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Artigo

O ‘Código Anti-Florestal’, artigo de Bergson Cardoso Guimarães e Mauro da Fonseca Ellovitch

 

Código Florestal
Imagem: Inesc

 

A Presidente Dilma Roussef, num gesto emblemático na campanha eleitoral de 2010, quando foi ao segundo turno, assumiu compromissos com o povo brasileiro, ao receber o apoio da bancada ambientalista do Congresso. Asseverou que, de forma alguma, haveria retrocessos na proteção socioambiental brasileira. Assumiu assim a respeitável Chefe do Executivo uma obrigação explícita com a tutela da biodiversidade e do patrimônio florestal do país. Já no seu discurso de posse, mesmo com brevíssimas menções à questão ecológica, a Presidente também anunciou para o mundo que considerava “uma missão sagrada do Brasil a de mostrar que é possível um país crescer aceleradamente, sem destruir o meio ambiente.” Ledo engano.

Infelizmente, aprovado o Novo Código Florestal Brasileiro, a chamada Lei 12.651/2012, vieram os vetos presidenciais que, com o propósito de melhorar o texto, fizeram instalar a confusão e aumentar a insegurança jurídica.

Sob o argumento principal de que eram tratados como bandidos pela antiga Lei Florestal, e pelas instituições incumbidas de aplicar a legislação, os produtores rurais e empresários do agronegócio, parcela social de capital e inegável importância socioeconômica do país, ficaram liberados de manter cobertura vegetal de 44 milhões de hectares de zonas como matas ripárias em rios, encostas, topos de morro e nascentes, que foram continuamente invadidas por pastagens ilegais em áreas de preservação permanente ao longo de décadas. Conseguiu-se criar uma falsa polarização entre ruralistas e ambientalistas, desenvolvimento e defesa do meio ambiente, exigências da lei ambiental e produção de alimentos, com intenções claramente mercantis que atendessem a interesses políticos e lobbys econômicos específicos. A verdade é que o Código Florestal antigo nunca fora efetivamente obedecido, precariamente aplicado: nem no campo, nem na cidade. No fim da década de 90, quando certas instituições começaram a se mobilizar por sua aplicação veio o alerta geral: mudemos a lei, ela já não é bastante boa!

É possível que o prejuízo à qualidade e quantidade de recursos hídricos, à nossa rica biodiversidade, ao patrimônio florestal, também indispensável às atividades de criação de gado e agricultura mesma, só possa ser avaliado muitos anos depois da implementação desse trágico diploma legal.

O novo código pode ser chamado de qualquer nome, menos florestal. Princípios e institutos básicos já insculpidos em leis mais antigas foram criteriosamente aniquilados ou desvalorizados, como a reserva legal florestal, as faixas de áreas de preservação permanente, o reconhecimento das florestas como patrimônio nacional (bem difuso). A nova lei traz uma mensagem clara de que “o crime compensa”, ao anistiar quem desmatou de forma ilegal durante os últimos 40 e poucos anos.

Ante a possibilidade de criar avanços concretos, como mais clara efetivação do Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), principalmente aos pequenos agricultores, bem como mecanismos outros dentro do princípio do provedor-recebedor, a Lei 12.651/12 se omitiu quanto aos prazos e condições para efetivação do Programa de Apoio e Incentivo à Preservação e Recuperação do Meio Ambiente (art. 41 e seguintes). Ou seja, a anistia a degradadores é auto-executável pela Lei 12.651/12, a efetivação do programa de incentivos econômicos à recuperação não.

O mais lamentável é que a maior parcela da sociedade civil (inclusive a comunidade jurídica) sequer tem idéia das graves conseqüências práticas da Lei 12.651/12. Conceitos como Área de Preservação Permanente (APP) e Reserva Legal são científicos e foram apenas incorporados pelo Direito. Grosso modo, a APP desempenha primordialmente as funções de preservação de locais e ecossistemas frágeis, enquanto a Reserva Legal foca-se na conservação de vegetação e fauna nativa, representativas do bioma em que estão localizadas. A Área de Preservação Permanente e a Reserva Legal integram um mosaico de proteção de serviços ecológicos como abrigo de fauna, polinização, manutenção da biodiversidade, estoque de carbono e regulação do clima. A Lei 12.651/12 simplesmente ignora estes conceitos. Qual será a biodiversidade, o abrigo de fauna e a proteção de uma margem de rio com uma APP de meros 05 metros do art. 61-A (nada mais do que uma fileira única de árvores em linha)? Qual a preservação de um bioma como o cerrado em uma reserva legal composta com vegetação exótica (como eucaliptos) na forma do art. 66?

Uma vez que a Constituição Federal estabelece o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental (art. 225 c.c. art. 5°, caput, e §2°), ele integra o núcleo de conquistas sociais que não estão sujeitas a retrocesso, sob pena de violar um patrimônio conquistado pela humanidade ao longo de um difícil caminhar histórico. Questões como o combate à escravidão, o repúdio à discriminação e a proteção à condição digna de trabalho são outros exemplos das conquistas sociais que não podem ter sua eficácia reduzida pelo simples interesse do legislador ordinário. Esse é o princípio constitucional implícito da “Proibição do Retrocesso dos Direitos Socioambientais”.

