EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Notícia

‘Brasil Grande’. Para onde vai?

 

conjuntura

 

A mesma dificuldade do governo em ‘dialogar’ com os novos movimentos de rua, já se cristalizou em relação aos povos tradicionais, particularmente os indígenas. O modelo em curso repete os equívocos do modelo dos anos de chumbo em que o preço a ser pago pelo desenvolvimento vitima aqueles que se interpõem no seu caminho. A batalha de Humaitá está aí para comprovar com a triste história da transamazônica. História que se repente na voracidade do ciclo da comoditização.

Nesses dias repercutiu a entrevista do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, que critica o governo de Dilma Rousseff e os seus projetos de estradas e usinas hidrelétricas e benefícios ao agronegócio que atingem diretamente os povos indígenas. O antropólogo comparou as ambições desenvolvimentistas da atual presidente à megalomania da ditadura, com seu ideário de “Brasil Grande”.

Segundo ele, “foi preciso a esquerda, uma ex-guerrilheira, para realizar o projeto da direita. Na verdade, eles sempre quiseram a mesma coisa, que é mandar no povo. Direita e esquerda achavam que sabiam o que era melhor para o povo e, o que é pior, o que eles pensavam que fosse o melhor é muito parecido. Os militares talvez fossem mais violentos, mais fascistas, mas o fato é que é muito parecido.”

Na opinião de Eduardo Viveiros de Castro, “o PT, a esquerda em geral, tem uma incapacidade congênita para pensar todo tipo de gente que não seja o bom operário que vai se transformar em consumidor. Uma incapacidade enorme para entender as populações que se recusaram a entrar no jogo do capitalismo”.

Nessa perspectiva, diz ele, “quem não entrou no jogo – o índio, o seringueiro, o camponês, o quilombola –, gente que quer viver em paz, que quer ficar na dela, eles não entendem. O Lula e o PT pensam o Brasil a partir de São Bernardo. Ou de Barretos. Eles têm essa concepção de produção, de que viver é produzir – ‘O trabalho é a essência do homem’. O trabalho é a essência do homem porra nenhuma. A atividade talvez seja, mas trabalhar, não”, conclui.

O destrato para com os povos originários e por extensão com o meio ambiente talvez custe caro ao país num futuro próximo. O Brasil não se dá conta das enormes potencialidades de superação do modelo produtivista-fordista que sinaliza para o fracasso civilizatório.

“Ecologizar” é verbo da vez, sustenta Bruno Latour. Segundo ele, “o Brasil, com todas as suas contradições, é fundamental na possibilidade de um futuro de inovações que gerem um novo tipo de ‘civilização ecológica’, numa nova ‘inteligência política e científica’”.

Latour afirma: “Penso que deve haver uma verdadeira revolução ecológica, não somente no sentido de natureza, e o Brasil é um ator importante”. Para ele, “a esperança do mundo repousa muito sobre o Brasil, país com uma enormidade de reservas e de recursos. Se fala muito do movimento da civilização na direção da Ásia, o que não faz muito sentido do ponto de vista ecológico, pois quando se vai a estes países se vê a devastação. Não se pode imaginar uma civilização ecológica vindo da Ásia”.

No Brasil — e também na Índia — diz o antropólogo, “há um pensamento, não simplesmente a força nua, num país em que os problemas ecológicos são colocados em grande escala. Há um verdadeiro pensamento e uma verdadeira arte, o que é muito importante”.

Fazendo referência das manifestações de junho de 2013 Latour comenta: “Essa é uma das razões pelas quais o Brasil é interessante, porque há ao mesmo tempo um dinamismo de invenção política, ligado a outros dinamismos relacionados às ciências, às artes. Há um potencial no Brasil. E há, hoje, uma riqueza. Não são temas que se pode abordar em uma situação de miséria. É preciso algo que se pareça ao bem-estar. Na Índia, se você tem um milhão de pessoas morrendo de fome não pode fazer muito. O Brasil é hoje muito importante para a civilização mundial”.

Talvez falte às nossas elites essa percepção de que “o Brasil é muito importante para a civilização mundial”. A percepção de que nós podemos gestar um novo modelo paradigmático, um modelo de superação ao ciclo industrialista que se iniciou na Revolução Industrial e que se encontra em crise.

A análise da Conjuntura da Semana é uma (re)leitura das Notícias do Dia publicadas diariamente no sítio do IHU. A análise é elaborada, em fina sintonia com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT e por Cesar Sanson, professor na Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN.

(EcoDebate, 22/01/2014) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]


[ O conteúdo do EcoDebate pode ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, ao EcoDebate e, se for o caso, à fonte primária da informação ]

Inclusão na lista de distribuição do Boletim Diário do Portal EcoDebate
Caso queira ser incluído(a) na lista de distribuição de nosso boletim diário, basta clicar no LINK e preencher o formulário de inscrição. O seu e-mail será incluído e você receberá uma mensagem solicitando que confirme a inscrição.

O EcoDebate não pratica SPAM e a exigência de confirmação do e-mail de origem visa evitar que seu e-mail seja incluído indevidamente por terceiros.

Remoção da lista de distribuição do Boletim Diário do Portal EcoDebate
Para cancelar a sua inscrição neste grupo, envie um e-mail para ecodebate@ecodebate.com.br. O seu e-mail será removido e você receberá uma mensagem confirmando a remoção. Observe que a remoção é automática mas não é instantânea.

Alexa

One thought on “‘Brasil Grande’. Para onde vai?

  • A direita defende o capitalismo, e a esquerda o socialismo. Mas o governo de um país capitalista, mesmo quando exercido por um partido de esquerda, deve ser feito nos moldes do capitalismo, ou não será feito. Se alguma transformação substancial houvesse de ser realizada, seria pela maioria da população explorada, mas não existe população preparada para isto, nem existirá. Portanto, ficam as opções: ou se mantem o partido de esquerda, que alivia um pouco a penúria da classe pobre, ou se substitui por um partido de direita, que nada alivia, e, simplesmente, empenha esforços para o ‘desenvolvimento’ do capital.

Fechado para comentários.