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Capitalismo: civilização e poder, artigo de Fábio Konder Comparato

 


RESUMO

No presente artigo, o capitalismo é examinado historicamente como civilização e como poder. Como primeira civilização mundial da história, o capitalismo é considerado desde o seu surgimento, no final da Idade Média, como fator de desagregação da civilização indo-europeia, não só quanto à mentalidade coletiva predominante, mas também quanto às instituições sociais. No tocante ao poder social do capitalismo, o artigo procura mostrar como a burguesia mercantil, inserindo-se na sociedade feudal, acabou por sobrepor-se aos estamentos nela dominantes: o eclesiástico e o aristocrático-militar. Embora originado fora do mundo jurídico, como poder puramente privado, o capitalismo manifestou, desde o início da Modernidade, sua vocação hegemônica, superpondo-se em pouco tempo aos poderes públicos tradicionais. O poder capitalista, para subsistir, exige a contínua concentração de capital e uma expansão geográfica sem limites. Sua força ideológica, na atual sociedade de massas, funda-se na apropriação dos modernos meios de comunicação social. O exercício desse poder mundial, nos últimos séculos, provocou a maior disrupção social que a história jamais conheceu.

Palavras-chaves: Capitalismo, Civilização, Poder, Mentalidade, Instituições sociais.


ABSTRACT

This article examines capitalism from a historical viewpoint as a civilization and as a power. As the first global civilization in history, capitalism is seen here, since its inception in the late Middle Ages, as a disaggregating force of Indo-European civilization with regard not only to the prevailing collective mindset, but also to its social institutions. Concerning the social power of capitalism, this paper attempts to show how the commercial bourgeoisie, by foisting itself on feudal society, eventually superseded the dominant estates: the ecclesiastical and aristocratic-military. Although derived from outside the judicial world as a purely private power, capitalism manifested its hegemonic momentum since the onset of modernity and soon supplanted the traditional public powers. However, capitalist power, to survive, requires continuous concentration of wealth and unlimited geographic expansion. Its ideological strength in today’s mass society is founded on its appropriation of modern media. The exercise of this world power in recent centuries has led to the greatest social disruption history has ever known.

Keywords: Capitalism, Civilization, Power, Mindset, Social institutions.


 

 

Chegamos finalmente, neste 21º século da era cristã, a uma etapa histórica em que todos os povos da Terra, em maior ou menor grau, participam da mesma civilização: a capitalista. No entanto, poucos, no mundo todo, dão-se conta desse fenômeno único em toda a História.

Qual a razão dessa inconsciência coletiva? Há duas razões principais, a meu ver.

A primeira delas é que o curso dessa evolução histórica só veio a se completar recentemente. Até a segunda metade do século XX, o capitalismo ainda não havia alcançado todos os confins do orbe terrestre. Algumas regiões permaneciam, até então, isoladas do resto do mundo, envoltas no espesso manto de velhas tradições.

A segunda razão, pela qual uma boa parte da humanidade ainda não tomou consciência desse fato histórico sem precedentes, é que, fora do círculo intelectual marxista, o capitalismo sempre foi apresentado, pura e simplesmente, como um sistema econômico; e boa parte dos economistas o analisava, e continua a analisá-lo, na esteira dos fisiocratas franceses que influenciaram Adam Smith, como o único sistema natural da vida econômica.

Creio chegado o momento de se compreender o fenômeno, ou seja, de se tomar o capitalismo em toda a sua riqueza de sentidos (cum prehendere); vale dizer, antes de mais nada, como uma autêntica civilização, usando esse conceito em sentido eticamente neutro. Para tanto, preferi chamar a atenção do leitor para a época de surgimento dessa forma de vida geral dos povos.

Mas, além disso, pareceu-me também importante, dentre os vários traços definidores dessa civilização, ressaltar aquele que representou, indubitavelmente, o de maior relevância no processo de transformação global da vida em nosso planeta: o poder capitalista.

 

Civilizações: a herança indo-europeia

Deve-se entender por civilização a reunião de vários povos, que falam línguas da mesma família, partilham da mesma mentalidade coletiva, submetem-se às mesmas instituições de organização social e dispõem do mesmo saber tecnológico.

Desse conjunto de elementos formadores de uma civilização, convém destacar a mentalidade coletiva e as instituições de organização social.

As civilizações, afirmou Fernand Braudel,1 são, antes de tudo, mentalidades coletivas.

A noção de mentalidade foi elaborada pelos historiadores franceses ligados à revista Annales d’Histoire Economique et Sociale, fundada em 1929.2 A ideia central dessa escola de pensamento historiográfico é a de que, contrariamente à tese marxista, as ideias e os valores predominantes em uma sociedade não são mero produto de suas condições econômicas, mas mantêm uma certa autonomia em relação a essas e, muitas vezes, as transformam.

A rigor, não existe uma diferença fundamental entre o conceito de consciência coletiva ou comum de Emile Durkheim e a noção de mentalidade, desenvolvida pelos citados historiadores franceses.

Em sua tese de doutorado, defendida na Faculdade de Letras de Bordeaux em 1893, e intitulada De la division du travail social, Durkheim sustentou que “o conjunto das crenças e sentimentos comuns à média dos membros de uma sociedade forma um sistema determinado, que tem vida própria”, e que pode ser chamado consciência coletiva ou comum.3 Sem dúvida, ela não tem como substrato um órgão único, sendo por definição difusa em toda a extensão da sociedade. Mas apresenta caracteres específicos que a tornam uma realidade perfeitamente distinta, notadamente das consciências individuais: tanto mais distinta, quanto mais fortemente o indivíduo se opõe às crenças, opiniões e valores dominantes na sociedade, e sente-se, com isso, constantemente acossado em seu isolamento. Além disso, a duração da consciência coletiva é sempre maior do que a das vidas individuais. Os indivíduos passam, mas a consciência coletiva permanece viva e atuante, de geração em geração.

O importante é frisar que esse conjunto de ideias, sentimentos, crenças e valores predominantes forma um sistema, que atua na mente de cada um de nós como uma espécie de reator automático, no julgamento de fatos ou pessoas. Nesse sentido, é uma realidade mental muitas vezes subconsciente e, quando reconhecida pelo sujeito, é não raro por ele ocultada, ou então expressa de modo enganoso.

Na verdade, as mentalidades individuais variam enormemente entre si, em razão do patrimônio genético e da influência do meio social onde vivem os indivíduos. A influência da mentalidade coletiva nas mentes individuais é também muito variada, escalonando-se em múltiplos graus, desde a rejeição absoluta até a adesão completa.

No campo da mentalidade coletiva, há sempre, em todas as sociedades, várias espécies. Sem dúvida – e nisso os historiadores muito se destacaram – existe sempre uma mentalidade geral, comum ao conjunto dos membros de uma sociedade, em determinada época.4 Mas no interior de uma grande sociedade, cada grupo mais ou menos extenso e importante é dotado de uma mentalidade particular, claramente distinta da dos demais grupos. Assim, por exemplo, como sustentou Marx, há incontestavelmente no mundo moderno, plasmado pelo sistema capitalista hegemônico, mentalidades de classe; assim como havia, na sociedade medieval, mentalidades próprias de cada ordem ou estamento. Há também, necessariamente, mentalidades etárias, de gênero, de casta, de etnia; mentalidades urbanas e campestres; mentalidades regionais e nacionais; e assim por diante.

Já as instituições de organização social formam-se em torno das relações de poder, com base em sistemas normativos. Nas civilizações do passado, tais sistemas eram fundamentalmente costumeiros e locais. Nas civilizações modernas, eles são formados, de modo predominante, por normas escritas. Além disso, o âmbito de aplicação dessas normas ultrapassa hoje as fronteiras de cada Estado e tende a estender-se a toda a humanidade.

A estirpe civilizatória indo-europeia

Até propriamente a metade do século XX, distinguia-se uma linhagem linguística indo-europeia, abarcando os idiomas de quase toda a Europa, do planalto iraniano e da Ásia do Sul. Poucos estudiosos, porém, sustentavam a existência de uma estirpe de civilizações indo-europeias. Em seu clássico A Study of History, por exemplo, Arnold Toynbee nada diz a esse respeito.

Foi somente a partir de meados do século passado que alguns eminentes estudiosos europeus, dentre os quais convém destacar Georges Dumézil,5 fixaram sua atenção sobre uma longa linhagem cultural, envolvendo não apenas línguas, mas mitologias, rituais, formas de organização da sociedade, expressas ou não em obras literárias; linhagem essa que remonta ao terceiro milênio antes de Cristo, época em que uma horda de cavaleiros migrantes, oriundos provavelmente do sul da Rússia atual, invadiu a maior parte do continente europeu e avançou até os confins da Índia.

O conjunto desse enorme acervo cultural articula-se em torno de uma estruturação da sociedade em três grupos distintos: sacerdotes, aristocratas-guerreiros e agricultores. Cada um desses grupos encarrega-se de uma função determinada: os sacerdotes oram, conciliando as boas graças dos deuses; os guerreiros combatem, defendendo a sociedade contra o inimigo externo; os agricultores produzem bens, assegurando a subsistência física de todos.

