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Conhecimento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é limitado e estereotipado

 

Professores da rede pública consideram que o ECA facilita a indisciplina, mas ao mesmo tempo representa um avanço nos direitos de crianças e adolescentes

A escola de ensino médio da Samambaia testa chip no uniforme de 35 alunos
Brasília – A escola de ensino médio da Samambaia testa chip no uniforme de 35 alunos. Foto de Valter Campanato/ABr

 

Uma pesquisa da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP está investigando como os educadores da rede pública de ensino representam o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e as implicações dessas significações nos processos de mediação e prevenção da violência nas escolas. A coleta de dados da pesquisa foi realizada com 20 educadores (professores, coordenadores, auxiliares de ensino e outros) de instituições do ensino fundamental II e médio da região de Barretos, no interior de São Paulo.

Os primeiros resultados indicam que parte dos professores compreende o estatuto como “excessivamente liberal”, “facilitador da conduta desregrada e indisciplinada” do aluno em sala de aula, “impedindo a tomada de medidas punitivas e disciplinares”. Outros acreditam que o estatuto é “adequado e até avançado em relação à prevenção da violência contra crianças e adolescentes”, e que “o problema seria ele ser posto em prática”.

Essas percepções e opiniões paradoxais podem estar ligadas ao desconhecimento do ECA, segundo Daniel Massayuki, doutorando e autor do estudo, realizado com orientação do professor Sérgio Kodato. “Observa-se que o conhecimento sobre o estatuto é um pouco limitado e estereotipado, pois os discursos dos educadores o representam como facilitador da indisciplina, mas ao mesmo tempo indicam que é um avanço na conquista de direitos de crianças e adolescentes, desde que mais bem executado”, diz Massayuki.

O professor Kodato destaca que “os educadores, acuados com a hostilidade dos alunos e seus familiares, reclamam que as medidas e recomendações do ECA sobre a contenção da violência não são colocadas em prática na escola, permanecendo no plano teórico e alimentando o caos”. Com isso, prevalecem o clima de desacato à figura de autoridade e a falta de limites: os direitos de adolescentes que querem ter aulas e aprendizagem ficam prejudicados pelos que estão excluídos do processo pedagógico e adotam a conduta agressiva e transgressiva como uma forma de fornecer sentido à permanência cotidiana na escola.

Instrumento de apoio – “Os professores têm consciência da necessidade de detectar, cuidar e notificar ao Conselho Tutelar os casos de alunos violentados e maltratados, em suas famílias e comunidades de origem”, lembra Kodato. “Mas, muitas vezes, preferem se omitir, em função de medo, do temor de vingança por parte dos denunciados e porque os encarregados de coibir a violência não estão conseguindo efetivar a averiguação das denúncias e a culpabilização dos responsáveis.”

De acordo com os pesquisadores, a forma como os educadores representam o estatuto tem influência nas relações pedagógicas e desencadeia problemas que se refletem negativamente no trabalho de todos na escola. O professor que desconhece o ECA e está na sala de aula, ao presenciar relações de conflito e brigas promovidas pelos estudantes indisciplinados, poderá, por exemplo, representar essa violência como delituosa, eximindo-se de mediar o conflito e encaminhando o caso para seus superiores ou mesmo à Ronda Escolar.

Kodato destaca que os educadores poderiam assimilar o ECA como um instrumento de apoio ao desenvolvimento de estratégias e práticas para solucionar os problemas de violência na escola. “No entanto, esse processo está paralisado. Atualmente, muitas instituições e agentes educacionais sentem-se intimidados e impotentes frente à situação de descalabro e agressão direta ou simbólica à figura do professor”, lamenta.

De acordo com os pesquisadores, o estudo utiliza a Teoria das Representações Sociais como referencial metodológico. “As representações são produzidas e circulam nas comunicações entre as pessoas e revelam suas singularidades no espaço político e institucional”, explica o docente da FFCLRP. “Por exemplo, o processo de socialização, resultado da interação entre as pessoas e o grupo de pertença, contribui para a elaboração de representações e significados a respeito de si, da sociedade, dos outros e do mundo.”

Matéria de Hérika Dias, da Agência USP de Notícias, publicada pelo EcoDebate, 11/02/2014


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Alexa

3 thoughts on “Conhecimento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é limitado e estereotipado

  • O ECA, no meu ponto de vista, está para a cultura brasileira assim como as viagens espaciais estão para a humanidade. Parece exagero, mas a sociedade brasileira ainda não está preparada para ele, lamentavelmente. Não vejo como tratar os direitos sem cuidar das obrigações. Explicando melhor: segundo o artigo, “a forma como os educadores representam o estatuto tem influência nas relações pedagógicas e desencadeia problemas que se refletem negativamente no trabalho de todos na escola”, porém nada se cuida quanto à efetiva formação, valorização e reconhecimento desses educadores, notadamente quanto à remuneração de cada um deles. Além disso, antes de tudo é essencial projetar nas famílias o sentido exato do papel do educador como autoridade no processo educacional. Nosso ECA é excelente, porém aplicável em países onde se prioriza a educação, como Noruega, Suécia e outros países de “1º mundo”; no Brasil, não, porque temos ainda muita estrada para chegar lá! Principalmente enquanto perdurar a “politicanalhada” que temos que tolerar!

  • Joseval Estigaribia

    Este discurso além de claramente marxista é de quem desconhece o nivel de violencia dentro das escolas. Tenham certeza de que a escola reproduz com fidelidade a violencia da ruas, presidios e domestica que temos visto nos ultimos tempos. E não é somente o ECA que introduziu a permissividade excessiva, mas também o conjunto de leis, normas e regras decorrentes da sua implantação que são praticadas nas escolas. Estamos criando gerações de gente despreparada para assumir suas funções na sociedade e que certamente transformará a sociedade num lugar muito pior para se viver no futuro, com gente sem noção de limites vivendo e cultivando a cultura do prazer pelo prazer.

  • Atualmente a violência está bastante acentuada nas escolas. alunos desrrespeitam o professor, alunos fazem parte de gangues. Estes, de modo reflexo, querem exercer domínio nas salas, assim como o faz a gangue, na qual fazem parte, quando dominam as ruas, o bairro, etc. Então eu pergunto, como pode um profissional da educação trabalhar de forma satisfatória em um ambiente hostil como este? Ameaças latentes; risco de vingança por parte de aluno; dano ao patrimônio (dano em veículo) e outros mais. O sentimento de impunidade cresce no jovem desde cedo.

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