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‘Todos os descendentes de europeus que aqui vivem têm uma dívida com os povos indígenas’, afirma geógrafo da USP

 

Ariovaldo Umbelino, da Universidade de São Paulo (USP)
Ariovaldo Umbelino, da Universidade de São Paulo (USP). Foto: Elza Fiúza/ABr

 

[Por Victor Francisco Ferreira, para o EcoDebate] A ideia de que a Amazônia é um vazio demográfico é equivocada. “O Brasil todo já estava ocupado pelos povos indígenas. E todos os descendentes de europeus que aqui vivem têm uma dívida com esses povos indígenas. Porque esse território era deles e foi sendo tomado gradativamente e continua a ser tomado”, afirma o geógrafo Ariovaldo Umbelino, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP). “Sou inclusive a favor da autodeterminação dos índios.
Isto é, se um dia eles quiserem formar um país independente, eles têm esse direito. E são eles que têm que decidir, não a gente”, completa.

Segundo ele, a indivisibilidade do Brasil é uma ideia criada pelos militares. “O Brasil não teve sempre esse território. Se o tratado de Tordesilhas existisse até hoje, como seria o Brasil? Se já ganhou território, porque não poderia perder?”. Além disso, a própria demarcação de terras indígenas feita pelo governo brasileiro tende a deixar os índios com territórios descontínuos, o que dificultaria uma possível independência. “Os xavantes, no Mato Grosso, eram um povo único. E o território xavante hoje são sete ou oito reservas separadas”, conta.

A Constituição Federal de 1988 afirma em seu artigo primeiro que o país é formado “pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal”, o que torna inconstitucional qualquer proposta separatista no Brasil.

Também segundo a Constituição, no capítulo VIII, artigo 231, são reconhecidos aos índios “os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarca-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.

Apesar de se declarar favorável a um possível desmembramento do território brasileiro em favor dos povos indígenas, Umbelino admite que o tema não é uma pauta de discussão dos diferentes povos. “Nunca ouvi essa colocação sobre a autodeterminação. Na realidade isso é uma construção da ideologia dos militares sobre os povos indígenas que habitam a fronteira”, conta. “Eles veem a Colômbia de um lado e o Brasil do outro, ou a Venezuela de um lado e o Brasil do outro sem problema. O que eles querem é manter sua identidade”.

“Absurdo histórico”

O geógrafo também chama de “absurdo do ponto de vista histórico” a proposta da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), liderada pela senadora Kátia Abreu (PSD-TO) de limitar o poder da Funai e conceder à Embrapa o poder de demarcar terras indígenas. “A Embrapa conhece muito bem a parte de agronomia, mas que entendem os agrônomos para poder decidir se uma área é território indígena ou não?”, questiona.

Os critérios para a demarcação de terras indígenas são baseadas em laudos antropológicos, que levam em conta a cultura. Assim, devem ser consideradas, além da ocupação histórica, as condições que a terra demarcada tem de possibilitar as práticas culturais de determinado povo indígena naquele local. “Por isso é sempre uma área grande. São poucos os povos que têm territórios relativamente pequenos.”, conta Umbelino.

O pesquisador também afirma que a Presidência vê os indígenas como empecilho ao desenvolvimento econômico. “O governo do PT acha que governar é gerar emprego. Tem gerar emprego, postos de trabalho custe o que custar. É evidente que não é assim. Parênteses: sou fundador do PT. E fazendo essa crítica não estou abonando PSDB e oposição. Porque com eles seria pior ainda”.
As declarações foram dadas no último sábado, 11 de maio, em encontro com alunos de jornalismo participantes do Projeto Repórter do Futuro, organizado pela Oboré em parceria com a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e com o Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP.

Victor Francisco Ferreira é estudante de jornalismo da USP e participa do módulo Descobrir-se Repórter, Descobrir a Amazônia, do Projeto Repórter do Futuro.

EcoDebate, 27/05/2013


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5 thoughts on “‘Todos os descendentes de europeus que aqui vivem têm uma dívida com os povos indígenas’, afirma geógrafo da USP

  • Comentar a matéria mereceria um esforço grande, uma vez tratar-se de tema complexo. Por isto, quero parabenizar ao professor pela brilhante visão sobre a questão indígena. Em primeiro por reconhecer que temos uma dívida para com os povos indígenas que não se prescreve. Esta dívida vai além da questão territorial. Ela é ética , moral, ecológica, econômica e criminal.