Trata-se de uma organização social hierarquizada, na qual os dois primeiros grupos são os únicos a dispor de poder: os sacerdotes sobre as almas e os militares sobre os corpos, enquanto o terceiro grupo permanece sempre sujeito aos demais. Para ficarmos em um só exemplo histórico, em Roma, com a instauração da república e a distinção (mas não separação) entre o direito religioso (fas) e o direito leigo (ius), aos magistrados (no sentido antigo de altos funcionários públicos) foi reconhecida a potestas, isto é, o poder de coação sobre outrem. O grau máximo da potestas era o imperium, reservado aos comandantes militares. Já aos sacerdotes – e, segundo a tradição religiosa mantida durante a república, também ao senado – reconheceu-se a auctoritas, isto é, o prestígio moral, que dignificava o seu titular como merecedor de respeito e veneração.

Assinale-se que tanto a potestas quanto a auctoritas eram no direito romano poderes-deveres e não simples faculdades ou direitos subjetivos. Ou seja, todos os agentes públicos tinham, no regime republicano, o dever de atuar em prol do bem comum do povo (res publica), acarretando sua omissão no cumprimento desse dever graves sanções.

Aos titulares da auctoritas incumbia, primacialmente, zelar pelo escrupuloso respeito aos valores e costumes tradicionais (mores maiorum) da Urbs. No período republicano, chegou-se a atribuir a magistrados especiais – os censores – o poder de julgar e sancionar os desvios de comportamento pessoal, em todas as categorias de cidadãos, tanto na vida privada quanto na pública. O culpado recebia uma nota de infâmia, que o inabilitava ao exercício das funções públicas e dos direitos políticos, especialmente o de voto. No edito que esses magistrados publicaram em 92 a.C., para anunciar como haveriam de exercer a função censória durante o tempo de seu mandato, o repúdio às inovações sociais foi expresso de modo peremptório, com a concisão própria do estilo romano: “Renunciamos a ser homens que instituem um novo gênero de vida. […] Essas novidades, que surgem ao lado dos usos e costumes ancestrais, são inaceitáveis e imorais”.6

A transição medieval para o mundo moderno

A Alta Idade Média (séculos V a XI) foi, incontestavelmente, o período em que a tripartição social de origem indo-europeia atingiu o seu auge.

Um documento do início do século XI, Carmen ad Rodbertum regem,7 atribuído a Adálbero, bispo franco de Laon, explica com clareza as funções de cada um desses três grupos em que se repartia a sociedade: os clérigos, os aristocratas-militares e os camponeses. Trata-se de uma série de conselhos dirigidos a Roberto, o Piedoso, rei dos francos, e escritos retoricamente em forma de poema (carmen). Eis a passagem mais importante:

A ordem eclesiástica compõe apenas um só corpo, mas a sociedade inteira está dividida em três ordens. A par do já citado corpo, a lei reconhece outras duas condições (sociais): o nobre e o servo não se regem pela mesma lei. Os nobres são os guerreiros, os protetores das igrejas. Defendem todo o povo, assim os grandes como os pequenos, além de se protegerem a si próprios. A outra classe é a dos servos. Esta raça de desgraçados nada possui sem sofrimento. A todos, fornecem eles provisões e vestuário, sem os quais os homens livres pouco valem. Assim, pois, a cidade de Deus, tida como una, é na verdade tríplice. Uns rezam, outros lutam e outros trabalham. As três ordens vivem juntas e não sofreriam uma separação. Os serviços de cada uma dessas ordens tornam possíveis as atividades das duas outras. E cada qual, por sua vez, presta apoio às demais. Enquanto esta lei esteve em vigor, o mundo teve paz. Mas, agora, as leis se debilitam e toda paz desaparece. Mudam os costumes dos homens e muda também a divisão da sociedade.

Na época em que foi escrito esse texto, uma clara tendência modificadora da tripartição estamental já se iniciara. Era contra essa “mudança de costumes” que se dirigia a lamentação de Adálbero, saudoso dos velhos tempos. A revolta dos barões ingleses contra João Sem-Terra, em defesa das tradicionais prerrogativas do clero e da nobreza, de onde se originou a Magna Carta de 1215, combatia da mesma forma a “desordem” denunciada por Adálbero.8

Ora, justamente na mesma época em que o bispo franco exprimia as suas lamentações, manifestavam-se na Península Itálica os primeiros sinais distintivos da grande cisão histórica, que separou o mundo antigo do mundo moderno. Lá, com efeito, a partir do século XII, nasceu e prosperou rapidamente uma nova espécie de civilização, radicalmente diversa de todas as que a precederam, tanto sob o aspecto da mentalidade coletiva quanto da organização das instituições sociais. Era o capitalismo.

A mudança radical de mentalidade correspondeu ao surgimento, como modelo global de vida, da busca do lucro máximo pelo exercício profissional de uma atividade econômica. Foi aquilo que Max Weber denominou, em obra de grande repercussão, o “espírito do capitalismo”.9

Em nenhuma civilização do passado, jamais se considerou o acúmulo de bens materiais como finalidade última da vida. Especificamente de acordo com a tradição indo-europeia, a riqueza não se adquiria pelo trabalho, mas era um atributo vinculado normalmente ao estatuto da nobreza.

A nova ética capitalista opôs-se radicalmente a essa concepção. Como recomendou o florentino Paolo di Messer Pace da Certaldo, vários séculos antes de Benjamin Franklin (Advice to a Young Tradesman), citado e largamente comentado por Max Weber em sua mencionada obra, “se tens dinheiro, não fiques inativo; não o guardes estéril contigo, pois vale mais agir, mesmo se não se tira lucro da ação, do que permanecer passivo sem lucro tampouco”.10

Escusa lembrar que a condição de senhor feudal fundava-se, necessariamente, na posse legítima da terra, e essa era, em consequência, um bem inalienável. Foi somente com a decadência do feudalismo que os burgueses abonados puderam dar-se ares aristocráticos, comprando terras. De onde o velho provérbio napolitano: chi ha danari compra feudi ed è barone.

Da mesma sorte, os lavradores da terra, membros do terceiro estamento, viviam, de geração em geração, vinculados à gleba; de onde a sua designação consagrada de servos da gleba. A expressão é exata, pois eles eram, de certa forma, submetidos antes à terra do que ao senhor feudal.

A posse legítima da terra era, portanto, em si mesma, um título de nobreza. Até a Idade Moderna, prevaleceu incontestada a máxima res mobilis, res vilis: o vilão só era admitido a possuir coisas móveis. Aliás, sempre se proibiu a certas pessoas, como os judeus, a posse de terras. De se notar, ademais, que o retorno ao conceito romano da propriedade (dominium) como um direito absoluto ainda não havia ocorrido, e todo o esforço dos legistas burgueses, à época, consistiu em restabelecer esse conceito, vital para o capitalismo.

Dada, por conseguinte, a vinculação essencial da posse da terra com a condição estamental de nobreza, era evidente que o sistema jurídico medieval jamais poderia admitir que a terra e os demais bens imóveis fossem objeto de operações mercantis.

É interessante observar que, mesmo após a Revolução Francesa, que destruiu o sistema jurídico feudal, a separação absoluta entre o comércio e a atividade imobiliária permaneceu em vigor na legislação napoleônica. No Código de Comércio francês de 1807, que serviu de modelo a todas as legislações comerciais do Ocidente até o século XX, o art. 632 dispôs: “La loi répute acte de commerce tout achat de denrées et marchandises pour les revendre, soit en nature, soit après les avoir travaillées“.

O comerciante é, portanto, aquele que lida com mercadorias. Na língua pátria, o verbo mercar (do latim mercor, -ari; de onde mercatura, isto é, a profissão do comerciante, dito mercator) significa fazer comércio, comprar para revender, mercadejar. O componente semântico indissociável de mercadoria e de mercador é justamente a realização de lucros como objetivo da operação de compra para a revenda.

Ora, o “espírito” material do capitalismo – para usarmos novamente a expressão consagrada de Max Weber – consiste, como Karl Marx bem advertiu, em tudo transformar em mercadoria: bens, ofícios públicos, concessões administrativas e até pessoas, como os trabalhadores assalariados ou os consumidores. Deparamos, aí, com uma radical desumanização da vida. O capital, como valor supremo, é transformado em pessoa ficta, dita entre nós pessoa jurídica, e em outras legislações pessoa moral. Os homens, ao contrário, quando despidos da posse ou propriedade de bens materiais, são aviltados à condição de mercadorias vivas, quando não excluídos da sociedade capitalista como pesos mortos. Ou seja, a inversão completa do princípio ético kantiano: as pessoas passam a ter um preço e perdem, desse modo, sua dignidade intrínseca.

Desumanizar a vida significa excluir da biosfera o seu centro de valor universal: a pessoa humana. Cada um de nós é um ser único, insubstituível e irreprodutível. A descoberta do DNA veio demonstrá-lo. Ora, o sistema de relacionamento capitalista é essencialmente impessoal. Vivemos, cada vez mais, em um mundo de organizações artificiais sem nome, nas quais desaparece inteiramente a figura humana. Não é, pois, por simples coincidência histórica se uma das principais criações do engenho mercantil capitalista é a sociedade anônima.

Eis a razão de havermos, ao mesmo tempo, ingressado em um mundo em crise de responsabilidade pessoal, como bem assinalou Hans Jonas, em celebrado ensaio.11 Nas macroempresas capitalistas, ninguém sabe, a rigor, quem é o controlador, pois as participações de capital, diretas ou cruzadas, constituem um emaranhado ou uma cadeia sem fim. Foi preciso, pois, contrariando um dogma jurídico de muitos séculos, criar uma responsabilidade penal da pessoa jurídica; como ocorreu entre nós com a promulgação da Lei n.9.605, de 12 de fevereiro de 1998, relativa a condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.

