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SP: As calçadas do Sr. Prefeito e as enchentes, artigo de Álvaro Rodrigues dos Santos

 

[EcoDebate] Em 9 de janeiro último o prefeito Gilberto Kassab sancionou a Lei 15.442/2011, pela qual há um aumento das multas a serem aplicadas a proprietários ou locatários de imóveis cuja calçada frontal esteja esburacada ou deteriorada.

À primeira vista uma medida pertinente e politicamente simpática. Mas que, lida sob uma ótica um pouco menos simplista, revela o quanto o atual Prefeito está distante de conhecer a lógica das enchentes urbanas, que a cada ano assolam mais gravemente sua cidade, e o quão longe de um mínimo entendimento gerencial comum encontram-se as diferentes instâncias operacionais da Prefeitura Municipal.

Não há hoje a mínima dúvida sobre quais sejam as principais causas de nossas enchentes urbanas: a impermeabilização generalizada da cidade, o excesso de canalização de cursos d’água e a redução da capacidade de vazão de nossas drenagens pelo volumoso assoreamento de que são vítimas. Enfim, é muita água chegando em tempo muito curto ao sistema de drenagem. Por óbvio, a capacidade de vazão desse sistema não suporta tal sobrecarga hídrica e aí reside a origem elementar de nossas enchentes.

Diante desse inquestionável diagnóstico não há que haver dúvidas sobre a premente e escancarada necessidade de se concentrar todos os esforços em reverter a impermeabilização das cidades, fazendo com que a região urbanizada recupere ao menos boa parte de sua capacidade original de reter as águas de chuva, seja por infiltração, seja por acumulação.

Pois bem, tendo esse fato em conta, faz algum sentido nossas calçadas serem em sua quase totalidade totalmente impermeáveis? A cidade de São Paulo tem hoje cerca de 17 mil quilômetros de ruas. Obviamente, há nesse conjunto ruas e calçadas de todos os tipos, mas vamos considerar modestamente que em ao menos metade dessa extensão total haja condição de se implantar, sem prejuízo aos transeuntes, faixas ajardinadas permeáveis nessas calçadas (dois lados da via). Teríamos então algo como um incremento de cerca de 17.000.000 m2 de áreas urbanas francamente apropriadas para absorver e reter águas de chuva. Medida isoladamente suficiente para evitar enchentes? Claro que não, mas que, se considerada como parte de um enorme conjunto de outras medidas não estruturais de mesma natureza, seguramente começaria a mudar a história desses graves fenômenos urbanos, agindo ainda como uma importante sinalização para a substituição da atual e trágica cultura técnica da impermeabilização pela cultura técnica de retenção de águas de chuva.

Que bela oportunidade o prefeito está perdendo com sua legislação simplória. Poderia, ao contrário, ao invés de estar pensando em multas, estar criando algum tipo de estímulo a proprietários ou locatários que, além de recuperar, ajardinassem suas calçadas. Com o que São Paulo muito lhe agradeceria.

Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br)
* Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT e Ex-Diretor da Divisão de Geologia
* Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos” e “Cubatão”
* Consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente
Membro do Conselho de Desenvolvimento das Cidades da Fecomércio
* Articulista do Portal Ecodebate

EcoDebate, 07/03/2012

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One thought on “SP: As calçadas do Sr. Prefeito e as enchentes, artigo de Álvaro Rodrigues dos Santos

  • E mais: o passeio público, como o nome já diz, é um espaço público. Não é privado, não faz parte do lote.
    Por que atribuir sua pavimentação e manutenção ao dono do lote?
    São as Leis da conveniência?
    Imaginemos o proprietário de uma extensa gleba, digamos, de 5km. Se o governo municipal desapropriar uma faixa dessa gleba para construir uma via, o proprietário terá que construir 10 km de passeios, cinco de cada lado.
    O passeio público é tão público quanto o leito das vias e as praças, e por que o tratamento diferenciado?

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