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Artigo

A relação entre a circuncisão e a propagação do HIV, artigo de Julie Bouscaillou e Pascale Lissouba

 

[Le Monde] Patrick Pognant, em seu artigo “É preciso salvar os prepúcios!”, publicada no dia 14 de janeiro de 2012 no site do “Le Monde”, através de uma argumentação enganosa incita o leitor a “se revoltar contra a preconização da circuncisão no combate à transmissão do HIV”. Acima de tudo, ao considerar que as posições do relatório de 2011 da Unaids e os estudos nos quais ela se baseia pertencem ao “domínio da crença”, ele questiona o princípio e a própria integridade do pensamento científico sobre o qual devem se basear todas as recomendações de saúde pública.

Desde o surgimento da epidemia, a hipótese de uma relação entre ausência de circuncisão e propagação do HIV – o vírus da Aids – foi corroborada por mais de cinquenta estudos observacionais. Suas constatações levam todas à mesma conclusão: nos países do Sul e do Leste da África, onde os homens não são circuncidados, a porcentagem de pessoas infectadas, da ordem de 15%, é pelo menos três vezes maior que em outros países da África onde a circuncisão é a norma.

Do ponto de vista fisiológico, esse fenômeno encontra sua explicação na estrutura particular da superfície interna do prepúcio. Como é um grande reservatório de células-alvo do vírus e fica exposta durante o ato sexual, ela aumenta a suscetibilidade dos homens não circuncidados ao facilitar a entrada do HIV em seus organismos.

Entre 2005 e 2007, três estudos experimentais, incluindo um francês, avaliaram o efeito da circuncisão masculina realizada por médicos em diversas comunidades subsaarianas. Seus resultados, espantosamente convergentes, estabeleceram que os homens circuncidados tinham um risco aproximadamente 60% menor de serem infectados pelo HIV. Esses estudos, de metodologia considerada “padrão-ouro” para a avaliação de um tratamento ou de uma intervenção, foram realizados respeitando estritamente normas que regem a pesquisa científica e publicados nas revistas médicas mais prestigiosas.

Em 2007, foi com base nesses resultados e após uma consulta internacional de especialistas reunindo governos, sociedade civil, pesquisadores, defensores de direitos humanos, ativistas e investidores, que foram feitas as recomendações da OMS e da Unaids para a difusão da circuncisão masculina nas comunidades onde a epidemia é forte e o índice de circuncisão é baixo. Como todo método de prevenção responsável, essas recomendações vêm acompanhadas de instruções precisas para guiar as atividades de comunicação e de promoção da saúde sexual, e fazem parte de um arsenal de combate ao HIV, que também engloba a promoção dos testes de detecção, do uso do preservativo e da redução do número de parceiros sexuais.

Além disso, fazemos questão de tranquilizar Pognant, que se preocupa com “a qualidade das intervenções cirúrgicas na escala pretendida pela Unaids e pela OMS nas populações africanas”. A intervenção cirúrgica evidentemente foi desenvolvida segundo normas de qualidade internacional e adaptada a meios com recursos limitados. Sua instauração em grande escala mostrou sua viabilidade, sua aceitabilidade e um índice muito baixo de reações adversas. Seu custo de 40 euros foi calculado com base no preço de um kit descartável, cerca de 15 euros, e no custo da mão de obra local.

Assim, a estimativa que chega a 800 milhões de euros a serem investidos durante cinco anos para obter um real impacto sobre a epidemia é mais do que aceitável no domínio da promoção da saúde na África. De fato, cinco circuncisões permitem evitar uma infecção e, portanto, um tratamento para o resto da vida através de antirretrovirais, cujo custa gira em torno de 90 euros ao ano – ou seja, quase metade daquilo que custa para evitar uma infecção. As economias associadas aos tratamentos evitados deverão ser consideráveis e chegar a mais de 1,5 bilhão de euros em vinte anos. O benefício dessa intervenção deve ser apreciado sobretudo em termos de vidas humanas: ao mesmo tempo, a popularização da circuncisão deverá prevenir quase 6 milhões de infecções e mais de 3 milhões de mortes prematuras entre homens, mulheres e crianças.

Coordenado por uma equipe francesa, o projeto ANRS 12126 oferece desde 2008 à comunidade de Orange Farm, uma township da África do Sul onde mais de um em cada seis adultos é portador do vírus da Aids, um programa de circuncisão voluntária gratuita. Até o momento, mais de 25 mil homens receberam uma circuncisão através do projeto e mais de 90% se declaram satisfeitos. Essa campanha, extremamente bem aceita, se revelou particularmente eficaz uma vez que o risco de infecção entre os homens circuncidados da comunidade é hoje 76% menor, e isso sem uma modificação evidente do comportamento sexual nem do uso do preservativo. É claro, há estudos em andamento com fins de avaliar de maneira rigorosa o efeito a longo prazo das campanhas de circuncisão, sobretudo sobre a epidemia entre as mulheres, o comportamento sexual e o prazer sexual.

Como declararam recentemente Hillary Clinton e Michel Sidibé, o diretor da Unaids, a circuncisão masculina feita por médicos é até o momento o método de prevenção mais eficaz e “rentável” para reduzir a propagação do HIV na África. Apoiar sua difusão no Sul e no Leste da África, que concentra mais de 50% dos novos casos mundiais e das mortes associadas à infecção pelo HIV, não é extremismo e nem está associado a uma ideologia, e muito menos é um furor cirúrgico. É uma ação pragmática de combate à epidemia com o objetivo de salvar vidas.

Tradutor: Lana Lim

Artigo [Sauvons des vies avant de sauver les prépuces !] originalmente publicado no Le Monde, republicado pelo UOL Notícias.

EcoDebate, 23/02/2012

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