O nascimento do capitalismo na Idade Média europeia representou, por conseguinte, sem nenhum exagero, a mais profunda cesura verificada em todo o processo histórico. Nas civilizações do mundo antigo, como tive ocasião de assinalar, sempre se votou o maior desprezo pelos ofícios mecânicos e a atividade mercantil.12 É que nenhum dos que se dedicavam a tais ofícios ou ao comércio pertencia, de direito e de fato, a um dos três estamentos tradicionais da multimilenar cultura indo-europeia. Os homens de negócio não nasciam guerreiros nem agricultores, e a sua atividade profissional era considerada absolutamente incompatível com o status religioso.

Independentemente disso, a vida urbana em geral e a atividade mercantil em especial sofreram um verdadeiro colapso em toda a Europa no século VIII, quando a região da bacia do Mediterrâneo foi conquistada pelos árabes. A partir de então, os povos europeus se concentraram sobre si mesmos, abandonando todo contato com outras civilizações. Subsistiram, em pontos isolados e sem comunicação regular entre si, cidades episcopais e castelos feudais, estes últimos denominados burgos.13 O renascimento do comércio a partir de fins do século XII, consequente à retomada da navegação marítima no Mediterrâneo e à reconquista das áreas territoriais ocupadas pelos invasores sarracenos, provocou apreciável crescimento demográfico e fez que surgissem novos centros urbanos, chamados “burgos de fora” (forisburgus).14 Os que nele se instalaram, notadamente os comerciantes, passaram a ser chamados burgueses.

Tinha início, dessa maneira, a lenta desmontagem da estrutura ternária da sociedade, na longa linhagem da cultura indo-europeia. Em lugar das consagradas ordens ou estamentos, vinculados à terra, surgiam nas novas cidades, doravante livres do poder feudal, grupos sociais não dotados de um estatuto jurídico próprio e que possuíam direitos e deveres formalmente iguais. O que os distinguia substancialmente entre si era, tão só, o nível de suas posses pessoais, notadamente a propriedade de bens de produção. Nascia, com isso, a moderna sociedade de classes. Como salientam os historiadores, em Flandres já se registravam, no século XII, manifestações de luta de classes no setor têxtil.15

Se considerarmos agora a mentalidade característica da sociedade medieva, verificaremos uma mudança sensível, da Alta (séculos VIII a XI) à Baixa Idade Média (séculos XII a XV).

No primeiro período, predominou um sentimento de permanente insegurança diante dos múltiplos perigos da vida terrena, insegurança essa estendida, como não poderia deixar de ser, à perspectiva de uma sobrevivência além-túmulo.16 Daí o prevalecimento de uma visão sobrenatural da vida humana, em que à tradição do culto cristão mesclavam-se, intimamente, crenças e práticas de magia.

Sem dúvida, os costumes imemoriais continuavam a servir de ponto de amarração, a fim de evitar o naufrágio individual e coletivo. Mas essas vetustas tradições passaram aos poucos, na Baixa Idade Média, a ser questionadas, tanto pela razão crítica no campo especulativo, quanto pela razão inventiva no terreno tecnológico.

Tomás de Aquino, por exemplo, só pôde renovar a especulação teológica, utilizando-se do pensamento aristotélico recém-descoberto, porque soube ocultar habilmente essa perigosa novidade sob o manto do respeito à tradição multissecular. Segundo a mentalidade dominante na época, os antigos não teriam incorrido em erro algum; suas divergências de opinião eram apenas aparentes e podiam ser resolvidas mediante uma análise mais fina de seus argumentos.

No campo das artes físicas e mecânicas, entre os séculos XII e XV, graças em grande parte à contribuição dos árabes na renovação das ciências matemáticas, a Europa conheceu notável florescência inventiva, bastando citar, a esse respeito, a bússola (mencionada pela primeira vez em 1195), os navios a vela sem remadores, as lentes oculares, os portulanos ou primeiras cartas marítimas, o emprego do carvão na indústria, os altos fornos metalúrgicos, o uso do vidro na aparelhagem científica, o relógio mecânico, o moinho eólio, a caravela, os caracteres móveis de imprensa.

Importa assinalar que essa explosão de invenções correspondeu a uma notável mudança na mentalidade dos povos europeus: os homens passaram a olhar os feitos e ensinamentos do passado, não como modelos a serem imitados, mas sim como pontos de partida para a transformação futura do mundo. Com apoio na tradição, a Europa voltou-se decididamente para o porvir. Gilberto de Tournai, no século XII, pôde afirmar, peremptoriamente: “Jamais encontraremos a verdade, se nos contentarmos com o que já foi descoberto. Aqueles que escreveram antes de nós não são senhores, mas guias. A verdade está aberta a todos, ela não foi ainda possuída integralmente”. E Bernardo de Chartres acrescentava, na mesma época, referindo-se à autoridade dos antigos:

Nós somos anões sentados nos ombros de gigantes. Vemos, desta forma, muito mais coisas e mais longe que eles, não por termos mais acuidade visual, ou porque nossa estatura é maior, mas sim porque eles (os gigantes intelectuais do passado) nos carregam e nos elevam acima de seu porte gigantesco.

Foi nesse ambiente de extraordinária mudança de mentalidade coletiva que vieram à luz os primeiros sinais da grande passagem histórica do Mundo Antigo ao Mundo Moderno, com o nascimento do capitalismo.

 

Nasce o capitalismo

A nova mentalidade burguesa

Os burgueses manifestaram desde logo uma mentalidade ou visão de mundo original, em tudo e por tudo diversa daquela que animava a sociedade antiga. Essa nova mentalidade, fundada em uma taboa de valores diametralmente oposta à vigente no passado, foi registrada nos múltiplos manuais para uso dos comerciantes, largamente difundidos no meio urbano medievo. Eis algumas das máximas expostas em um manual do século XIV, de autoria de um anônimo florentino:17

Não frequentes os pobres, pois nada tens a esperar deles. Inútil dizer que tal máxima é radicalmente contrária à moral evangélica, que regia em princípio a vida dos integrantes do estamento eclesiástico, tão poderoso na Idade Média. É importante, no entanto, assinalar como esse desprezo pelos pobres permaneceu sempre vivo nas sociedades capitalistas pós-medievais, e constitui, até hoje, um dos traços salientes da mentalidade brasileira.18

É um grande erro fazer o comércio de modo empírico; o comércio deve ser feito racionalmente (il commercio se vuole fare per ragione). Aliás, a primeira grande invenção do sistema capitalista foi a contabilidade por partidas dobradas, que estabeleceu o método racional de apuração das perdas e ganhos na atividade mercantil, até hoje utilizado.

Tu não deves servir os outros, deixando de te servir em teus próprios negócios. É o egoísmo racional da atividade econômica capitalista, o qual viria a ser consagrado como princípio fundamental da riqueza das nações por Adam Smith.19

As dádivas tornam cegos os olhos dos sábios e muda a boca dos justos. Se para obter o resultado esperado da transação mercantil for preciso subornar, por que não fazê-lo? É inegável que as sociedades que surgiram no curso do processo capitalista colonizador, como a brasileira, nasceram para sempre marcadas pelo vício da corrupção administrativa e até mesmo judicial.

É verdade que, dois séculos depois de redigidas essas máximas, muito do seu imoralismo realista acabou sendo redimido na perspectiva de um cristianismo renovado, por obra de João Calvino. O grande reformador ensinou que a razão humana, embora corrompida pelo pecado, não é a “prostituta” de que falou Lutero, mas o dom divino pelo qual o Senhor habilita cada um de nós, individualmente, a conhecer os seus mandamentos e a interpretar a sua Palavra. Guiado pela razão, o fiel deve seguir rigorosamente uma ascese de trabalho, submetendo o processo de sua própria santificação a uma análise constante de perdas e ganhos, como se tratasse de um empreendimento mercantil.20

Temos, assim, que a combinação da vida ascética, voltada unicamente para o trabalho, sem luxo e ostentação, com a procura metódica do aumento do patrimônio, segundo o modelo da parábola evangélica dos servos que receberam talentos do seu senhor,21 contribuiu decisivamente para favorecer e justificar moralmente, com o selo da religião, o desenvolvimento do processo de acumulação capitalista.

A inserção da burguesia na sociedade medieval

Tudo isso quanto à nova mentalidade ou visão de mundo, introduzida na sociedade medieval pela burguesia montante, e que plasmou definitivamente as gerações futuras.

Era mister, no entanto, ao burguês, figura adventícia em um mundo dominado pela tradição, procurar instalar-se na sociedade estamental que o rejeitava. Essa instalação foi por ele efetuada de duas maneiras: ou pelo enfrentamento, ou pela conciliação de interesses.

O enfrentamento ocorreu na Lombardia e na Toscana, cinco séculos antes da Revolução Francesa. Ainda aí, como se vê, os povos itálicos foram pioneiros. Em Florença, a rivalidade entre os nobres de velha cepa, os magnati, e os burgueses associados em corporações, ditos popolani, resolveu-se em 1293 com a exclusão dos membros das 147 famílias de magnati de todas as funções públicas, e a sua sujeição a severas sanções penais.

Já o exemplo mais conspícuo de conciliação entre a nova classe burguesa e a velha aristocracia ocorreu em Portugal. Não é sem razão que nós, brasileiros, herdamos da gente portuguesa, em particular na vida política, a tendência predominante à conciliação entre grupos rivais.

Desde o século XIV, com a ascensão ao trono português da dinastia de Aviz, a alta burguesia comerciante e intelectual instalou-se na Corte.

