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Spielberg da aldeia, artigo de Montserrat Martins

 

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[EcoDebate] Você vai receber aulas de cinema em casa no horário político, mesmo que não lhe avisem isso. Porque voto é um comportamento, quer dizer, é guiado mais por emoção que razão, mais por simpatias e antipatias que por lógicas irrefutáveis. O que você perdoa num amigo lhe irrita em quem você não gosta – e é justamente sobre como induzir emoções que tratam as técnicas de cinema. Mas que artifícios são esses, afinal?

Surpresa é um modo de manter o espectador ligado, tudo que é previsível cansa. Quem só critica se torna enfadonho com o passar do tempo, gerando a reação de “será que tem razão sempre, que ninguém mais faz nada certo, só essa pessoa ?”. Quem só elogiasse também seria chato, mas essa é uma hipótese abstrata porque elogios são mais raros e mesmo os auto-elogios tem de ser ponderados, para não ficarem ridículos. Na TV, os candidatos necessitam ter habilidade para identificar qualidades e problemas nas políticas públicas e ainda conseguir explicar isso de modo simples ao público.

“Simples assim” foi o título que pensei em dar a este texto, analisando um debate que assisti dos candidatos a prefeito de Porto Alegre. Porque a grande surpresa na ocasião (conferi os comentários, não foi impressão só minha) foi o representante de um partido pequeno e tido como o mais radical de esquerda, candidato este que se mostrou sereno diante dos demais, sem críticas à pessoa deles e sim às ideias ali postas. Ouvi também críticas de que esse candidato teria sido “demagogo” com frases do tipo “saúde não é só questão de gestão, é questão de prioridades, porque o rico cura câncer enquanto o pobre morre de gripe”. Demagogia porque, se é uma verdade evidente? E verdades simples assim, ditas de modo sereno e firme, fazem bem ouvir, nos dão a sensação de que alguém nos entende e está lá falando por nós.

Simpatia é fator subjetivo, sim, porque depende das ideias das pessoas, dos valores com os quais nos identificamos. Mas é muito mais cativante ouvir coisas ditas de modo sereno, embora com mais ênfase naquilo que nos revolta. Falando em linguagem popular, “gritos histéricos” não costumam convencer espectadores, até a indignação tem de ter ares de equilíbrio emocional. Outro detalhe neste quesito é o sorriso que os candidatos são orientados a dar, para “agradar” e ter boa imagem na “telinha”. O problema é que isso também pode gerar a sensação de falsidade, muitas vezes, pois o público tem a percepção de que sorrisos podem ser forçados.

Uma questão chave nos roteiros de cinema é o papel do protagonista, sua luta, seus ideais. Jorge Furtado resumiu que filme é a história de “alguém que algo, mas que é difícil de conseguir”. Os junguianos estudam o “mito do herói” que se incorporou aos roteiros dramáticos, sobre os obstáculos que tem de ser ultrapassados pelo personagem. Em política, a imagem de cada um é trabalhada de modo a que seja candidato(a), antes de tudo, a ser visto como herói(heroína) e seus adversários como os antagonistas.

Por fim, é preciso transmitir credibilidade. Aí o grande desafio, hoje, que torna mais fácil associar o papel de protagonista a qualquer participante de um BBB do que ao de um partido político. Para que as outras técnicas funcionem, é preciso que as pessoas acreditem em algo e, no cenário atual, se apela mais para outros atributos pessoais (se aparenta ser uma pessoa séria, ou se tem simpatia, ou porque é mulher, ou jovem, ou capaz, experiente, determinado) do que o da confiança. Com o descrédito na classe política, as equipes de TV vão ter muito trabalho, esse ano, para construir imagens. E nós vamos descobrir ao final não só quem vai vencer, mas também que é o Spielberg da aldeia.

Montserrat Martins, Colunista do Portal EcoDebate, é Psiquiatra.

EcoDebate, 13/08/2012

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