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Artigo

‘Numeros’ do Clima: 1/5, artigo de Alexandre Costa

 

artigo

 

Números

Na semana que se encerrou ontem, tive a oportunidade de discutir a questão climática em dois eventos: a exibição do documentário “6 graus” no Projeto “Arte e Crítica”, na Universidade Estadual do Ceará e a mesa de abertura do “Seminário Ecossocialista” do PSOL-CE.

“Seminário Ecossocialista”

 

Em ambas as situações, ficou claro para mim que existe a necessidade de construir o entendimento, por parte das pessoas, de que o aquecimento global é um fenômeno real, já presente e em aceleração, de que o mesmo é motivado pelo acúmulo de gases de efeito estufa na atmosfera terrestre e de que o aumento da concentração desses gases se dá em virtude das atividades humanas, principalmente a queima de combustíveis fósseis. Há, também, que se deixar a mensagem de que o corpo científico que trabalha na construção da Ciência do Clima, investigando, publicando, elaborando os relatórios do IPCC (e, no Brasil, do PBMC), etc., é uma comunidade séria e confiável e que, na eterna imperfeição e incompletude da Ciência, apresenta ao público a última palavra do conhecimento na área e de que se há erros nas projeções anteriores do IPCC, a maioria desses erros se dá ao se subestimar a velocidade das mudanças (vide degelo do Ártico e elevação do nível dos oceanos).

Mas percebi que há algo que causa impacto, ao falarmos. São determinados números, que mostram como é crítico agir com rapidez para deter a locomotiva descontrolada do aquecimento global (Nesse sentido, por experiência própria, vi como a campanha “Do the Math”, de Bill McBibben e da 350.org é interessante).  E aí, resolvi colocá-los de forma sintética aqui:
0,8°C – É o aquecimento global já ocorrido desde a era pré-industrial. Ainda que aparentemente modesto, já é suficiente para provocar alterações na distribuição de eventos extremos, principalmente de ondas de calor e produzir redução significativa em diversas geleiras e no gelo marinho do Ártico.
2°C – É o aquecimento considerado como um limiar crucial, que se deve evitar a fim de que diversos ecossistemas marinhos e terrestres não entrem em colapso e para que determinados mecanismos de retroalimentação do aquecimento global não sejam disparados, fazendo com que este ganhe, irreversivelmente, vida própria.
3°C – É a melhor estimativa da chamada sensibilidade do sistema climático, isto é, o aquecimento esperado em função da duplicação da concentração atmosférica de CO2, explicada em maiores detalhes neste texto.
280 ppm – É a concentração de CO2, que permaneceu praticamente constante, por cerca de 10 mil anos, antes do período pré-industrial.
350 ppm – Concentração de CO2 atmosférico que, segundo estudos científicos, é o limite máximo para o qual se espera uma estabilização do clima em condições similares àquelas em que a civilização humana floresceu e à qual a biota terrestre se adaptou nos últimos milhares (e até centenas de milhares ou milhões) de anos. Esse limite foi ultrapassado em 1988, como mostro neste texto.
391 ppm – É o valor da concentração de CO2 atmosférico que foi ultrapassado pela média anual de 2011. Em 2012, essa média (que será divulgada no início de janeiro) deve chegar a 393-394 ppm. Ainda que essa concentração parasse de crescer, ela já nos levaria (após algumas décadas, até o sistema climático chegar próximo do novo equilíbrio) a um aquecimento duas vezes maior do que o já verificado em relação à era pré-industrial. Além da influência sobre o clima, esse valor elevado de concentração de dióxido de carbono na atmosfera tem levado à acidificação dos oceano e a uma mortandade brutal de corais, pequenos moluscos e de vários organismos que dependem da fixação de carbonato de cálcio para permanecerem vivos. Vários deles estão na base da cadeia alimentar e sua morte pode transformar os oceanos em vastos cemitérios azuis.
450 ppm – É a concentração de CO2-equivalente (isto é, considerando o efeito do metano, óxido nitroso, halocarbonetos, aerossóis, etc.) que deve ser evitada, a fim de que o aquecimento global fique limitado a dois graus. A um crescimento de mais de 2 ppm/ano, como tem sido a tendência, o risco de se chegar a esse valor em duas décadas ou menos é enorme.
10.000 anos – Tempo em que as concentrações de CO2 atmosférico se estabilizaram em torno de 280 ppm, após o final do Último Máximo Glacial
800.000 anos – Duração do registro paleoclimático da concentração gases de efeito estufa e estimativa de temperatura obtidos estudando-se o gelo da Antártica. Em todo esse período, o CO2 atmosférico oscilou de valores ligeiramente abaixo de 200 ppm (nos períodos glaciais ou “eras do gelo”) a no máximo 300 ppm (durante os chamados “interglaciais”, que aconteceram aproximadamente a cada 100 mil anos)
3.000.000 de anos – Provavelmente o que é preciso retroceder no tempo, a fim de se encontrar concentrações atmosféricas de CO2 acima de 400 ppm.
565 bilhões de toneladas – Quantidade de carbono fóssil (no petróleo, carvão e gás natural) que se pode queimar sem que se ultrapasse o limite de 450 ppm
2795 bilhões de toneladas – Quantidade de carbono nas jazidas fósseis (petróleo, carvão e gás natural) já comprovadamente conhecidas
3700 bilhões de toneladas – Estimativa da quantidade de carbono existente em todas as jazidas fósseis.

1/5 – Fração do carbono fóssil em jazidas comprovadas que pode ser queimada sem colocar sob risco extremamente severo o sistema climático terrestre.

É possível e necessário respeitar esse último número. Não sem uma intervenção séria no processo produtivo, claro, mas é factível. Há que se substituir rapidamente a matriz energética, saindo de fontes fósseis para fontes renováveis (solar, eólica, maremotriz, etc.), inclusive com geração de energia nas próprias cidades, em escala residencial. Há que se aumentar a eficiência energética. Há que se mudar radicalmente o modo de nos transportarmos, com ênfase no transporte público não-poluente e no multimodalismo. Há que se incidir seriamente sobre a questão do consumismo, reduzindo a voracidade de nossa espécie por energia, neste atual estilo de vida. Há que se estabelecer mecanismos de regulação severos que assegurem maior durabilidade dos produtos, que impeçam a obsolescência programada e que garantam a logística reversa. Se isso implica em abrir mão de supérfluos, tipo o celular da moda, o SUV ou o capitalismo, que o façamos…

Alexandre Costa, Fortaleza, Ceará, Brazil, é Ph.D. em Ciências Atmosféricas, Professor Titular da Universidade Estadual do Ceará.

Artigo indicado pelo Autor e originalmente publicado em seu blogue pessoal [O que você faria se soubesse o que eu sei?] e republicado pelo EcoDebate, 18/12/2012

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2 thoughts on “‘Numeros’ do Clima: 1/5, artigo de Alexandre Costa

  • Bruno Versiani dos Anjos

    Como sempre “esqueceram” de falar um dos principais: E HÁ DE SE CONTROLAR A NATALIDADE …

  • Valdeci Pedro da Silva

    Só falta convencer os capitalistas de que o capitalismo é supérfluo.

Fechado para comentários.