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Artigo

Laços servis, artigo de Montserrat Martins

 

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[EcoDebate] “Poucos elementos novos se incorporarão a esse cimento original da sociedade brasileira, cuja trama ficará assim reduzida quase exclusivamente aos tênues e sumários laços que resultam do trabalho servil. (…) Os mais fortes laços que mantém a integridade social serão os mais primários e rudimentares vínculos, resultantes das relações de trabalho e produção: em particular, a subordinação do escravo e semi-escravo ao senhor”. A descrição de Caio Prado Jr. sobre o “cimento original” pátrio explica ainda que os dois modos de trabalho – o escravo e o livre – estavam integrados ao clã patriarcal, sendo o segundo um “setor desorganizado, de populações desenraizadas, flutuando em torno da sociedade colonial organizada.

Essa descrição poderia ter sido escrita em 2012 para explicar a perpetuação de clãs como os dos Sarney, Collor, Maluf, todos em plena atividade socioeconômica e política, mas foi extraída de um livro que completa 70 anos (“Formação do Brasil Contemporâneo”, 1942) e se refere ao período colonial que durou até cerca de 200 anos atrás (início dos anos 1800). A raiz desse fenômeno, como nos mostra Prado Jr., é portanto tão antiga quanto difícil de mudar. Para os ávidos de compreensão do país, que querem decifrar com o que estamos lidando, é bom conhecer obras como as dele, um dos primeiros a analisar as relações socioeconômicas entre nós, sem cair em chavões e fórmulas preestabelecidas: sua leitura é envolvente, rica em informações bem contextualizadas.

Sabemos que os eventos da independência (1822) e da república (1889) foram expressão de mudanças mais formais do que culturais, eis que forjados por algumas lideranças da época, mais que por movimentos sociais atuantes. No século XX, alguns períodos prometiam romper com essa cultura colonial, como a revolução de 1930 – que entre outras coisas questionava a falta do voto secreto e as fraudes eleitorais decorrentes– e os movimentos sindicais e sociais que se organizaram politicamente a partir da década de 1980.

Os ideais dos anos 80 e 90 envolveram bem mais que movimentos operários, envolveram uma geração inteira, o país todo, numa expectativa de mudanças não só socioeconômicas e políticas, mas também culturais. Os jovens da época (olha eu aí, gente! – fundo musical de escola de samba, pra expressar entusiasmo) tinham a convicção de que estávamos construindo uma nova civilização, com conquistas definitivas. Sabíamos que, no futuro, não ouviríamos falar mais de Sarney, Collor, Maluf, a não ser em livros de história. Pois é, passados 30 anos, não sabemos mais.

É comum confundirmos nossa vida pessoal com o mundo em que vivemos. Muitas pessoas dessa geração se revoltam, se sentem “traídas”, com as promessas de mudanças culturais dos anos 80 que não se cumpriram. Mais que trocarem de partidos, se digladiarem politicamente, muitos precisaram de terapia para rever seus conceitos pessoais – recorreram ao “Freud explica”. Eu, pessoalmente, me decepcionei foi com a minha capacidade de previsão do futuro, minha e da minha geração. Realidade chocante e direta como uma propaganda do Greenpeace na TV, anos atrás, com imagens mostrando os danos do consumismo ao planeta e a voz de um locutor: “Vocês diziam que iam mudar o mundo. Parabéns, vocês conseguiram”.

Pois bem, no meu caso não vejo solução no “Freud explica”. Estou agora na fase do “Caio Prado Jr. explica”.

Montserrat Martins, Colunista do Portal EcoDebate, é Psiquiatra.

EcoDebate, 22/10/2012

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3 thoughts on “Laços servis, artigo de Montserrat Martins

  • Marcos Paladini

    Monserrat Martins,

    Parabenizo e Agradeço, por sua brilhante análise e uma geração (como diz vc – olha eu aí gente).
    Me senti de alma lavada, não fui o único que se frustrou; no dia-a-dia, a naturalização de ações que foram combatidas por nós (naquela época), nos fazem refletir e lembrar de Belchior (Apesar de tudo que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais.).

    Abraço,

    Marcos Paladini

  • Também me incluo entre aqueles que se sentiram traídos pelos políticos e decepcionados com nossa incapacidade de prever o futuro. Se por um lado esta clarividência é para uns poucos iluminados, que não foram compreendidos no seu tempo, por outro deveríamos ter acordado há muito, quando houve claros sinais de que nossa infraestrutura e métodos educacionais não progrediriam significativamente. Somente com a modificação desse triste cenário a denunciada mentalidade colonialista poderá ser paulatinamente minada até que deixe de existir. Nisso cada um de nós pode contribuir, pois sempre há alguém desejoso de aprender algo que sabemos ao nosso lado.

  • Ola Monserrat!

    Parabéns pelo artigo simplesinho, porém de um conteúdo enorme para nossa geração (olha a gente ai gente). Faço minha as palavras do Marcos Paladini, só acho que Freud continua explicando, porém, inconscientemente, não conseguimos entender. As ilusões dos jovens de nossa geraçao eram fortes, aparentemente os jovens de hoje em dia são mais lúcidos e não embarcam em qualquer utopia, porém se tornam presas fáceis de ilusões que o consumismo e os quimicos provocam.

    Abraços

    Ira Marcia

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