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‘agricultura de campos elevados’: Método agrícola usado no passado pode salvar o futuro da Amazônia

 

Estudo de uma equipe internacional de arqueólogos e paleoecólogos revelou queimadas frequentes começaram após a chegada dos colonizadores europeus.

Os povos antigos da Amazônia usavam métodos de agricultura sustentável que podem servir de exemplo para a atual ocupação e até recuperação de áreas degradadas da região. Estudo de uma equipe internacional de arqueólogos e paleoecólogos revelou que as savanas amazônicas só começaram a ser alvo de queimadas frequentes após a chegada dos colonizadores europeus.

A análise de pólen, carvão e outros restos de plantas (fitolitos) datados de mais de 2 mil anos em uma área de savana na Guiana Francesa mostrou que os habitantes originais do local praticavam a chamada “agricultura de campos elevados”, que envolve a construção de pequenos montes de terra com ferramentas de madeira. Esses campos elevados permitiam melhor drenagem, aeração do solo e retenção de umidade, condições ideais para um ambiente que experimenta tanto secas quanto inundações. O plantio em elevações também se beneficiava de maior fertilidade com o material orgânico trazido pelas inundações e depositado nelas.

“Essa antiga e já testada forma de uso da terra poderia guiar a implantação de modernos campos de agricultura elevada nas áreas rurais das savanas da Amazônia” – defende José Iriarte, professor da Universidade de Exeter, no Reino Unido, e principal autor de artigo sobre o estudo, publicado no jornal “Proceedings of the National Academy of Sciences”. “A agricultura intensiva de campos elevados pode servir de alternativa para as queimadas, recuperar sistemas de savana abandonados e outros ecossistemas do tipo criados pelo próprio desmatamento. Ela tem a capacidade de diminuir as emissões de carbono ao mesmo tempo que dá segurança alimentar para algumas das mais pobres e vulneráveis populações rurais da região”.

O colapso populacional levou ao abandono dos campos. José Iriarte lembra que há tempos os estudiosos presumiam que os povos pré-colombianos da Amazônia usavam o fogo para limpar terrenos para a agricultura e gerenciar o uso da terra. Embora admita que isso tem se demonstrado verdade nas áreas de floresta, o mesmo não acontecia nos ambientes de savana. Nestes, as queimadas eram limitadas ou mesmo inexistentes.

A chegada dos europeus, no entanto, mudou radicalmente o cenário tanto na floresta quanto nas savanas, diz Iriarte. Os colonizadores e as doenças trazidas por eles dizimaram até 95% das populações indígenas da Amazônia. Nas regiões de floresta, os registros paleoecológicos mostram que isso teria levado ao abandono da pouca agricultura que era praticada, com o consequente fim das queimadas, só retomadas de forma intensa nos últimos cem a 50 anos. Já nas savanas amazônicas as práticas sustentáveis, embora mais trabalhosas, não sobreviveram ao colapso demográfico das populações tradicionais e não foram incorporadas pelos novos habitantes, que viam no fogo a melhor maneira para preparar rapidamente os terrenos para o cultivo e pastos.

“As análises indicam uma história diferente da agricultura nesses dois ecossistemas”, conta Iriarte. “Na Floresta Amazônica, após as populações indígenas serem dizimadas, a agricultura parou e podemos ver pelas amostras de carvão no solo que as grandes queimadas também. Elas só foram retomadas nos últimos 50 a cem anos com a chegada da agricultura industrial e da pecuária, com os registros mostrando um forte aumento do uso do fogo. Mas vemos um caso oposto nas savanas amazônicas. Após Colombo, a reorganização populacional e a nova ocupação da terra levaram ao fim do plantio em campos elevados”.

Segundo Iriarte, os povos amazônicos pré-colombianos, notadamente os das áreas de savana, faziam um uso da agricultura bem maior do que se imaginava anteriormente. Vestígios de campos elevados como os estudados por ele na Guiana Francesa foram encontrados na Amazônia boliviana, no Equador, Colômbia, Venezuela e em todo cinturão costeiro das guianas. “Só na Bolívia há mais de um milhão de hectares destes campos elevados datados em mais de mil anos”, diz. “Com o uso limitado do fogo, estes campos permitiam alimentar grandes sociedades organizadas com um mínimo de impacto sobre o ambiente”.

De acordo com o professor da Universidade de Exeter, a combinação das pesquisas arqueológicas e paleoecológicas, como a feita no estudo liderado por ele, estão ajudando a revelar detalhes antes desconhecidos sobre a ocupação da Amazônia pré-colombiana. “Isso é muito bom, pois podemos reconstruir o meio ambiente e como era a interação dos humanos com ele”, afirma. “As descobertas estão contribuindo enormemente para o debate sobre a natureza e escala dos usos da terra em um vasto período histórico do qual muito pouco se sabia”.