    Quantos são os “muros de Berlim” que separam grupos, povos indígenas impostos desde a colonização?

    O Pac dos governos Lula e Dilma veio a ampliar as nossas dívidas. Uma política de conchavos que pratica o desenvolvimentismo corrupto, pois se é a qualquer preço, significa de quem der mais. Aí entram os interesses das grandes corporações capitalistas que comandam as políticas do país.

    Parabéns professor

  • Concordo. Alem da dívida com os índios, a Europa ainda tem uma grande dívida com a Nação Brasileira, pois na realidade, o Brasil foi invadido, colonizado, saqueado em suas riquezas minerais e vegetais, (ouro, pedras preciosas, Pau-brasil) fazendo a riqueza deles. A riqueza deles é a nossa pobreza e nossa pobreza é a riqueza deles e os Ingleses continuam nos roubando escandalosamente: (Nióbio)

  • Pouco ou nada entendo da matéria tratada no texto. Entretanto, permito-me discordar quando diz que todos somos devedores. Não me sinto devedora das comunidades indígenas pelo fato de ser, quem sabe, descendente de europeus, africanos e/ou asiáticos. Acho, até, que em minhas veias corre sangue de diversas etnias, inclusive a indígena natural da “terra brasilis”! No meu entender, tanto o texto constitucional quanto a opinião do autor são separatistas e, ainda que bem intencionada, deixa prejudicado o interesse melhor do povo, em sentido universal. Há descendentes indígenas “puros” que afastaram-se de suas terras, cursam faculdades, integraram-se na sociedade moderna, outros permanecem na tradicional cultura indígena, apáticos ou lutando pelas terras indígenas. Há, inclusive, os que vendem suas terras aos estrangeiros, inúmeros os que já são proprietários de grandes extensões territoriais do nosso País. Ora, entendo equivocada a tese defendida no texto, por nada acrescentar à unidade nacional. Brasil é Brasil, suas terras, sua história, seus recursos e seu povo, neste incluídos todos os que vivem no limite territorial da Pátria amada – indígenas, egressos de outros continentes, da Europa, da África, da Ásia, da Oceania, etc. A unidade brasileira, no meu entendimento, é o que mais importa. Os povos indígenas devem ser considerados cidadãos brasileiros, com direitos e obrigações isonômicas e, principalmente, deveriam ter a proteção do Estado para garantia da sua sobrevivência e evolução na sociedade, integralmente. A prática política inadequada é outro problema! Disso todos nós somos vítimas, e continuaremos a ser enquanto os honestos não tomarem o Poder para dar-se ao País e ao povo o que realmente merecemos.

  • Todos? Descendo de imigrantes que vieram para o Brasil no início do século XX… se é assim então que voltem os africanos para a África, os japoneses para a Ásia e que o sr Ariovaldo entregue o terreno da sua casa para os índios, não sei se ele teria tal disposição. Os indígenas detém, e, justamente, 13% do território nacional, salvo engano da minha parte. Independente da etnia, porque antes de tudo, são homens, o papel de guardiões da floresta, hoje em dia, não lhes cabe bem, pois, por dinheiro e movidos de avareza vendem até a alma para marceneiros, sim, por se aculturarem e, como homens que são, cuja natureza é predadora, não são mais guardiões da floresta, engana-se quem pensa assim. A gente na FUNAI que transita na utopia e acreditam que devem isola-los num gueto. Parece q a FUNAI , mesmo q bem intencionada, os trata como selvagens como eram tratados pelos colonizadores, isto é, algo não humano. Eles, são homens e não querem mais saber de arco e flecha e sim de celular e computador. Essa é a dura verdade. Sou antes de tudo a favor da vida e da dignidade e que os índios sejam tratados com toda a dignidade e respeito q merecem e com o amparo e proteção do Estado e que esse gere e cumpra as leis, justas, em benefício deles e da floresta. Mas que haja bom senso e, principalmente, muita sabedoria para lidar com a situação, de modo que haja equilíbrio entre os produtores agropecuários (diga-se de passagem, que entre eles há os gananciosos, avaros, destruidores de tudo que vem pela frente, gente que essa que nunca decidem pelo bem, são os cupins do planeta) e os índios. Sejam, os indígenas, tratados com humanidade e não como selvagens. Não sou produtor de nada, apenas um observador deixando um comentário.

  • pensa assim. a gente na funai que transita na utopia acreditam que devem isola-los num gueto

Fechado para comentários.