da Antártida, é responsável por 20% do total de gelo da parte ocidental do continente e já iniciou um processo irreversível de colapso.

Os últimos dados mostram que a concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera ficou durante todo o mês de abril de 2014 acima das 400 partes por milhão (ppm), algo que não acontecia há pelo menos 800 mil anos. A constatação foi anunciada pelo Instituto Scripps de Oceanografia, da Universidade de San Diego, que monitora a estação de Mauna Loa, no Havaí. Segundo as medições, a concentração média de CO2 em abril foi de 401,33 ppm. E a curva continua sua trajetória ascendente.

A elevação do nível do mar, entre outras ameaças, prejudica os deltas dos principais rios do mundo. Artigo de James Syvitski e co-autores, “Naufrágio dos deltas devido às atividades humanas” (Sinking deltas due to human activities), publicado na Revista Nature Geoscience, em 2009, mostra como o delta de vários rios importantes do mundo estão afundando devido às atividades antrópicas. Dois países populosos, em particular, sofrem com a diminuição das áreas férteis de seus deltas: Bangladesh e Egito.

Bangladesh tem grande parte do seu território, onde se concentra a maior parte da população, pouco acima do nível do mar, tendo suas áreas agricultáveis mais férteis concentradas na planície formada pelo delta dos rios Ganges, Brahmaputra e Meghna. A capital Daca concentra em sua região metropolitana cerca de 15 milhões de habitantes e, embora este distante do litoral, está a apenas 4 metros acima do nível do mar.

Bangladesh fazia parte, junto com o Paquistão da grande civilização da Índia. De 1947 a 1971 Bangladesh (parte oriental) e Paquistão (parte ocidental) constituíam-se um só país. Em 1971, depois de uma guerra civil de nove meses, Bangladesh se tornou um país independente. A área que corresponde hoje a Bangladesh tinha uma população de 37,9 milhões de habitantes em 1950, passando para 148,7 milhões em 2010, quase quadruplicando de tamanho em 60 anos. A divisão de população da ONU estima, para o ano de 2050, uma população de 226,3 milhões na hipótese alta, de 194,4 milhões na hipótese média e de 166 milhões, na hipótese baixa. Para o final do século as hipóteses são: 275,1 milhões de habitantes, na hipótese alta, de 157,1 milhões, na média, e somente 82,3 milhões na hipótese baixa. Ou seja, Bangladesh apresentou um grande crescimento populacional na segunda metade do século XX, ainda vai crescer na primeira metade do século XXI (mesmo que em ritmo menor) e pode ter uma população em declínio na segunda metade do corrente século.

Bangladesh é um dos países com maior densidade demográfica do mundo, pois em 1950 tinha 263 habitantes por km2, passando para 1.033 hab/km2,, devendo chegar a 1.350 hab/km2 em 2050. Só para comparação, o Japão tinha densidade demográfica de 218 habitantes por km2 em 1950 (praticamente a mesma de Bangladesh na mesma data), passou para 335 hab/km2 em 2010 e deve cair para 287 hab/km2 na projeção média para 2050. Portanto, atualmente, Bangladesh tem uma densidade demográfica 3 vezes superior à do Japão.

 

 

A pegada ecológica per capita do país era de 0,66 hectares globais (gha) em 2008, de acordo com o relatório Planeta Vivo, da WWF. Porém, a biocapacidade per capita era ainda menor de 0,42 gha, portanto há um grande déficit ecológico, embora a população seja pobre e tenha baixo nível de consumo.

Bangladesh terá um grande desafio nas próximas décadas para promover o crescimento econômico, com aumento da qualidade de vida da população e com a defesa e a recuperação do meio ambiente, pois está perdendo área em função do represamento dos rios e a consequente redução dos sedimentos que criaram os deltas e as áreas férteis. Enquanto a terra afunda o nível do mar se eleva e a água salgada torna grandes extensões do território impróprio para a agricultura. Para um país que depende destas áreas para alimentar sua população o futuro não parece muito promissor.

Problemas semelhantes vive o Egito, que já teve a civilização mais avançada do Planeta e hoje em dia enfrenta dificuldades econômicas, sociais e ambientais. O Egito tinha uma população de 21,5 milhões de habitantes em 1950, passando para 81,1 milhões em 2010, quase quadruplicando de tamanho em 60 anos. A divisão de população da ONU estima, para o ano de 2050, uma população de 141,8 milhões na hipótese alta, de 123,5 milhões na hipótese média e de 106,7 milhões, na hipótese baixa. Para o final do século as hipóteses são: 198,4 milhões de habitantes, na hipótese alta, de 123,3 milhões, na média, e 71,9 milhões na hipótese baixa. Ou seja, o Egito apresentou um grande crescimento populacional na segunda metade do século XX e ainda vai crescer na primeira metade do século XXI (mesmo na hipótese baixa), podendo estabilizar na segunda metade do atual século.

 

 

A densidade demográfica do Egito era de somente 21 habitantes por km2, em 1950, passou para 81 hab/km2, em 2010, e deve chegar a 123 hab/km2 em 2050. Atualmente, o Egito é o 16º país do mundo em termos de tamanho populacional, mas deve subir para o 15º lugar até 2050. A pegada ecológica egípcia era de 2,06 hectares globais (gha) em 2008, de acordo com o relatório Planeta Vivo, da WWF, para uma biocapacidade de somente 0,65 gha. Além deste alto déficit ambiental o país tem déficit de energia e déficit de alimentos, precisando importar insumos fundamentais para a sua economia.

Mas a grande maioria da produção agrícola egípcia ocorre na área do delta do rio Nilo que se estende ao longo de 25 mil quilômetros, sendo um território densamente povoado, com cerca de 40 milhões de habitantes, que é o celeiro agrícola do Egito. Mas a área que vai de Alexandria ao Cairo tem se tornado uma das faixas costeiras mais vulneráveis do mundo, pois enfrenta a tripla ameaça da erosão costeira, da infiltração da água salgada e do aumento do nível do mar.

O delta do Nilo está afundando, pois a construção da represa de Assuan impediu o afluxo de 120 milhões de toneladas de lama que se acumulavam no delta. O crescimento da população aumentou a demanda por água e reduziu o volume que chega ao mar. Mas sem estes sedimentos e com menos água doce, a água salgada avança e o delta do Nilo está diminuindo e reduzindo a área agricultável.

A foz do rio São Francisco, no Brasil, também está naufragando devido ao represamento e à transposição. Os deltas dos rios brasileiros sofrem o mesmo problema, talvez em dimensão um pouco menor, dos países citados.

Bangladesh e Egito são dois exemplos de países superpovoados que enfrentam a tripla ameaça do naufrágio das áreas costeiras, do aumento do nível do mar e da salinização dos terrenos férteis. Desta forma, não é difícil imaginar a possibilidade do agravamento da crise econômica, social e ambiental nestes países. Mas o naufrágio dos deltas é global e vai atingir, de uma maneira ou de outra, toda a população mundial.

SYVITSKI, James P. M. et al. Sinking deltas due to human activities, Nature geosciences, 20/09/2009

Suzanne Goldenberg. Western Antarctic ice sheet collapse has already begun, Theguardian, 12/05/2014

 

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

 

EcoDebate, 21/05/2014


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