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Especialistas discutem na USP estratégias para que a Rio+20 adote a Carta das Responsabilidades Universais

 

Debater como as demandas da sociedade civil podem ser não apenas ouvidas, mas acolhidas e adotadas na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável – a Rio + 20, que será realizada no Rio de Janeiro em junho de 2012 –, foi um dos objetivos do Seminário Rumo à Rio + 20: Ética e Responsabilidades por uma Nova Governança. O encontro, promovido pelo Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP e pela franco-suíça Fundação Charles Léopold Mayer para o Progresso Humano (FPH), foi realizado no dia 20 na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP. Após a primeira mesa de debates, o ex-primeiro-ministro francês Michel Rocard proferiu uma conferência para uma plateia que incluía, além de professores, alunos e representantes de diversas entidades e movimentos, o senador Eduardo Suplicy (PT-SP).

Os palestrantes fizeram vários alertas sobre o que consideram desafios e perigos que rondam a Rio + 20, cujo nome faz referência aos 20 anos da Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio 92. O engenheiro Rubens Born, coordenador executivo adjunto do Instituto Vitae Civilis, lembrou que o encontro de 1992 abriu um grande ciclo de conferências promovidas pela ONU sobre temas cruciais como direitos humanos, racismo, situação das mulheres, demografia etc. Para ele, na Rio + 20 estarão em pauta os compromissos de todas as conferências, não só os de 92. Born considera que tentativas como as chamadas 8 Metas do Milênio, espécie de síntese dos encontros globais, “são válidas, mas insuficientes”.

“Não é só definir uma nova carta, mas ter os meios para que as metas sejam efetivamente cumpridas, tanto os meios de implementação quanto os de governança. O que fazer já foi identificado. Falta criar instrumentos para que os Estados saiam da fase esquizofrênica e hipócrita”, afirma. Um exemplo, no cenário global, é a ameaça do desaparecimento de ilhas como Tuvalu e as Maldivas pelo aumento de nível das águas, que deixa várias questões em aberto: onde essas populações buscarão novos territórios para reconstituir seu país? Outros países vão ceder parte de seu território? Como fica a governança nessas regiões?
Com a experiência de quem já participou de 12 edições das Conferências das Partes da Convenção Quadro de Mudanças de Clima (COP), inclusive as de Kyoto (1997) e Copenhague (2009), Born afirma que nas últimas décadas a sociedade formou diferentes alianças e redes que tratam de muitos temas relacionados a ambiente e desenvolvimento sustentável. “O grande desafio da Rio + 20 é ir além desses avanços e tentar desfragmentar essas redes”, diz.

Soberania – Para Pierre Calame, presidente da FPH, o fracasso está no horizonte da Rio + 20, mas ainda é tempo de reverter essa perspectiva. Uma das razões de seu temor é que a conferência está agendada a meio caminho entre duas reuniões do G-20, e o que preocupa os governos são os calotes da Grécia e da Itália e a urgência da retomada do crescimento econômico. É a sociedade brasileira que deve pressionar para que a Rio + 20 não enverede para o malogro, diz.

Calame afirma que “falta uma alavanca para a grande transição”. Entre as contradições da atualidade, está o fato de que a aceleração da globalização aumentou a interdependência das sociedades entre si e entre sociedades e meio ambiente. Porém, quanto mais a globalização avança, mais os governos querem se agarrar a sua ideia de soberania. “De que soberania nacional podemos falar se ela é cheia de buracos?”, pergunta, referindo-se aos solavancos que as corporações econômicas globais podem causar nos mais diferentes países ao mesmo tempo.

A consciência da interdependência e da necessidade de criar mecanismos globais de governança deve levar os Estados a renunciar a parte de sua soberania nacional, defende Calame. “Os governos não são senhores absolutos de seus recursos”, diz. É preciso criar valores comuns em torno da salvação do planeta, uma vez que os diferentes povos não têm o mesmo passado ou a mesma fé. Estabelecer essa comunidade mundial, visando a uma governança global, é necessário inclusive para que os direitos proclamados em cartas e declarações das conferências da ONU possam ser realmente exercidos. “Temos declarações que garantem o direito a habitação, a emprego etc. Mas a quem acusar e em que tribunal? A quem recorrer?”, questiona.

Conceitos – A holandesa Edith Sizoo, do Programa Internacional Ética e Responsabilidades, considera que “há um acúmulo de crises em nosso século: a ecológica, a social, a financeira, a de esperança etc”. “Sozinhos, os governos não são capazes de dar respostas a elas, nem o mundo empresarial, nem as instituições religiosas, nem a sociedade civil”, diz.

Ao longo dos últimos anos, iniciativas de diversos movimentos levaram à formulação da Carta das Responsabilidades Universais, que as organizações envolvidas querem ver discutida e aprovada na Rio + 20. O texto propõe que cada ser humano e todos em conjunto “têm uma corresponsabilidade para com os outros, com a comunidade próxima e distante, e para com o planeta, na proporção de seus haveres, de seu poder e do saber de cada um”. Edith lembra que, enquanto conceitos como democracia, direito e governança podem ter significados diferentes em distintas culturas, a noção de responsabilidade é universal – ela está presente em cada pai e mãe em relação a seus filhos, pondera.

As discussões sobre a Rio + 20 vão continuar na USP até a realização da conferência. “A Universidade quer ser parte importante desse processo, dentro de seu âmbito de atuação, criando espaço para o debate de diferentes posições”, diz a professora Maria Hermínia Tavares de Almeida, diretora do IRI.

Mais informações sobre a Carta das Responsabilidades Universais podem ser solicitadas pelo e-mail carta.responsabilidades@gmail.com.

Rocard defende reabilitação da ONU

Primeiro-ministro da França entre 1988 e 1991 e atualmente deputado no Parlamento Europeu, do alto de seus 81 anos Michel Rocard está envolvido na elaboração da Carta das Responsabilidades Universais e defende que apresentá-la na Rio + 20 fará com que os representantes dos governos não fujam do debate e da decisão sobre suas propostas. “O fracasso está no horizonte, mas o Brasil tem a possibilidade que outros países não têm de colocar na pauta as questões sobre interdependência e responsabilidades”, afirma. O que dá essa autoridade ao País? Entre outros fatores, diz Rocard, o Brasil é “um Estado jovem, audacioso, não-nuclear, objeto de pouca desconfiança e com um passado de colonizado, não de colonizador”.

Rocard também é favorável à renúncia de parte da soberania pelos Estados. “Antes a soberania nacional tinha aspectos positivos, como dar possibilidades de desenvolvimento da civilização e estabelecer noções de igualdade e direitos humanos. Hoje ela impede o progresso comum”, diz. A poluição não respeita fronteiras, o capital financeiro opera globalmente, argumenta, e a antiga noção de soberania já não é mais competente para dar conta dos problemas. Para Rocard, é preciso criar mecanismos que impeçam que Estados individuais se oponham a decisões sobre questões globais. Também é necessário criar fundamentos jurídicos para impor sanções pela não-aplicação dos compromissos assumidos.

O caminho, de acordo com o ex-primeiro-ministro, é reabilitar a ONU como mecanismo de governança global. “A busca do consenso levou à criação da Liga das Nações depois da Primeira Guerra Mundial e das Nações Unidas após a catástrofe dos 50 milhões de mortos na Segunda, o que me leva a aconselhar que não procuremos um novo consenso nesses termos e nos contentemos com o que já possuímos, a ONU”, defende.

Reportagem de Paulo Hebmüller, no Jornal da USP, publicada pelo EcoDebate, 30/09/2011

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