EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Artigo

A demografia do decrescimento, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

 

pirâmides populacionais

 

[EcoDebate] Durante 200 mil anos, desde o surgimento do homo sapiens, houve crescimento do número de habitantes do mundo. Pode ter havido recuos em alguns lugares e até civilizações locais podem ter desaparecido, mas nas contas globais, o crescimento foi contínuo e passou a ser exponencial nos últimos 250 anos. Por conta disto, a demografia é uma ciência que se acostumou com o crescimento.

A pirâmide populacional (formato egípicio) tinha cada grupo etário quinquenal inferior maior do que o imediatamente superior. A estrutura etária jovem fazia com que as políticas públicas se preocupassem somente com a expansão das suas metas. Vale dizer: maior número de maternidades e pediatrias, mais escolas, mais moradias, mais empregos, mais estradas, mais consumo, etc.

Porém, depois de 200 anos de crescimento econômico e populacional exponencial, o mundo já ultrapassou as fronteiras planetárias e os limites da biocapacidade. A pegada ecológica já é maior do que a capacidade regenerativa da Terra. A humanidade já chegou a um ponto que só se mantém devido aos recursos fósseis ou a riqueza acumulada nos oceanos, terras, florestas, etc. Mas na taxa atual de uso, estas riquezas estão sendo sobrexploradas e degradadas. Desta forma, a possíbilidade de um colapso ambiental global é cada vez mais real.

Os economistas clássicos sabiam que era impossível manter indefinidamente o crescimento econômico e populacional. Por isto falavam em Estado Estacionário. Mas tudo indica que as fronteiras planetárias vão ser superadas e depois de um pico populacional e econômico deve haver um decrescimento.

Se a população se estabilizar e depois iniciar uma fase de declínio, então os estudos populacionais deixarão de ser uma disciplina orientada para a análise das situações de crescimento e surgirá uma demografia do decrescimento. Pode ser, de maneira forçada, o começo de um mundo com menos consumo e menos lixo.

Ao invés de planejar cada vez mais maternidades, escolas e empregos haverá o planejamento de menos nascimentos, menos estudantes e menos trabalhadores entrando na força de trabalho. O déficit habitacional dará lugar à ociosidade dos domicílios, com reaproveitamento de prédios e novas formas de uso das moradias.

Mas uma das tarefas mais difíceis será lidar com o sistema de repartição simples da previdência social, pois este sistema pressupõe que haja um fluxo crescente de pessoas em idade de trabalhar para sustentar o fluxo crescente de pessoas idosas e em condições de inatividade econômica. Para manter o mesmo padrão de vida, o grupo de idoso precisa ser sustentado pelo grupo de adultos produtivos. Se estes últimos diminuirem, a única forma de manter o padrão de vida dos idosos é um grande aumento da produtividade do trabalho.

Todavia, a produtividade, em geral, depende da expansão da economia. Produzir mais com menos fica cada vez mais comprometido quando há uma população em declínio e uma carga maior de dependência provocada pelo envelhecimento populacional.

Portanto, a demografia do decrescimento vai ter um grande desafio prático e teórico pela frente. Mas é bom começar a pensar nisto, pois o envelhecimento populacional só será inevitável se alguém descobrir o “elixir da longa vida” (isto é, conseguir manter um crescimento infinito). Quanto mais rápido for o envelhecimento – decorrente de uma maior queda das taxas de fecundidade – maior vai ser o decrescimento futuro da população.

A demografia do decrescimento será o estudo da pirâmide populacional invertida. Isto vai dar o que pensar, assim com será preciso pensar novos objetivos para as políticas públicas, que não seja só crescimento. O mundo, provavelmente, em breve vai virar de cabeça para baixo.

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

EcoDebate, 21/08/2012

[ O conteúdo do EcoDebate é “Copyleft”, podendo ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, ao Ecodebate e, se for o caso, à fonte primária da informação ]

Inclusão na lista de distribuição do Boletim Diário do Portal EcoDebate
Caso queira ser incluído(a) na lista de distribuição de nosso boletim diário, basta clicar no LINK e preencher o formulário de inscrição. O seu e-mail será incluído e você receberá uma mensagem solicitando que confirme a inscrição.

O EcoDebate não pratica SPAM e a exigência de confirmação do e-mail de origem visa evitar que seu e-mail seja incluído indevidamente por terceiros.

Remoção da lista de distribuição do Boletim Diário do Portal EcoDebate
Para cancelar a sua inscrição neste grupo, envie um e-mail para ecodebate@ecodebate.com.br. O seu e-mail será removido e você receberá uma mensagem confirmando a remoção. Observe que a remoção é automática mas não é instantânea.

Alexa

2 thoughts on “A demografia do decrescimento, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

  • Bruno Versiani dos Anjos

    Algumas pessoas se espantam com essa transição demográfica. Pois, penso, que além de toda panacéia do discurso vazio do “desenvolvimento sustentável” e da “redução dos índices de consumo” (algo que está na contramão dos acontecimentos, haja visto os chamados países do BRIC) a única ou principal solução ecologicamente viável é um decréscimo na população a níveis viáveis para o planeta. O controle populacional urgente deveria estar entre as principais políticas públicas. Em breve viveremos insegurança e mesmo colapso alimentar global (vide secas nos USA e Rússia).

  • Parabéns ao Dr. José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, pela análise das perspetivas demográficas e pela clareza da explanação

Fechado para comentários.