Os burgueses lograram obter do monarca a sua paulatina inserção no estamento privilegiado da nobreza.

De se notar que, desde cedo, estabeleceu-se no reino a distinção entre “homens de negócio” e simples mercadores. Os primeiros, também chamados “mercadores de sobrado”, pelo fato de viverem em casas assobradadas longe de suas lojas, jamais pesavam, mediam, vendiam ou empacotavam mercadorias com as suas próprias mãos, mas empregavam assistentes especificamente encarregados de exercer tais misteres.22

O primeiro passo para a assimilação da burguesia rica à nobreza consistiu em dar àquela, juntamente com os doutores formados em Coimbra, privilégios penais. Ou seja, exatamente o contrário do ocorrido em Florença em fins do século XIII. Assim, tal como fizera com os membros da nobreza, o rei excluiu da sujeição à pena vil23 os mestres e pilotos de navios de propriedade privada de mais de cem tonéis, bem como os mercadores “que tratarem com cabedal de cem mil réis e daí para cima” (Ordenações Filipinas V, cap.138). Já no tocante à aplicação no processo penal da prova dos “tormentos”, isto é, da tortura, o monarca dela excluiu, além dos nobres, “os fidalgos, cavaleiros, doutores em cânones ou em leis, ou medicina, feitos em universidade por exame, juízes e vereadores de alguma cidade” (Ordenações Filipinas V, cap.133).

Como se vê – e esse é outro traço característico da tradição política lusitana, transportada para o Brasil -, agregou-se à burguesia comercial e acadêmica, como novo detentor de privilégios, o estrato burocrático.24

Na verdade, o longo conúbio entre política e comércio em Portugal teve início na segunda metade do século XIV, antes mesmo do advento da dinastia de Aviz ao trono real, com a edição por D. Fernando – portanto, quase três séculos antes de Cromwell! – das leis destinadas a estimular a indústria nacional da navegação e do seguro marítimo. O apoio da burguesia do Porto e de Lisboa ao Mestre d’Aviz em 1385 – a primeira revolução burguesa no Ocidente – fez que o soberano português passasse a gerir o reino como se fora a sua própria casa de comércio, empregando seus ministros como autênticos prepostos do estabelecimento régio.

Esse processo de assimilação da burguesia abonada à nobreza culminou, no século XVIII, com a política pombalina de estímulos ao comércio de ultramar. Nas companhias de comércio então criadas, os detentores de mais de dez ações do capital social tornavam-se fidalgos de pleno direito. Ao mesmo tempo, um Aviso de 9 de agosto de 1756 procurou diretamente envolver os nobres nos empreendimentos comerciais d’além-mar.

Seguia-se, com isso, o exemplo já bem assentado, segundo o qual o enobrecimento do comércio vinha de cima. Com efeito, iniciada a grande exploração marítima no século XV, estabeleceu-se desde logo o monopólio da Coroa para o comércio de ultramar.25 A alcunha de “Rei da Pimenta”, dada a D. Manuel, o Venturoso, por Francisco I, rei da França, difundiu-se em todas as cortes europeias. Por outro lado, nas colônias portuguesas, foi sempre habitual o exercício do comércio pelos governadores nomeados pela metrópole.26

Na verdade, não foi apenas a burguesia que se assimilou à nobreza; essa seguiu também o caminho inverso e tornou-se comerciante.

A febre especulativa desde cedo tomou conta dos nobres, que se empenharam em comprar habitualmente gêneros de consumo para revendê-los com lucro. O que fez que, já nas cortes de Leiria de 1372, os representantes dos povos (isto é, dos municípios) os increpassem, todos eles, de mercadores e regatões.27 E embora persistisse bem viva a animadversão da plebe por todos os que, intitulando-se fidalgos, faziam da mercancia profissão habitual, o pendor mercantil da nobreza, equiparável ao da burguesia, permaneceu inabalado nos séculos posteriores, tendo sido vivamente reacendido com a exploração colonial. Nas colônias, aliás, a pretensa fidalguia confundia-se em regra com a riqueza pessoal. “Viver à lei da nobreza”, segundo expressão consagrada, significava, pura e simplesmente, ser homem de posses.

O resultado é que, aos poucos, estabeleceu-se a assimilação natural, na mentalidade coletiva, da situação de riqueza com o estado de nobreza. Nesse particular, do mesmo modo, somos legítimos herdeiros da cultura portuguesa. Como salientou um destacado historiador,28 durante todo o período imperial no Brasil, 41% dos ministros de Sua Majestade foram vinculados à propriedade da terra e ao comércio. E no segundo reinado, do total dos títulos nobiliárquicos outorgados, quase 77% foram de barão, sabendo-se que o baronato era reservado pelo imperador, quase que exclusivamente, aos grandes proprietários rurais e aos comerciantes de maior cabedal.

Até aí, quanto às relações estabelecidas entre a burguesia, como novo grupo social, e a nobreza, à qual incumbia, tradicionalmente, a função guerreira.

Se voltarmos agora os olhos ao relacionamento entre os burgueses e o primeiro estamento da sociedade medieva, isto é, a ordem clerical, veremos que os comerciantes lograram, paulatinamente, safar-se da primitiva condenação moral e cair nas boas graças da Igreja.

A condenação eclesiástica do comércio foi, de início, absoluta e inapelável. No século XII, a Igreja fez inserir, no Decreto de Graciano que criou o direito canônico, a sentença: homo mercator nunquam aut vix potest Deo placere [o comerciante nunca ou dificilmente pode agradar a Deus]. Esse juízo condenatório punha o comerciante como parte integrante do extenso rol de profissionais, que a Igreja medieval costumava rejeitar às trevas exteriores: prostitutas, malabaristas, cozinheiros, soldados, açougueiros, donos de cabarés; sem falar dos advogados, notários, juizes, médicos e cirurgiões, os quais mui dificilmente podiam agradar a Deus…

Aos poucos, porém, as autoridades eclesiásticas e os teólogos foram mudando de opinião.

No concílio de Latrão de 1179, ao regulamentar a chamada “trégua de Deus”, ou seja, um armistício religioso durante as guerras privadas que se multiplicavam nessa época, os padres conciliares incluíram entre os beneficiários, no cânone 22º, “padres, monges, clérigos, convertidos, peregrinos, comerciantes, camponeses e bestas de carga”. Como se vê, os mercadores situavam-se, nessa lista, com precedência unicamente sobre os campônios e os animais.

Ora, ainda aí, a revivescência econômica da Europa, a partir do final do século XII, acarretou uma sensível mudança de atitudes, em relação ao comércio. “Haveria grande indigência em muitos países”, escreveu Thomas de Cobham em seu manual de confissão do início do século XIII, “se os comerciantes não trouxessem o que abunda em certos lugares para outros, onde faltam esses mesmos bens”.29

Quanto ao pensamento teológico, a mudança de opinião a respeito do comércio, embora sutil, é bem ilustrada pelos desenvolvimentos de Santo Tomás na Summa Theologiae, a respeito dos pecados econômicos. Assim é que, na primeira seção da segunda parte, questão 84, ele sustenta que a avareza está na raiz de todos os pecados; e na segunda seção da segunda parte, questão 78, que indubitavelmente a usura, isto é, o ato de receber juros pelo dinheiro emprestado, é um pecado. Curiosamente, porém, ao discutir logo em seguida, nessa mesma questão 78, se é lícito receber dinheiro emprestado pagando juros, o grande teólogo retorce o seu pensamento, para descambar em pleno sofisma:

De modo algum é lícito induzir alguém a pecar. É lícito, porém, tirar proveito do pecado de outrem para o bem. Pois, também Deus usa de todos os pecados para algum bem; de qualquer mal, Ele tira um bem, diz Agostinho. […] Igualmente na questão que nos ocupa, deve afirmar-se que de nenhuma maneira é lícito induzir outrem a emprestar com usura; no entanto, receber empréstimo com juros das mãos de quem está disposto a fazê-lo e exerce a usura, é lícito, tendo em vista algum bem, que é satisfazer à necessidade própria ou de outrem. Assim como é lícito a quem caiu nas mãos de salteadores exibir-lhes os bens que traz consigo e deixar cometer o pecado de roubo, para não ser morto, seguindo nisso o exemplo dos dez homens que disseram a Ismael: “não nos mates, pois temos um tesouro oculto no campo”, como se narra no livro de Jeremias.

O direito de apropriação privada de quaisquer bens

O instituto da propriedade, como bem assinalou K. Marx, é a pedra fundamental do edifício jurídico capitalista. A busca incessante do empresário capitalista é pela apropriação, sob a forma de direito exclusivo, de toda e qualquer coisa material. Ou então, como sucedeu no campo do chamado direito industrial, a transformação de qualquer técnica produtiva em bem objeto de propriedade, dita intelectual.

Acontece que, durante todo o período feudal, não havia um só direito real sobre a terra, mas vários direitos interligados; o que representava um obstáculo à transformação da terra em bem de exploração capitalista.

Essa a razão por que, desde a Baixa Idade Média, os legistas burgueses, como lembrado – sobretudo após o renascimento dos estudos jurídicos, com a redescoberta do Corpus Juris Civilis de Justiniano – reconstruíram, contra o parcelamento dos direitos reais sobre a terra, a noção romana de dominium; isto é, o direito de usar, fruir e dispor de uma coisa de modo exclusivo e sem limitação de qualquer espécie. Esse esforço secular desembocou na moderna noção de propriedade, definida no Código Civil francês de 1804, dito Código Napoleão, como “le droit de jouir et disposer des choses de la manière la plus absolue, pourvu qu’on n’en fasse pas un usage prohibé par les lois ou par le règlements“.

