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Artigo

Uma pequena introdução antroposófica ao meio ambiente, artigo de Roberto Naime

 

[EcoDebate] A Antroposofia deriva do grego “conhecimento do ser humano” e foi introduzida no início do século XX pelo austríaco Rudolf Steiner, podendo ser caracterizada como um método de conhecimento da natureza do ser humano e do universo, que amplia o conhecimento obtido pelo método científico convencional, bem como a sua aplicação em praticamente todas as áreas da vida humana.

Ela engloba todas as dimensões do ser humano, sendo notáveis sua contribuição na farmacologia e na agricultura.

Todos os medicamentos antroposóficos são obtidos da natureza, a partir de substâncias minerais, vegetais ou animais. Não há medicamento antroposófico sintético, embora o médico antroposófico recorra aos chamados medicamentos alopáticos quando necessário. Tampouco se concebe um medicamento antroposófico obtido de uma planta geneticamente modificada, ou que em seu processo de cultivo foram usados agrotóxicos, fertilizantes químicos ou herbicidas sintéticos.
A razão é simples: os processos normais ou doentios que ocorrem no organismo humano encontram na natureza algum processo correlato ou oposto. De acordo com cada caso, a medicina antroposófica indicará um medicamento para estimular no ser humano uma reação que levará à cura ou alívio da enfermidade. O fundamental no medicamento antroposófico é que ele estimula as forças autocurativas do organismo.

Este conceito tem analogia direta com a ideia de RESILIÊNCIA, que é a capacidade autoregenerativa da natureza. Sempre que a resiliência natural é ultrapassada, a natureza precisa de auxílio antrópico para sua regeneração.

Entre um mineral natural e um derivado de uma reação química sintética, ainda que ambos tenham a mesma composição, faz com que o mineral natural será o escolhido para compor um medicamento antroposófico justamente porque ele trará consigo todo o seu processo natural que culminou na substância.

Isso significa que existe um cuidado especial com tudo o que cerca o futuro medicamento. A prata, mineral de grande aplicação terapêutica na medicina antroposófica, é dinamizada de acordo com a fase da lua, pois existe uma clara influência deste astro com o metal já demonstrada em diversos experimentos científicos.

Oficialmente, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), reconhece os medicamentos antroposóficos como uma categoria de medicamentos dinamizados. Portanto, existe uma identidade própria de tais remédios no Brasil.

O movimento da Agricultura Biodinâmica nasceu em 1924. O impulso da Agricultura Biodinâmica se inspira na visão holística da Antroposofia, tendo como conseqüência natural a renovação do manejo agrícola, o saneamento do meio ambiente e a produção de alimentos realmente condignos ao ser humano.
Esse impulso quer devolver à agricultura sua força original criadora e fomentadora cultural e social, força que ela perdeu no caminho da industrialização direcionada à monocultura e da criação em massa de animais fora do seu ambiente natural.

A Agricultura Biodinâmica quer ajudar aqueles que lidam no campo a vencer a unilateralidade materialista na concepção da natureza, para que eles possam, cada um por si mesmo, achar uma relação espiritual/ética com o solo, com as plantas e os animais e com os coirmãos humanos.

A Biodinâmica quer lembrar todos os seres humanos que a agricultura é o fundamento de toda cultura e tem relação com todas as dimensões da vida.

O fundamento para tal é a integração de todos os elementos ambientais agrícolas, tais como culturas do campo e da horta, pastos, fruticulturas e outras culturas permanentes, florestas, sebes e capões arbustivos, mananciais hídricas e várzeas. Caso o organismo agrícola ordene-se em torno desses elementos, nasce uma fertilidade permanente e atinge-se a saúde do solo, das plantas, dos animais e dos seres humanos através do equilíbrio dos elementos.

Adubar na biodinâmica significa, portanto, aviventar ou vivificar o solo e não simplesmente fornecer nutrientes para as plantas. Na Agricultura Biodinâmica não se usam adubos nitrogenados minerais, pesticidas sintéticos, herbicidas, hormônios de crescimento. A concepção do melhoramento biodinâmico dos cultivares ou das raças está em irrestrita oposição à tecnologia transgênica. A ração para os animais é produzida no próprio sítio ou fazenda e a quantidade dos animais mantidos está em relação com a capacidade natural da área ocupada.

O agricultor biodinâmico está empenhado em fazer somente aquilo pelo qual ele mesmo pode responsabilizar-se, o que serve ao desenvolvimento duradouro da “individualidade agrícola”. Uma renovação desta natureza desperta o interesse das pessoas que vivem nas cidades. Em mais de 50 países a Agricultura Biodinâmica é praticada ao serviço do cultivo do meio ambiente e alimentação saudável do ser humano. Para o desenvolvimento da agricultura e da cultura em geral no Brasil será de maior significação, achar personalidades suficientes que tenham a coragem e a força de iniciativa de se colocar ao serviço dessa renovação da agricultura.

Afinal todo mundo sabe ou pensa saber o que é meio ambiente. As respostas mais comuns seriam que meio ambiente é tudo que nos cerca. Ou meio ambiente são as plantas e os pássaros. Mas meio ambiente pode ser melhor definido como um conjunto de relações entre os meios físico, biológico e antrópico.
O meio ambiente é assim. É intangível. Não dá pra gente tocar e pegar. Tocar numa pedra, na água ou no solo é tocar num elemento ambiental do meio físico. Tocar uma planta, um animal, é tocar num elemento do meio biológico. Tocar numa plantação, num produto industrializado ou num depósito de resíduos sólidos (lixo) é tocar num elemento do meio antrópico ou sócio econômico.

