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‘Temos que rever o que consideramos progresso’, entrevista com o economista André Lara Resende

 

Enquanto a evolução da crise mundial polariza o debate em torno de uma solução – entre os que defendem que os governos aumentem seus gastos para estimular o crescimento e os que sustentam que somente a adoção de planos de austeridade será capaz de acalmar os mercados -, o economista André Lara Resende analisa a questão sobre um novo ângulo. Um dos pais do Plano Real, ele diz que existe uma nova restrição: o fato de que atingimos os limites do planeta e, por isso, não podemos mais contar com a expansão da economia como um antídoto contra a crise.

– A capacidade de continuar a crescer nos padrões a que estamos acostumados esbarra nos limites físicos do planeta – afirma André Lara, hoje sócio da Lanx Capital, uma das maiores gestoras de recursos do país.

Recentemente, o economista jogou luz sobre o assunto ao escrever um artigo [Crise Financeira e Ambiental: Os novos limites do possível] no jornal “Valor Econômico”, em que recomendava o livro de Paul Gilding, “A Grande Ruptura“, que também aborda o problema.

Segundo André Lara, será preciso rever o que consideramos progresso, mas a sociedade não parece caminhar neste sentido:

– Infelizmente, a recusa de ver e agir em relação aos limites ecológicos vai nos levar a uma transição muito mais desordenada e onerosa do que se nos tivéssemos sidos capazes de nos programar para ela – diz.

A entrevista foi publicada pelo jornal O Globo, 05-02-2012.

Eis a entrevista.

O senhor diz que o remédio keynesiano (economista John Maynard Keynes, que defendia a retomada do crescimento, através de gastos públicos e estímulos ao consumo) para superar a crise e o elevado endividamento público não pode mais ser aplicado hoje e diz que a insistência nesse modelo “pode ser uma ortodoxia anacrônica”. Mas como sair da crise, já que só crescendo resolveríamos o problema econômico?

O crescimento reduz o tamanho relativo das dívidas, tanto privadas como públicas. É a forma menos onerosa e mais eficaz de resolver o problema da indigestão do endividamento excessivo, que ocorre após as grandes crises. Nos anos 30 do século passado, Keynes, com seu talento, sua capacidade de pensar de forma independente e imaginativa, mostrou como é possível usar os gastos públicos para reanimar uma economia estagnada. A situação dos anos 30 era diferente da atual em dois aspectos. Primeiro, porque a depressão levou a uma quebra generalizada, que eliminou o excesso de endividamento. O gasto público funciona como motor de arranque numa economia devastada, mas onde não há mais excesso de endividamento. Não é o caso hoje, porque a ação preventiva dos governos e dos bancos centrais evitou o colapso depressivo, mas em contrapartida, transferiu dívidas do setor privado para o setor público, que já está excessivamente endividado. Segundo – e esta é a restrição nova – porque a capacidade de continuar a crescer nos padrões a que estamos acostumados, por meio do aumento da produção e do consumo de bens materiais, para uma população mundial 40 vezes superior ao que sempre foi até a Revolução Industrial, esbarra nos limites físicos do planeta.

A teoria econômica sempre associou o crescimento ao bem-estar. Há ganho de renda, consumo… É possível ter um sem o outro?

Para a teoria econômica, crescimento e bem-estar sempre estiveram associados. Enquanto o nível de consumo é muito baixo, a correlação entre os dois é muito alta. Faz então sentido usar crescimento do produto, uma medida relativamente fácil de ser observada, como indicador de bem-estar. Sabe-se hoje, que a partir do momento em que as necessidades básicas estão superadas, o aumento da renda e da disponibilidade de bens materiais tem muito pouca correlação com o bem estar. Muito mais do que ao aumento do consumo material, o bem-estar passa então a estar associado à coesão social, à qualidade da vida comunitária e a uma menor desigualdade. Pode-se, com certeza, ter aumento de bem estar sem crescimento do consumo material. Para isso, é preciso romper com o equívoco mais agressivamente promovido na modernidade: o de que para ser feliz é preciso consumir, ainda que coisas cada vez mais desnecessárias.

O que dizer aos milhões que vivem na miséria no mundo hoje? Como eles sairão da pobreza se precisaremos parar de crescer?

A questão da pobreza, da miséria em que vive ainda grande parte da população mundial, é séria e precisa ser atacada com urgência, mas, se o extraordinário crescimento material dos últimos séculos não resolveu o problema da miséria até hoje, é porque nunca irá resolver. Levantar a bandeira do crescimento material, baseado no consumo de bens cada vez mais supérfluos, em nome do combate à miséria no mundo, é profundamente desonesto.