O capitalismo fez desaparecer, de certa forma, a velha noção de bem comum ou comunidade. Ele se contrapõe assim, logicamente, ao ideal republicano. O adjetivo próprio é o antônimo de comum. O que conta e sempre contou, na civilização capitalista, é o interesse exclusivo do sujeito de direito.

Ora, o golpe genial da burguesia consistiu em fazer do direito de uso, fruição e disposição de coisas, um poder sobre pessoas. Assim, por exemplo, no campo das sociedades por ações, foi preciso esperar até o terceiro decênio do século XX, para que dois ilustres autores norte-americanos fizessem a distinção, doravante universalmente aceita, entre propriedade acionária e controle empresarial.30

Nem por isso, todavia, os ideólogos do capitalismo abriram mão da noção de propriedade como conceito-chave. E a razão é simples: na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, o Tiers Etat, vale dizer, a burguesia fez inserir, no art. 17, a expressão famosa de que a propriedade é “um direito inviolável e sagrado”.

Não havia razão melhor para a defesa humanista do poderio do capital: tocar no poder de controle é violar o direito fundamental de propriedade. Até hoje, na doutrina e na jurisprudência, tanto aqui quanto alhures, não conseguimos entender que a propriedade só é direito fundamental quando diz respeito a bens indispensáveis a uma vida digna por parte do seu titular. Fora dessa hipótese, e notadamente quando a propriedade envolve um poder sobre outras pessoas – como é o caso, por exemplo, da propriedade do pacote acionário de controle de uma empresa – ela é um direito comum. Em consequência, nessa hipótese, não deve ser aplicada, na desapropriação, a garantia estabelecida no art.5º, XXIV da Constituição Federal, segundo a qual, o Estado deve pagar ao desapropriado uma “justa e prévia indenização em dinheiro”.

Repita-se, sem cessar: a propriedade, como direito fundamental, é um direito sobre bens, necessário à preservação de uma vida digna para o seu titular; o poder, diferentemente, é uma relação de mando de alguém sobre outrem, a ser exercida em benefício alheio e não em proveito próprio.

Temos, pois, que o capitalismo, como civilização nascente na Baixa Idade Média, manifestou, desde logo, uma extraordinária capacidade em consolidar-se e expandir-se ao mundo todo, graças à introdução, de início ao lado, e logo depois acima do poder tradicional de aristocratas-guerreiros e autoridades religiosas, de uma nova força transformadora da vida em sociedade: o poderio econômico.

É o que passamos a ver.

 

O poder capitalista

A expansão do sistema capitalista, da Europa Ocidental ao mundo todo, representou um dos movimentos mais característicos daquilo que se denominou a aceleração da História. Essa façanha, sem precedentes no longo processo de desenvolvimento da espécie humana na face da Terra, foi, sem dúvida, o resultado do exercício de uma nova modalidade de poder: o econômico. A dominação dos ricos sobre os pobres é tão velha quanto a própria humanidade. O capitalismo soube, porém, organizá-la de modo a lhe conferir extraordinária eficácia transformadora do meio social. Nesse sentido, como bem salientou Marx, ele exerceu na história um papel eminentemente revolucionário.

Vejamos, pois, quais as características específicas do poder capitalista.

Um poder originalmente sem título jurídico, exercido em benefício próprio

Antes de mais nada, o poder capitalista não dispõe, salvo em casos determinados, de um título no sentido jurídico; isto é, de um fundamento reconhecido pelo direito. Trata-se, em geral, de um poder de fato.

O poder jurídico implica, necessariamente, a contraparte do dever de obediência pelo sujeito passivo. Não assim, o poder de fato. E isso se explica, logicamente, porque o titular de um poder jurídico deve sempre exercê-lo, não no seu próprio interesse e benefício, mas em prol de outrem. O poder jurídico tem uma finalidade ou função altruísta que lhe é intrínseca; não assim o poder de fato.

Como vimos na primeira seção desta exposição, os dois estamentos privilegiados das sociedades de origem indo-europeia – o dos aristocratas-guerreiros e o dos religiosos – eram dotados, de acordo com o costume imemorial, de poderes jurídicos próprios. O estamento aristocrático tinha o poder de arregimentar a todos, para a defesa da coletividade contra o inimigo externo. E o dos religiosos era dotado da necessária auctoritas, para impor a todo o grupo social a obediência aos dogmas de fé e o respeito à tradição dos antepassados, esses também assimilados de certa forma à divindade.31

Ora, o poder que a burguesia principiou a exercer na sociedade medieval não era de índole jurídica, mas puramente factual; tanto mais que a riqueza dos primitivos burgueses fundava-se, como assinalado, não na terra, mas no dinheiro e outros bens móveis. Tratava-se, portanto, de uma riqueza ignóbil, no sentido histórico, isto é, possuída por alguém que não pertencia à nobreza.

Por isso mesmo, esse poder econômico, desde as origens, não visava à realização do bem comum, mas unicamente à satisfação do interesse próprio do seu titular.

Como era natural, esse exclusivismo egoísta levou alguns pensadores do século XIX, que haviam mal assimilado a teoria darwiniana, a sustentar o princípio, até hoje vigorosamente defendido no ambiente político e intelectual capitalista, sobretudo norte-americano, de que nós outros, humanos, devemos agir como os animais, procurando fortalecer-nos sem cessar e desprezando os pobres e os fracos. A famosa expressão survival of the fittest, geralmente atribuída a Darwin, foi, na verdade, inventada por Herbert Spencer. Ela representa, como salientou um primatólogo contemporâneo, uma distorção grosseira da realidade biológica no reino animal.32

Visando, pois, à realização exclusiva do interesse do próprio sujeito ativo, o poder econômico capitalista, como é lógico, não conhecia, de início, deveres positivos correspondentes. O ordenamento jurídico não obrigava o capitalista ou o empresário a usar de seu poder econômico em benefício de outrem. O único dever do empresário capitalista, no exercício de sua atividade, era o respeito à máxima geral de não lesar ninguém (neminem laedere, da tradição jurídica romana).

Mas como sucedeu no evolver histórico de todas as sociedades, para que tal dever geral fosse respeitado, a autoridade política foi compelida a baixar proibições específicas, combinadas com as correspondentes sanções, civis ou penais.

Tal ocorreu no início do século XX, como efeito dos ideais socialistas. Em 1917, a Constituição Mexicana dispôs, em seu art.27, que “a propriedade das terras e águas, compreendidas dentro dos limites do território nacional, pertence originalmente à Nação, a qual teve e tem o direito de transmitir o domínio delas aos particulares, constituindo assim a propriedade privada”. E em 1919, a Constituição Alemã, dita de Weimar, estatuiu em seu art.153: “A propriedade obriga (Eigentum verpflichtet). Seu uso deve, ademais, servir ao bem comum”.

Criava-se, destarte, a chamada “função social da propriedade”, que a nossa Constituição de 1988 consagrou em seu art.5º, inciso XXIII.

Nessa mesma linha de reação contra a irresponsabilidade capitalista, construíram-se, nos diferentes direitos nacionais e no direito internacional, os novos sistemas de direito do trabalho, direito do consumidor e direito do meio ambiente.

Ao mesmo tempo, renovou-se o direito societário. Com a distinção finalmente estabelecida em lei entre propriedade acionária e poder de controle empresarial, ao titular deste último foram atribuídos deveres específicos. Entre nós, a lei de sociedades por ações de 1976 dispôs, em seu art.117, parágrafo único, que

o acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.

Ainda no campo das sociedades por ações, a lei alemã de 1965 cunhou a expressão influência dominante (beherschendes Einfluss), para caracterizar a si-tuação de uma empresa que, sem ser, nem direta nem indiretamente, acionista de outra, exerce sobre esta um poder de controle, obrigando os seus administradores a seguir diretrizes favoráveis à controladora, ainda que prejudiciais à controlada. É o que não raro sucede, por exemplo, com um banco que abre largo crédito, a longo prazo, a uma empresa de cujo capital não participa, passando, em razão disso, a dirigi-la na sombra.33

Pois bem, é exatamente essa influência dominante camuflada o tipo de poder que os protagonistas do capitalismo exercem no campo político e administrativo: os lobbies sobre parlamentares ou membros do governo; a oferta de financiamento de campanhas eleitorais; a obtenção, lícita ou ilícita, de concessões administrativas de serviços públicos; ou a privatização de empresas estatais.

Seja como for, a procura da realização do próprio interesse econômico – a busca de lucros máximos, em qualquer circunstância – torna a empresa capitalista funcionalmente imprópria à prestação de serviço público. Eis por que, no rigor do princípio republicano, ela não deveria exercer nenhuma espécie de concessão administrativa.

Ficou evidente, porém, após a grande crise do capitalismo financeiro ocorrida em 2008, que o sistema como um todo não traz benefício algum à humanidade, nem mesmo o alardeado crescimento exponencial da produção. Daí, na linha da autolegitimação do sistema, de que tratarei mais adiante, a iniciativa de alguns multimilionários capitalistas, sobretudo norte-americanos, de insistir para que as macroempresas privadas criem fundos ou fundações de benemerência, completando-se assim a ideia lançada pelos intelectuais orgânicos do capitalismo (no sentido gramsciano) de responsabilidade social das empresas.

