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As ruas como ‘poder constituinte’. Outra chave de leitura

 

Manifestação na Avenida Paulista dia 20 de junho de 2013
Manifestação na Avenida Paulista dia 20 de junho de 2013. Foto: Marcos Santos/USP Imagens

 

Opondo-se à leitura conservadora de muitos que veem os novos movimentos de rua como uma ameaça ao governo, à ordem, aos movimentos tradicionais, uma série de autores pontifica o caráter emancipatório desse novo ciclo de lutas. Uma leitura parcial desse pensamento encontra-se na revista IHU On-Line intitulada “A potência das ruas em debate”, de dezembro de 2013. Para muitos deles, abre-se com o novo ciclo das ruas a possibilidade do governo avançar, o risco é o recuo como destacado anteriormente.

Em entrevista ao IHU, o cientista político Adriano Pilatti destaca a que “as respostas a essas contestações foram até aqui pífias, ao passo que sobrou arrogância, autoritarismo, insensibilidade diante da fantástica contribuição crítica à construção da democracia no Brasil que foi oferecida em cada cartaz, faixa, refrão das manifestações, em cada ocupação, em cada ato de resistência ao longo desses meses. Enquanto os poderes constituídos mantiverem essa impermeabilidade em face do que vem das ruas, [mantiverem] esse padrão repressivo de resposta, não há razão para ser otimista”.

Segundo ele é possível avançar mais: “A estabilidade é precária, as desigualdades diminuíram, mas permanecem enormes, as políticas de inclusão produziram avanços mas não conseguem sequer ‘incluir’ satisfatoriamente doentes em hospitais, crianças nas escolas, passageiros nos veículos de transporte, etc. Não incluem os cidadãos pobres em geral, e os pobres negros em particular, entre aqueles que são respeitados pelas polícias”.

Para Pilatti “ninguém ‘combinou com os russos’ que eles se satisfariam em comer três vezes por dia e ter vaga na escola. A garantia de um patamar mínimo de direitos em matéria de nutrição, educação, saúde, etc. não produz saciedade ou resignação. Os levantes iniciaram um novo ciclo nas lutas por direitos relativos ao transporte, aos espaços públicos, à informação, à segurança, à educação, à participação, à representação. O direito de contar politicamente de forma autônoma, de participar diretamente das decisões da pólis e fruir dos serviços da cidade. Em diferentes níveis e questões, os jovens questionam a plutocracia que, de dentro das estruturas da democracia atual, impede o exercício de direitos fundamentais”.

O cientista político propõe outra chave de leitura para interpretar o movimento das ruas. Segundo ele, “o que se expressa nas ruas através da mobilização dos corpos e das mentes desses jovens é uma dimensão nova, potente, determinante ao menos a médio e longo prazo, do devir-multidão dos pobres, dos excluídos e de todos os que são incluídos apenas e tão somente na extensão necessária para serem explorados. Na medida em que se aproxime de outros movimentos e possa com eles se comunicar e cooperar, penso que tende a contagiá-los com muitos de seus aspectos positivos: sua horizontalidade, sua composição múltipla, a reivindicação e o respeito pela autonomia de todos os que nele se integram”.

“Desde junho estou convencido de que ‘o sal da terra’ está hoje nas ruas”, afirma Adriano Pilatti para quem “nos setores mais engajados e mobilizados, essas mobilizações inspiraram um renovado e difuso desejo de autonomia, de participação livre, de novas formas de ação e participação”.

Adriano Pilatti utiliza-se da contribuição de Antonio Negri, autor da trilogia Império, Multidão e Comum, para a compreensão da novidade nas ruas. “O constituinte sempre excede e ultrapassa o constituído. O constituído é mero produto, consequência, expressão na melhor hipótese, traição na pior hipótese, do que é constituinte. O que é constituinte é a vida, é o trabalho, é o desejo, é a cooperação”.

A contribuição de Negri, diz ele, “é compreender a fonte de toda a vivacidade e produção biopolítica. É compreender as imensas transformações que o trabalho e, portanto, o capitalismo, vem experimentando nas últimas décadas. Portanto, aí está a necessidade de atualizar as velhas categorias da esquerda, de se ‘antenar’ a esse novo mundo”.

Em Império, comenta Pilatti, “Toni Negri faz um grande esforço de, no campo da sociologia política, tentar entender essas novas formas do governo mundial. Multidão, que é o livro seguinte e o último publicado no Brasil, tenta entender essa nova subjetividade política que não é uniforme e não é classe operária, mas uma outra coisa, que é essa confusão excedente e que corresponde justamente à própria variação do mundo do trabalho hoje que não é só mais a fábrica, do mundo da produção em que o hardware importa menos que o software. Falta traduzir para o português a última obra, que trata sobre o comum. Essa tetralogia, que engloba os livros Poder constituinte traduz uma trajetória instigante e generosíssima de reflexões”, comenta.

“A multidão continua nas ruas, redes e shoppings. Mas ainda há tempo para os poderes constituídos, sobretudo o governo federal, reconhecerem a potência da nova etapa democrática. Isso é o melhor que podemos desejar”, afirmam Giuseppe Cocco e Adriano Pilatti.

A análise da Conjuntura da Semana é uma (re)leitura das Notícias do Dia publicadas diariamente no sítio do IHU. A análise é elaborada, em fina sintonia com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT e por Cesar Sanson, professor na Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN.

(EcoDebate, 23/01/2014) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]


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