Caso ignoremos o Princípio da Proibição do Retrocesso, estaremos efetivamente tolerando o fim da proteção ambiental no Brasil. Afinal, se deputados e senadores da bancada ruralista puderem anistiar e consolidar danos ambientais ocorridos até 22 de junho de 2008, como se propõe, nada impede que advenha nova lei prorrogando a “consolidação” até 2018, depois até 2028 e assim sucessivamente, até não restar nada do Direito Constitucional ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado para as futuras gerações.

O filósofo francês Luc Ferry, tem insistido que todas as grandes filosofias tentaram fazer com que os homens vencessem seus medos e hoje, segundo ele, parte da ecologia estaria se baseando na proliferação do medo.

Na análise fria dessa importante questão à sociedade brasileira, não se trata de espalhar temores e receios infundados. É necessário vislumbrar outras perspectivas mais lúcidas, como a do pensador Hans Jonas, que propõe a necessidade de instalação de uma Ética da Responsabilidade. Ao formular nosso imperativo de responsabilidade, principalmente com as futuras gerações, todos nós precisamos ir além do perigo da pura e simples destruição física da humanidade. Impõe-se repensarmos a possibilidade da morte essencial da humanidade mesma, aquela que advém da contínua destruição com a instalação de um incerto caminho tecnológico optado pelo homem perante seu meio ambiente natural e cultural.

BERGSON CARDOSO GUIMARÃES
Promotor de Justiça – Coordenador Regional das Promotorias de Justiça do Meio Ambiente da Bacia do Rio Grande (Sul de Minas) – Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP.

MAURO DA FONSECA ELLOVITCH
Promotor de Justiça – Coordenador Regional das Promotorias de Justiça do Meio Ambiente da Bacia do Alto São Francisco (Centro Oeste de Minas).

Artigo enviado pelos Autores e originalmente publicado no jornal O Estado de Minas.

EcoDebate, 09/10/2012

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6 thoughts on “O ‘Código Anti-Florestal’, artigo de Bergson Cardoso Guimarães e Mauro da Fonseca Ellovitch

  • José Américo de Mello Filho

    Código anti-florestal

  • Boa análise sobre o Código Florestal aprovado. Resta saber como reverter esse descalabro perante os princípios de um Estado Democrático de Direito.

  • Agnaldo Scarassati

    Parabéns pela análise. Acredito que temos que reforçar neste momento as propostas de pagamento pelos serviços ambientais pois a nova legislação anti-florestal, que está em análise pela Presidência, reflete apenas o pensamento e o jogo de interesses de grupos que pretendem ter mais terras para negociar.

  • Osvaldo Ferreira Valente

    Não comungo do catastrofismo exposto no artigo, nem nos comentários. O problema futuro não está no novo código, mas nas dificuldades de implantação das ideias implícitas no mesmo. Vamos precisar de especialistas para lidar com as especificidades do território brasileiro. Aí, sim, o código pecou ao colocar tudo no mesmo saco. Já estou cansado de chamar a atenção para o fato de o assunto não ser prioridade de leis, mas de tecnologias ambientais. A punição como arma ambiental tem fracassado sempre e o meio ambiente não vem ganhando nada. O radicalismo também prejudica muito.
    Adequação ambiental não pode ficar restrita à aplicação das leis, mas à necessidade de planejamento de uso adequado dos recursos naturais das propriedades rurais.

  • Italino Borssatto

    Concordo com o Osvaldo Ferreira Valente.
    A meu ver, o maior impasse e dificuldade em produzir um documento prático e útil à Sociedade foi o radicalismo aliado ao desconhecimento por parte dos “ambientalistas” do termo “consolidado”. Consolidado, no ambiente, na atividade rural significa algo cuja modificação trará danos ambientais, qualquer atividade trará erosão ou outro dano qualquer. Ambiente consolidado é estável e é mais inteligente mantê-lo como está, sem a menor intervenção, mesmo que seja com a intenção de torná-lo a mais vigorosa floresta.
    A quem interessa aprender, faça a pesquisa no Globo Rural -(água nova york globo rural) e terá belo exemplo, sem radicaliosmo.

  • Mauro Ellovitch

    Prezados Osvaldo e Italino,

    Com todo o respeito, o argumento de vocês carece de efetividade prática.
    O nosso artigo não sustenta uma posição radical, nem achamos que todos as questões envolvendo sustentabilidade podem ser resolvidas por lei. Indubitavelmente, os grandes problemas são a falta de políticas públicas p/ incentivos e fiscalização, associada à necessidade de maior emprego de tecnologias adequadas. Contudo, isso não pode ficar ao alvedrio de produtores de boa vontade.
    Para a defesa eficiente da sociedade, obrigações de recuperação e preservação (para particulares e para o poder público) devem ser definidas em Lei para serem exigíveis.
    Quanto à definição dada pelo Italino para o termo “consolidado”, não foi essa a utilizada pela Lei 12.651 (Novo Código Florestal). Para o novo código, consolidada é “área de imóvel rural com ocupação antrópica preexistente a 22 de julho de 2008, com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris, admitida, neste último caso, a adoção do regime de pousio” (art. 3°, IV). O conceito que você traz é muito mais adequado e não arbitrário. Se tal conceito tivesse sido adotado pelo legislador, certamente o impacto ambiental e as resistências teriam sido menores.

    Agradeço a todos pela leitura do texto e pelas considerações que expuseram, enriquecendo o debate de questão tão relevante.

Fechado para comentários.