Um poder que somente subsiste pela concentração de capital e a expansão geográfica

O poder econômico capitalista está intimamente ligado à capacidade de permanente acumulação e centralização do capital.

Marx procurou distinguir tecnicamente esses conceitos.34 O processo de acumulação do capital, salientou ele, diz respeito ao aumento de seu valor econômico ou contábil. A centralização, diferentemente, é “a concentração dos capitais já formados, a supressão de sua autonomia individual”. Nós diríamos hoje, com maior precisão, que a centralização do capital é um processo ligado ao poder de controle e não à propriedade pura e simples do capital. O acionista minoritário pode ver aumentado o valor de sua participação no capital da sociedade anônima, sem que isso signifique, minimamente, mudança no poder de controle da empresa.

Ora, o que importa notar é que a contínua acumulação de capital é uma condição indispensável à sobrevivência do poder de cada empresa ou grupo empresarial, em um mercado competitivo. Se o capital permanece o mesmo, o poder da empresa no mercado se enfraquece.

O processo interno de acumulação do capital está necessariamente ligado ao aumento constante do lucro líquido e, em consequência, do volume de negócios da empresa; pois cada operação empresarial deve ser lucrativa, e parte do lucro líquido apurado em balanço é normalmente transferida à conta de capital.

Mas além desse processo de acumulação interna do capital, o seu aumento também pode realizar-se por meio de novas subscrições, em Bolsa ou fora dela, ou então mediante fusões e incorporações de outras empresas, ou pelo estabelecimento de consórcios.

Pois bem, a par dessa necessidade de contínua acumulação do capital para sobreviver, as empresas capitalistas e o próprio sistema em seu conjunto são forçados a uma permanente expansão de sua área de atuação territorial.

Marx e Engels assinalaram, corretamente, que o fator-chave, a impulsionar a burguesia na empresa de dominação mundial, foi a necessidade de se abrirem espaços cada vez mais amplos para o escoamento da produção de bens e a absorção de serviços, os quais se multiplicaram em proporção geométrica, desde que a tecnologia tornou-se a mola mestra do processo produtivo.

A primeira globalização capitalista teve início já no século XVI, quando foi lançada a grande empresa de imperialismo colonialista, tendo como centro de comando estratégico o continente europeu.

O nosso país foi uma das regiões pioneiras do capitalismo agroindustrial do mundo. Para esse empreendimento novo, utilizamos um instituto jurídico, cujas estrutura e funções merecem ser ressaltadas: as sesmarias.

Elas foram criadas em Portugal por uma lei de D. Fernando, datada de 1375. Seu objetivo era remediar a série crise de abastecimento, que afligia então o reino. O monarca determinou, para tanto, o cultivo obrigatório de todas “as herdades que som pera dar pam”. Em consequência, se o proprietário não pudesse ou não quisesse cultivar diretamente o solo, deveria dá-lo em arrendamento a alguém que assumisse essa tarefa, sob pena de confisco, devolvendo-se a terra ao soberano. Esta, aliás, a origem da expressão “terras devolutas”.

O instituto já fora aplicado com proveito na colonização das ilhas portuguesas do Atlântico, quando, com a descoberta do Brasil, decidiu-se transplantá-lo ao território da nova colônia. Ao instituir, em 1534, o sistema de capitanias hereditárias, D. João III determinou que cada donatário recebesse, como de sua exclusiva propriedade, uma faixa de dez léguas, contada a partir da linha litorânea, e distribuísse, a título de sesmarias, o restante do território sob seu comando.

Ao assim decidir, o soberano português investiu os titulares das capitanias estabelecidas em território brasileiro de poderes regalianos. Eles não só tinham jurisdição sobre todo o território que lhes fora doado, como ainda lhes competia distribuir sesmarias a quem lhes aprouvesse.

Inútil dizer que a fiscalização do exercício de tais poderes, pelos titulares das sesmarias, revelou-se desde logo impossível, não só pelas dificuldades óbvias de comunicação entre a metrópole e o Brasil, e no interior do nosso vasto território, mas ainda pelo reduzidíssimo corpo de funcionários incumbidos dessa fiscalização.

A agroindústria capitalista do açúcar vicejou entre nós, desde o primeiro século da colonização, com base no sistema sesmarial, que permaneceu em vigor até a Lei de Terras de 1850. Embora não tivessem mais poderes regalianos oficiais, os latifundiários continuaram a exercê-los de facto, a partir do início do Império, como coronéis da Guarda Nacional. No grande domínio rural, o proprietário concentrava todos os poderes, sem estar obrigado a respeitar os direitos de ninguém. Além disso, o latifúndio era uma espécie de território autárquico, estabelecendo o senhor com os demais proprietários relações de potência a potência.

A segunda vaga de globalização foi bem diferente da primeira. Ela não mais se fundou no imperialismo colonial, mas articulou-se em torno da dominação financeira e tecnológica das regiões mais pobres no mundo.

Os agentes diretos desse segundo processo de globalização foram as empresas multinacionais e transnacionais. As primeiras instalam-se em diversos paí-ses e submetem-se à legislação local em todas as matérias, notadamente no que diz respeito às relações de trabalho, à concorrência e à proteção do meio ambiente. Já as transnacionais operam no mundo todo, não mediante investimentos locais, mas por meio da criação de uma rede de fornecedores, montadores e distribuidores, a elas ligados por contrato, e substituíveis a qualquer tempo.

No início do século XXI, calculou-se que o volume global de negócios das 150 maiores empresas multinacionais e transnacionais superava o PIB de 150 países e equivalia a quase 30% do produto mundial.

Um poder que conquistou a hegemonia mundial

Como lembramos no início desta exposição, em todas as civilizações de origem indo-europeia apenas dois grupos sociais eram dotados de poder: os aristocratas-guerreiros monopolizavam o poder das armas e o grupo sacerdotal concentrava em suas mãos o poder sobrenatural.

Vimos, também, como a burguesia nascente foi, aos poucos, conquistando espaço na sociedade medieval, junto a esses dois estamentos tradicionais. Ela se aproximou da nobreza, como fornecedora de víveres e bens importados, e como financiadora das expedições militares, regularmente organizadas pelos senhores feudais; quando não se enobreceu por força do dinheiro. Ela também se acomodou com o estamento eclesiástico, lançando mão desses mesmos recursos; sendo certo que bispos, abades e o próprio papa, da mesma forma que os membros da nobreza laica, envolviam-se com frequência em operações bélicas, como as sucessivas cruzadas lançadas para a reconquista dos Lugares Santos, no Oriente Médio.

Ora, a partir do chamado “outono da Idade Média”,35 na segunda metade do século XV, tornou-se evidente que a “conquista do Mar Oceano”, além dos confins do continente europeu, exigia a “santa aliança” da burguesia empresarial com a nobreza militar e os missionários cristãos.

O Manifesto comunista afirmou que a empresa de dominação econômica mundial, iniciada pelo capitalismo, foi levada a cabo sem guerras, unicamente com o emprego das armas comerciais. “O preço reduzido de suas mercadorias é a grossa artilharia com a qual ela (a burguesia) demole todas as muralhas da China e obtém a capitulação dos bárbaros mais teimosamente xenófobos.”

Não é verdade. A guerra, no sentido próprio e brutal da palavra, o empreendimento de destruição em massa de vidas e bens, planejado e executado com os mais aperfeiçoados recursos da tecnologia, foi um dos principais estímulos ao desenvolvimento do capitalismo. É o lado perverso e nada simbólico do conceito de “destruição criadora” de Schumpeter.

A partir da segunda metade do século XIX, o êxito bélico tornou-se sempre mais dependente do progresso técnico na produção industrial de armamentos, munições e veículos de combate. Desde 1861 e 1866, quando surgiram, respectivamente, a metralhadora e a dinamite, as invenções para fins bélicos multiplicaram-se vertiginosamente, e foi o complexo industrial-militar que desencadeou, sob a bela e falsa aparência de obra civilizadora (ou cultural, como preferem qualificar os alemães), a primeira onda de globalização moderna, com o estabelecimento de novos impérios coloniais na África e na Ásia. Entre 1875 e 1915, quase um quarto da superfície do globo terrestre foi distribuído ou redistribuído, sob a forma de colônia, entre meia dúzia de Estados.36 Antes disso, os Estados Unidos anexaram pelas armas, somente no continente americano, metade do território mexicano em 1848; fizeram intervenções militares em 1824 em Porto Rico, em 1845 e 1847 no México (em preparação à guerra de anexação do ano seguinte), em 1857 na Nicarágua, e em 1860 na província do Panamá e outra vez na Nicarágua. Antes do final do século, o Estado norte-americano tornou-se senhor do Havaí e das Filipinas, retomando, assim, o projeto original de Cristóvão Colombo: alcançar o Oriente pelo Ocidente.

No decurso do século XX, os efeitos de “destruição criadora” da ação militar foram ainda mais notáveis, com os êxitos obtidos no controle da energia nuclear para fins pacíficos, o aperfeiçoamento dos aviões a jato e o lançamento dos primeiros veículos interplanetários, mediante a adaptação da técnica própria dos mísseis balísticos. Encerrada a guerra fria com o esfacelamento do império soviético em 1989, alguns espíritos ingênuos esperavam uma acentuada redução dos gastos militares no mundo. Pura ilusão: já em 2003, essas despesas atingiam o equivalente a 2,7% do produto bruto mundial, ou seja, uma cifra quase igual à registrada em 1987. Em 2009, não obstante a grande crise financeira do ano anterior, as despesas militares mundiais atingiram um recorde histórico, com um aumento de 49% em relação ao início do século.37

O desfecho de toda essa rápida evolução do mundo moderno é claro: o poder econômico capitalista acabou por dominar o poder militar, colocando-o a seu serviço, em todos os países do globo terrestre.