Mais do que revelar a História da Amazônia antes de Colombo, as descobertas em torno dos campos agrícolas elevados das savanas amazônicas devem servir para orientar o futuro da ocupação da região, acredita o pesquisador. “Esses campos podem servir de modelo para a recuperação de terras “savanizadas” pela degradação provocada pelo atual modelo de ocupação da região, especialmente as que sofrem com inundações sazonais”, afirma Iriarte. “Experimentos com campos elevados modernos obtiveram uma produtividade de até seis toneladas de milho por hectare e 21 toneladas de mandioca por hectare, níveis de um sistema de agricultura intensiva. Isso faz sentido porque, como esses campos exigem muito trabalho, vai-se querer de retorno uma colheita muito produtiva e nutritiva”.

Iriarte ressalta, no entanto, que ainda são necessários mais estudos para definir quais seriam os melhores cultivos para recuperar áreas savanizadas da floresta. “Esse sistema de campos elevados funcionou por muito tempo e não há razão para que não funcione de novo”, considera. “Mas, ainda assim, precisamos de mais pesquisas para que ele possa ser aplicado em grandes áreas na Amazônia de hoje. Precisamos saber que impacto o uso em larga escala de campos elevados terá na sua sustentabilidade e que tipos de cultivo seriam mais interessantes neste sentido”.

Queimadas – O uso do fogo para o manejo da terra é uma constante na Amazônia e a busca por alternativas às queimadas, como a agricultura em campos elevados dos antigos povos da região, deve estar no foco de um novo modelo de ocupação se o Brasil quiser mesmo que a redução da taxa de desmatamento seja acompanhada por uma queda nas emissões de carbono, alerta o geógrafo brasileiro Luiz Aragão, também professor da Universidade de Exeter, no Reino Unido. Pesquisa realizada por Aragão com base em dados de satélites e publicada na revista “Science” em 2010 verificou que, mesmo após a remoção da floresta, o fogo continua sendo utilizado como principal forma de gerenciamento e manutenção das áreas de pasto e cultivo, o que praticamente anula a eficácia de mecanismos como o Redd (sigla em inglês para “redução das emissões por desmatamento e degradação”), que prevê compensações para os países que diminuírem o desmatamento e em discussão no âmbito das negociações climáticas da Organização das Nações Unidas (ONU).

“Observamos que as áreas que tinham uma redução do desmatamento, na verdade, não apresentavam também uma redução no uso do fogo ao longo do tempo. Em alguns casos, vimos até um crescimento na incidência de queimadas”, conta. “Se confirmarem as previsões de que a Amazônia vai ficar mais seca (na última década, a região enfrentou duas das piores estiagens já registradas, em 2005 e 2010), vai aumentar o risco deste fogo sair do controle e invadir as áreas de borda da floresta”.

Aragão lembra que grandes incêndios não são um processo natural em florestas úmidas como as da Amazônia e praticamente todos têm a ação humana como fonte de ignição. “Por serem muito úmidas, essas florestas não são naturalmente vulneráveis ao fogo. Os raios, por exemplo, ocorrem mais em épocas de chuva, justamente quando a floresta está mais úmida e não propicia a propagação natural do fogo”, explica. “O fogo só foi introduzido na Amazônia pelo homem”.

Uma das maiores preocupações de Aragão está no fato de que, embora a taxa de desmatamento esteja caindo fortemente na Amazônia brasileira, a área absoluta desmatada continua a aumentar. Com isso, a extensão da “fronteira” entre os campos e a floresta nativa também cresce, expondo cada vez mais a região a incêndios descontrolados.

“Essas áreas de borda perdem sua proteção natural contra o fogo”, diz. “As aberturas na copa de árvores permitem uma maior incidência de radiação solar, o que eleva a temperatura perto do solo e seca aquele material orgânico acumulado no solo, deixando-as mais vulneráveis e aumentando a probabilidade de o fogo escapar para dentro da floresta”.

Outro problema revelado na pesquisa de Aragão é que a prática de queimadas é mais intensa e comum nas áreas utilizadas para a agricultura de subsistência quando comparadas com as de plantio industrial ou para a pecuária. Por outro lado, destaca o geógrafo, isso também pode ser uma oportunidade para a implantação de um sistema de manejo da terra que não use o fogo. “Na agricultura de subsistência na Amazônia, o uso do fogo é muito alto e contínuo ao longo do tempo. Isso reforça a necessidade de dar alternativas às queimadas a essas populações”.

Entre as opções está o Sistema Bragantino, que recebeu o nome por ter sido concebido na microrregião de Bragantina, no Nordeste do Pará. Ele consiste no cultivo contínuo de diversas culturas, em rotação e consórcio, por meio do plantio direto, o que mantém a área ocupada produtivamente e protegida durante todo o ano. Outra alternativa em estudo pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) é o chamado Sistema Tipitamba, que substitui a prática do “corte-e-queima” pelo “corte-e-trituração” e incorpora antigas capoeiras ao processo produtivo. Ele usa um trator adaptado para cortar toda a vegetação a cerca de cinco centímetros do solo, triturando-a e usando como cobertura morta para proteção e adubação. Além de dispensar as queimadas, o sistema evita a perda de nutrientes acumulados na capoeira e protege o solo dos efeitos da erosão.

Reportagem em O Globo, socializada pelo Jornal da Ciência / SBPC, JC e-mail 4478.

EcoDebate, 19/04/2012

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