E para os que estão saindo agora da pobreza e finalmente podendo comprar, caso da classe C no Brasil? Como dizer a eles que não podem consumir porque chegamos ao limite do planeta?

A solução não é produzir e consumir mais bens materiais, mas sim reduzir a desigualdade de padrões de consumo. Não é preciso impedir que os mais pobres tenham acesso a um padrão de vida decente, mas sim interromper a espiral de aspirações consumistas estapafúrdias de toda sociedade. Aspirações alimentadas pela propaganda, tanto explícita, como subliminar, mas, sobretudo, enganosa, de que quem mais consome é mais feliz.

Essa ruptura seria o enterro formal do capitalismo como conhecemos hoje?

Ao esbarrarmos nos limites físicos do planeta, teremos necessariamente que rever o que consideramos progresso, o que exige rever nossa visão de mundo. O sistema de preços competitivos, como sinalizadores da produção e do consumo, será sempre uma ferramenta fundamental para a organização da economia. Não me parece possível, nem desejável, prescindir do sistema de preços, sobretudo, no momento em que a economia precisa passar por uma reorganização profunda. É preciso, isto sim, ter consciência das suas limitações. No caso dos bens públicos, para os quais o consumo não tem custo individual, mas há custo coletivo, o sistema de preços não cumpre seu papel.

O Japão não cresce há quase 20 anos e tem elevado nível de qualidade de vida. O país pode ser um modelo a ser adotado neste novo padrão que a sociedade precisará ter?

A estagnação da economia japonesa, que já dura mais de 15 anos, desde o estouro da bolha imobiliária por lá, pode ser vista como precursora das dificuldades que as demais economias avançadas enfrentam, desde a crise de 2008. A homogeneidade cultural e social do Japão é, sem dúvida, fator importante para que o país tenha resistido relativamente bem à economia estagnada.

Alguns críticos dizem que a tese da ruptura brusca e traumática, e até com racionamento, surge da incapacidade de os economistas explicarem como se sai da crise. O que o senhor acha disso?

Compreender as dificuldades e pensar como superá-las é responsabilidade coletiva. Não é atribuição exclusiva de economistas.

Ao mesmo tempo em que o planeta dá sinais de esgotamento, os governos não parecem sensíveis ao tema. Como resolver o problema sem uma política pública clara e direcionada?

Apesar de muito barulho, parece não haver ainda uma verdadeira consciência de que os limites físicos do planeta foram ou estão prestes a serem atingidos. Temos grande dificuldade de ver e aceitar o que nos obrigaria a mudar nossa visão de mundo. Infelizmente, a recusa de ver e agir em relação os limites ecológicos, vai nos levar a uma transição muito mais desordenada e onerosa do que se nos tivéssemos sidos capazes de nos programar para ela.

O senhor diz que não há sinais de que esta nova abordagem esteja em gestação. Será preciso, então, que os governos imponham a ruptura do modelo para fazermos uma reorganização da economia, com o fim do crescimento baseado na expansão do consumo de bens materiais?

Sem consciência de que estamos próximo dos limites vamos atingi-los sem estar preparados. Quando as evidências forem inegáveis, para tentar evitar grandes catástrofes, deverá finalmente haver mobilização e medidas excepcionais serão impostas.

A União Europeia tem solução? A criação de um orçamento fiscal europeu se tornou mais possível agora?

Sempre fui um entusiasta da União Europeia, que considero o mais importante experimento de nosso tempo. Trata-se de uma tentativa de governança supranacional, algo que considero fundamental para o futuro pacífico de um mundo necessariamente interligado e interdependente. A moeda única, hoje parece claro, foi uma precipitação. Moeda comum exige orçamento fiscal conjunto. Os estados nacionais não estavam preparados para aceitar esta delegação à União Europeia. Torço para que a crise leve ao aprofundamento da UE em direção à governança supranacional, ainda que, como parece ser inevitável, alguns países periféricos venham a ter que abandonar o euro, pelo menos transitoriamente.

Que países periféricos e por quanto tempo?

O candidato hoje é a Grécia, mas, se a saída for bem-sucedida, outros países com problemas poderão seguir seus passos.

Muito se criticou as agências de rating em 2008. Previa-se que elas perderiam credibilidade e peso. Mas isso não parece estar acontecendo. Por quê?

Considero as agências de rating algo completamente irrelevante.

(Ecodebate, 09/02/2012) publicado pela IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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