Quanto ao tradicional poder religioso, algo de semelhante sucedeu. As organizações religiosas tornaram-se sempre mais dependentes, para sua sobrevivência material, do concurso financeiro dos bancos, ou da rentabilidade dos fundos financeiros, dos quais adquiriram participações.

Já na empresa colonial europeia, a submissão da Igreja católica aos ditames do poder econômico capitalista foi total. Exemplo conspícuo é justamente o do nosso país, onde o genocídio indígena e a escravatura de milhões de africanos e afrodescendentes fizeram-se – salvo episódica exceção, quanto ao primeiro, pela resistência dos jesuítas no século XVII – com as bênçãos eclesiásticas. Quando a Companhia de Jesus foi expulsa do Brasil, em 1759, ela explorava 17 fazendas de açúcar, bem como sete fazendas de gado com mais de 100 mil cabeças.

No século XX, a moderna cruzada, lançada pelo “mundo livre” contra o perigo comunista, realizou-se com o apoio integral das grandes religiões; sem que os líderes religiosos fizessem quase nenhum reparo crítico à imoralidade da dominação capitalista.

Mas, nesta altura da exposição, o leitor não poderá deixar de se perguntar: – De que modo logrou o poder capitalista a façanha de se impor cabalmente, e no decurso de tão curto período histórico, em praticamente todos os países do globo terrestre?

É o que se tentará explicar a seguir.

O poder ideológico capitalista

Como salientou Max Weber, em nenhuma sociedade o titular do que ele chamou dominação (Herrschaft), isto é, do direito de comandar e ser obedecido, pode satisfazer-se com o fato, puro e simples, da obediência dos subordinados. Ele procura sempre, de uma forma ou de outra, obter a confiança deles, ou seja, alcançar o que se consagrou denominar a legitimidade do poder.38

Pois bem, essa relação de confiança (no sentido mais amplo da palavra) é o que explica a pacífica aceitação de qualquer espécie de poder: político, militar, econômico, familiar ou religioso. O poder puramente fundado na força, que Bertrand Russel denominou “poder nu” (naked Power), não pode subsistir por muito tempo.

Ora, enquanto no mundo antigo, todo voltado para o passado, a confiança inspirada por uma pessoa ou instituição, investida de poder, era fundada na tradição, no mundo moderno, essencialmente inovador, sempre de olhos postos no futuro, essa relação de credibilidade ou aprovação passou a ser, cada vez mais, construída pelo próprio titular do poder. Ou seja, toda organização social dos nossos dias, em grau menor ou maior, deve revestir-se, para subsistir, de uma capacidade de autoafirmação ideológica.

As religiões missionárias foram pioneiras nesse sentido, bastando citar, para ilustração, a Sagrada Congregação de Propaganda Fide, criada pela Igreja católica no século XVII. O exemplo foi escolhido de propósito, pois o termo propaganda passou, no vocabulário político, a ser amplamente utilizado para designar essa atividade programada de suscitar, entre todos de modo geral, e entre os sujeitos ou subordinados em particular, a confiança em relação ao poder proposto ou já estabelecido.

Na Ideologia alemã, Marx sustentou que a classe que aspira à dominação, numa sociedade, é obrigada a apresentar a todos o seu interesse próprio de classe como interesse geral.39 Assim foi com a burguesia e assim deveria ser com o proletariado.

O que o grande pensador não soube ou não era capaz de explicar é que, para realizar esse intento, a classe dominante – ou, no caso dos Estados totalitários, como os Estados comunistas, o estrato burocrático dominante – tem necessidade de criar uma organização de propaganda.

Os líderes capitalistas criaram essa organização, simplesmente concentrando em suas mãos, a partir do início do século XX, sob a forma de um oligopólio empresarial, os mais importantes veículos de comunicação de massa: jornais e revistas, empresas cinematográficas, estações de rádio e televisão. Agora, o próximo passo é adquirir o controle dos principais provedores de internet.

Seguindo a tendência inelutável do poder capitalista, essa organização ideo-lógica privada sofre um processo contínuo de concentração de capital e de expansão geográfica.

Nos Estados Unidos, a pressão neoliberal logrou revogar em 1996 a lei de 1934, que estabelecia limites na concentração de controle empresarial desses veículos. No mesmo sentido, em 2003 a Federal Communications Commission eliminou as proibições então existentes para a participação cruzada no capital das empresas do setor. O resultado não se fez esperar: enquanto em 1983 havia no mercado de comunicação de massa 50 empresas de médio porte, hoje esse é dominado por apenas cinco macroempresas.40

No Brasil, assistimos ao mesmo fenômeno. Quatro grandes redes dominam quase todo o mercado nacional de televisão: a Globo controla 340 empresas; o SBT, 195; a Bandeirantes, 166; e a Record, 142.

Como exemplo de expansão geográfica do poder ideológico capitalista, basta citar News Corporation, criada por Rupert Murdoch na Austrália, e que a partir de 1981 passou a controlar empresas de comunicação de massa nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha e na Ásia.

O método capitalista de autopropaganda foi inspirado na publicidade comercial, e se reveste das mesmas características: convencer o público não pela razão, mas pelos sentimentos; caprichar na aparência das mensagens, sem grandes explicações sobre o seu conteúdo; insistir em que a aceitação do que é proposto não demanda grandes esforços nem custos ingentes, e somente produz benefícios, ao contrário do que propõem os concorrentes.

Com a aplicação mundial desse método propagandístico, o capitalismo logrou um feito sem dúvida inédito na história: o poder efetivo permaneceu oculto. O grande princípio ético, por ele apresentado a todo tempo e de mil maneiras, é a liberdade. O Estado deve ser reduzido ao mínimo possível, pois a sua existência significa, em si mesma, uma mutilação da liberdade privada.

Na verdade, a única liberdade que o capitalismo procura preservar é a empresarial. Caso essa seja mantida, todas as demais podem e mesmo devem, conforme as circunstâncias, ser suprimidas. Foi o que se cansou de ver na América Latina, com a multiplicação de regimes autoritários, estreitamente associados ao empresariado capitalista.

 Em famosa conferência pronunciada no Ateneu Real de Paris em 1819,41 salientou Benjamin Constant, sem mencionar minimamente o sistema capitalista, a oposição radical entre o mundo antigo e o mundo moderno no tocante à liberdade.

Mostrou que, no mundo greco-romano, os indivíduos, embora soberanos em quase todos os assuntos públicos, eram escravos em todas as relações privadas. Como cidadãos, eles decidiam nas assembleias populares a guerra e a paz; como particulares, porém, eram observados, coarctados e reprimidos em quase todos os seus movimentos. Como membro do corpo coletivo, o indivíduo interpelava, destituía, julgava, confiscava, exilava e condenava à morte os governantes; mas como particular, podia ser interditado, banido, considerado indigno de ocupar cargos públicos, ou condenado à morte pela vontade discricionária da assembleia do povo, da qual fazia parte.

Tal situação, frisou Benjamin Constant, contrasta vivamente com a realidade do mundo moderno. Na modernidade, o indivíduo, independente em sua vida privada, já não é, mesmo nos Estados que mais prezam a liberdade, soberano senão na aparência. Sua soberania é sempre restrita, frequentemente suspensa. Repetindo Rousseau sem o citar,42 assinalou que se o indivíduo, em épocas determinadas, mas pouco frequentes, exerce essa soberania, sempre cercado de todos os limites e precauções, é somente para abdicá-la.

Dessa verificação histórica, concluiu Benjamin Constant que o homem moderno já não pode gozar da liberdade dos antigos, isto é, da participação ativa e constante no exercício do poder coletivo. A liberdade moderna nada mais é do que a fruição tranquila da “independência privada”. O objetivo dos antigos era a partilha do poder social entre todos os cidadãos de uma mesma pátria. Era o que eles denominavam liberdade. O objetivo dos modernos, diferentemente, é de garantir a todos o gozo das liberdades privadas. “A independência indivi-dual é a primeira das necessidades modernas. Em conseqüência, não se deve nunca sacrificá-la, a fim de estabelecer a liberdade política.”

Mas, concluiu ele, o grande perigo da liberdade moderna é que, absorvidos, como estamos, na fruição de nossa independência privada e na busca incessante de nossos interesses particulares, acabamos por renunciar ao nosso direito de participar do poder político. “Os depositários da autoridade”, advertiu ele, não deixam nunca de nos exortar a tomar essa decisão. Eles estão sempre dispostos a nos poupar toda espécie de incômodo, exceto o de obedecer e de pagar! Eles nos dirão: “Qual é, no fundo, a finalidade de seus esforços, o motivo de seus trabalhos, o objeto de todas as suas esperanças? Não é a felicidade? Pois bem, deixem conosco essa tarefa: nós lhes daremos a felicidade”.

Pois é exatamente esse o mote de toda a propaganda que o capitalismo faz de si mesmo: confiem em nós, deixem conosco a única coisa que importa na vida, a felicidade; nós somos os únicos capazes de fazer o mundo inteiro feliz!