Os principais constituintes do meio físico são as rochas, solos, águas superficiais e subterrâneas, geomorfologia e climas. No meio biológico, os constituintes são a flora e a fauna. E no meio antrópico ou sócio econômico são todas as atividades do homem, nos setores primário, secundário, terciário e até quaternário, conforme os autores mais modernos.

Mas afinal o que são as relações? Quando alguém preserva um bioma, protegendo, evitando incêndios, impedindo caça e pesca predatórias, está construindo um tipo de relação com o bioma. Quando alguém vai lá e incendeia um pedaço de cerrado está estabelecendo uma outra relação entre o homem e o bioma.
Biomas que são constituídos por elementos físicos e biológicos além do antrópico, que interagem entre si dentro de uma relação sistêmica hierarquizada por vários fatores.

Portanto meio ambiente não são apenas as flores e as borboletas que muito nos sensibilizam e das quais muito gostamos. Mas meio ambiente são as relações. E meio ambiente é um conceito antropocêntrico. São as conseqüências de todas as relações entre os meios que são produzidas pelo homem e que podem impactar a própria espécie humana.

Não há sentido no conceito de meio ambiente que não inclua o homem como o centro das motivações, afinal para que serviria um mundo totalmente preservado e em equilíbrio sem a presença do homem? Neste caso nem mesmo a expressão meio ambiente teria sido inventada.

Todas as concepções existentes para justificar abordagens ambientais merecem respeito e consideração. Mas a visão holística e integrativa da antroposofia guarda muita analogia com a visão necessária para entender o conjunto de relações entre meios físico, biológico e antrópico que constitui a noção de meio ambiente.

A concepção de resiliência tem analogia direta com a ideia de auto-cura e auto-regeneração que guarda extrema coerência com o conceito de Tecnógeno do geólogo russo Ter Stepaniam. Tecnógeno é uma fase da vida da humanidade sobre a terra, onde a ação humana (antropogênica ou de engenharia) é hegemônica sobre as ações geológicas, químicas e biológicas.

O tecnógeno é então uma ciência voltada para o futuro, preocupada em acompanhar as mudanças ambientais e risco naturais devido à lenta ação de fatores imperceptíveis, que são gerados pela atividade tecnogênica do homem. Guarda implícito o conceito de que a resiliência dos meios naturais foi ultrapassada. Ou traduzindo, que a capacidade de auto-recuperação dos ecossistemas e dos sistemas em geral, não consegue mais agir para voltar ao estado anterior a um impacto ambiental sozinha. Precisa da ajuda do próprio homem que gerou o impacto ambiental.

Fazendo uma comparação com uma borrachinha de dinheiro usada pelos bancos, podemos entender assim: a gente espicha a borrachinha e enquanto ela não rebenta e volta ao normal quando a gente pára de espichar, a resiliência não foi ultrapassada. Quando a borrachinha rebenta, quer dizer que a resiliência ou capacidade de auto-regeneração do sistema foi ultrapassada.

Da mesma forma os conceitos técnicos de avaliação de impactos ambientais guarda extrema analogia com os conceitos básicos de visão holística e integrada da antroposofia.

A idéia de impacto ambiental é simples. Se por exemplo, antes da instalação de uma pedreira o nível de particulados no ar é de 1 grama por unidade volumétrica e depois da instalação da pedreira sobe para 5 gramas por unidade volumétrica, este incremento de 4 gramas por unidade volumétrica no nível de particulados no ar, constitui um impacto ambiental.

Ou seja, não podemos conceber uma pedreira apenas como fonte de obtenção de brita, temos que considerar os demais efeitos que pode produzir dentro de um contexto holístico e integrador.

Impacto este que é produzido pela ação antrópica, isto é do homem, atinge o próprio homem e altera para pior as condições de qualidade de vida das populações, caso da maioria dos impactos ambientais que são conhecidos e descritos.

Existem tres tipos de medidas para controlar os impactos ambientais: a mitigação (que é a diminuição do efeito do impacto), a atenuação (que é a diminuição do próprio impacto) e a compensação (quando não se pode evitar um impacto, como desmatamento para construir uma estrada, se cria uma área de reserva florestal para compensar aquela que será desmatada).

No caso do aumento dos particulados no ar, por causa da instalação de uma pedreira, existe uma solução simples: a instalação de filtros para evitar a disseminação dos particulados. Da mesma forma isto inclui uma visão antropocêntrica ou antroposófica, não adianta implantar a pedreira apenas para obter brita, é preciso considerar a qualidade de vida das pessoas também.

Neste momento entra a visão financeira que argumente que isto encarece o empreendimento da pedreira. A sociedade como um todo deve optar. Ou aceita a contabilidade sócio-ambiental ou antroposófica, visando agregar aos empreendimentos os custos pela proteção ambiental, que nada mais é do que a compatibilização das iniciativas humanas com as características dos meios físico e biológico. Ou aceita ficar pagando os custos sociais, principalmente na área da saúde, pela crescente e contínua degradação ambiental.

Trazer o conhecimento técnico de forma desmistificada e acessível é o objetivo destas reflexões. As opções diante das questões que se colocam são opções que a sociedade precisa fazer e a analogia da visão antroposófico com a concepção antropocêntrica do meio ambiente tem analogias e evidências praticamente inquestionáveis.

Dr. Roberto Naime, colunista do EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.

EcoDebate, 05/10/2011

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