Arremate: a necessária construção do pós-capitalismo

A grande crise financeira mundial que eclodiu em 2008 veio demonstrar que a civilização capitalista apresenta claros sintomas de esgotamento. Desde 1980, a parte correspondente aos rendimentos de capital na formação do produto mundial não cessa de aumentar, enquanto a dos rendimentos do trabalho, assalariado ou autônomo, continua a decrescer. O aumento do desemprego em âmbito mundial, provocado pela mencionada crise, ainda não manifestou sinais de reabsorção. Quase que instantaneamente vimos reproduzida, no interior de cada país, a fratura aberta no plano internacional entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos.

O novo sistema de transnacionalidade empresarial, aliás, muito tem contribuído para tanto, ao promover grandes deslocamentos de empresas, dos antigos países desenvolvidos para os novos países ditos “emergentes”. Além disso, ele faz que uma empresa dominante, com sede em determinado país, estabeleça relações de senhorio e servidão com outras em várias partes do mundo, obrigando as empresas servas a operar em sistema de dumping social e negação dos mais elementares direitos trabalhistas.

Ao mesmo tempo, nessa fase de hegemonia incontrolada do capitalismo financeiro, verifica-se, no mundo todo, uma inquietante redução dos investimentos produtivos, em relação ao total das riquezas produzidas.

Todos esses fatos compõem o quadro típico de uma verdadeira crise, no original sentido hipocrático do termo: o momento exato em que o olhar experiente do médico observa uma mudança súbita no estado do paciente, para o bem ou para o mal; o instante em que se declaram, nitidamente, os sintomas da moléstia, permitindo o diagnóstico e o prognóstico.

A exposição que ora se conclui não tem outro intuito senão o de suscitar, por parte dos mais doutos e experientes, no meio acadêmico e fora dele, o trabalho coletivo de construção de um modelo de civilização pós-capitalista. Para tanto, é preciso suscitar uma nova mentalidade coletiva e criar novas instituições sociais, uma e outras intimamente associadas; advertindo-se que, enquanto a mudança de mentalidades é, sobretudo, um trabalho de educação coletiva, a mudança de instituições sociais pressupõe a montagem de uma nova estrutura de poderes.

Ora, como o capitalismo é a primeira civilização mundial surgida na história, o pós-capitalismo aponta, necessariamente, para a construção de uma sociedade política do gênero humano, com base em três princípios fundamentais: 1) o princípio republicano, com predominância absoluta do bem comum sobre os interesses particulares; 2) o princípio democrático, assegurando-se ao conjunto dos povos a titularidade do poder soberano; e 3) o princípio do Estado de Direito, por força do qual todos os poderes, incluindo o soberano, são necessariamente limitados, submetendo-se o seu exercício aos ditames do sistema universal de direitos humanos.

 

Notas

1 Grammaire des civilizations (Paris: Arthaud; Flammarion, 1987, p.53 ss.).

2 A saber, Marc Bloch e Lucien Febvre, fundadores; na geração seguinte, Georges Duby, Fernand Braudel e Jacques Le Goff.

3 Paris: Quadrige, s. d. (7.ed.), p.46.

4 Veja-se, a propósito, o artigo de Georges Duby, Histoire des Mentalités, em L’Histoire et ses Méthodes, Encyclopédie de La Plêiade (Paris, 1961, p.937 ss.).

5 Veja-se o seu alentado estudo, Mythe et épopée I, II, III (Paris: Gallimard).

6 “Renuntiatum est nobis esse homines, qui novum genus disciplinae instituerunt… Haec nova, quae praeter consuetudinem ac morem maiorum fiunt, neque placent neque recta videntur.”

7 Trata-se de um manuscrito não autógrafo, comportando vários retoques, que se encontra registrado sob n.14192 na Biblioteca Nacional da França. Ele foi meticulosamente analisado por Claude Carozzi em tese defendida em 1972 na Universidade de Paris (Le “Carmen ad Rodbertum regem” d’Adalbéron de Laon, traduction et essai d’explication), citada por Georges Duby em Les trois ordres ou l’imaginaire du féodalisme (Paris: Gallimard, 1978. Bibliothèque des Histoires).

8 Sobre a Magna Carta, promulgada por João Sem-Terra em 1215, sob pressão dos barões ingleses, permito-me reenviar o leitor às considerações que expendi em A afirmação histórica dos direitos humanos (7.ed., São Paulo: Saraiva, cap.1).

9 Die protestantische Ethik und der “Geist” des Kapitalismus, 1904-1905.

10 Citado por Jacques Le Goff, em Marchands et banquiers du Moyen Age (4.ed., Paris: Presses Universitaires de France, 1969, p.83).

11 Das Prinzip Verantwortung (Suhrkamp, 1984).

12 Ética – Direito, moral e religião no mundo moderno (2.ed., São Paulo: Cia. das Letras, 2008, Parte I, cap.1).

13 Cf. o estudo clássico de Henri Pirenne, Histoire economique et sociale du Moyen Age (Paris: Presses Universitaires de France, 1963, cap.II).

14 Faubourg, em francês.

15 Cf. Régine Pernoud, Les origines de la bourgeoisie (4.ed., Paris: Presses Universitaires de France, 1969, p.25/26).

16 Cf. Jacques Le Goff, La civilisation de l’Occident Médiéval (Paris : Arthaud, 1967, cap.IX).

17 Apud Jacques Le Goff, Marchands et banquiers du Moyen Age (op. cit., 1969, p.84-5).

18 Cf. Darcy Ribeiro, O povo brasileiro – A formação e o sentido do Brasil (São Paulo: Cia. das Letras, 1995, p.210 ss.).

19 “It is not from the benevolence of the butcher, the brewer, or the baker that we expect our dinner, but from their regard to their own interest. We address ourselves, not to their humanity but to their self-love, and never talk to them of our own necessities but of their advantages” (The Wealth of Nations, livro I, cap.II).

20 Max Weber (op. cit., p.63).

21 Mateus 25, 14-30.

22 Cf. C. R. Boxer, The Portuguese Seaborne Empire 1415-1825 (Carcanet, 1991, p.333).

23 Segundo Pereira e Souza, citado por Candido Mendes de Almeida (Código Philippino, 14.ed., Rio de Janeiro, 1870, nota 3 ao Título CXXXVIII do Livro V), eram consideradas vis, no antigo Direito Português, as seguintes penas: a forca, as galés, a mutilação de membros, os açoites, a marca nas costas e o baraço com cadeia no pescoço, chamado baraço-pregão.

24 Sobre isso, cf. António Manuel Hespanha, As vésperas do Leviathan – Instituições e poder político, Portugal séc. XVII (Coimbra: Livraria Almedina, 1994, p.312 ss.). No Brasil, Raymundo Faoro desenvolveu o tema em seu Os donos do poder (3.ed. rev., Rio de Janeiro: Globo, 2001).

25 Cf. J. Lúcio de Azevedo, Épocas de Portugal Económico (4.ed. Lisboa: Livraria Clássica Editora, s. d., passim e especificamente p.111).

26 Cf. C. R. Boxer, The Golden Age of Brazil 1695-1750 (University of California Press, 1962, cap.V); Stuart B. Schwartz, Sovereignty and Society in Colonial Brazil (University of California Press, 1973, p.194/195).

27 J. Lúcio de Azevedo (op. cit., s. d., p.82).

28 José Murilo de Carvalho, I A Construção da Ordem, II Teatro de Sombras (2.ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ; Relume Dumará, s. d., p.99 e 237).

29 Jacques Le Goff, Marchands et banquiers du Moyen Age (op. cit., 1969, p.81).

30 Cf. A. Berle e G. Means, The Modern Corporation and Private Property. Sobre o assunto, veja-se Fábio Konder Comparato e Calixto Salomão Filho, O poder de controle na sociedade anônima (5.ed., Rio de Janeiro: Forense, 2008).

31 Cf., a esse respeito, as considerações de Fustel de Coulanges, em sua obra clássica La Cité Antique (Livro I, cap.II).

32 Hans De Waal, A era da empatia (São Paulo: Cia. das Letras, 2009, cap.2).

33 Sobre o controle externo na sociedade anônima, cf. Fábio Konder Comparato e Calixto Salomão Filho (op. cit., 2008, cap.III).

34 O capital (livro 1ª, cap.13º).

35 A expressão, como sabido, corresponde ao título da obra já clássica de J. Huizinga, publicada na Holanda em 1919.

36 Cf. Eric Hobsbawm, The Age of Empire: 1875-1914 (New York: Vintage Books, 1989).

37 Dados coletados pelo Stockholm International Peace Research Institute.

38 Wirtschaft und Geselschaft (5.ed., Tübingen: J.C. Mohr-Paul Siebeck, 1972, p.122).

39 Karl Marx, Friedrich Engels, Werke, tomo 3, editadas pelo Institut für Marxismus-Leninismus beim ZK der SED (Berlim: Dietz Verlag, 1958, p.32/33).

40 São elas: Time Warner, Viacom, Vivendi Universal, Walt Disney e News Corp.

41 De la liberté des Anciens comparée à celle des Modernes.

42 Cf. Du contrat social (Parte II, cap.5º).

Fábio Konder Comparato é professor titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, doutor honoris causa da Universidade de Coimbra e doutor em Direito pela Universidade de Paris.  @ – fkcomparato@gmail.com

Estudos Avançados
versão impressa ISSN 0103-4014
Estud. av. vol.25 no.72 São Paulo  2011
http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142011000200020

EcoDebate, 09/02/2012

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Alexa

One thought on “Capitalismo: civilização e poder, artigo de Fábio Konder Comparato

  • Admirável trabalho, Fábio Konder Comparato. Parabéns.

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