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Artigo

Hospital de guerra, artigo de Montserrat Martins

 

[EcoDebate] “Parece um hospital de guerra”, é a descrição que ouvi de um saguão de emergência hospitalar, no qual os profissionais “fazem o que podem com o que tem”. Mas não vamos descrever o sofrimento das pessoas, vamos tentar decifrar o que pensam sucessivos governos sobre a saúde (problema que não é só nosso, países ricos como Canadá e Estados Unidos não tem sequer um modelo de saúde pública semelhante ao SUS). O governo federal diz que a Emenda 29 não resolve tudo, o que é verdade, pois depende também de gestão. Um estudo feito no Rio Grande do Sul mostra que os hospitais públicos gastam 3 vezes mais (proporcionalmente) que as Santas Casas.

Pacientes e familiares, que sofrem o drama, pressionam os municípios pelo atendimento. Por isso os municípios, que gastam em média cerca de 22% em saúde, querem a aprovação da Emenda 29, segundo a qual a União deve destinar 10% da sua receita em impostos para a saúde, os Estados 12 % e os municípios 15%. Está em construção o hospital na Restinga (um dos bairros mais populosos da Capital) ao mesmo tempo em que se constata o desperdício de equipamentos em um hospital novo, no norte do Estado, onde jamais foi inaugurada a sala de cirurgias. A esperança de resolver o problema da saúde em um local esbarra em questões que não são individuais, mas estruturais. Alguns hospitais já fecharam e muitos correm o risco de fechar, como alertam os filantrópicos, que hoje são 239 no Estado e atendem 75% da população do SUS

Os locais que melhor atendem – como a Santa Casa e o Instituto de Cardiologia, em Porto Alegre – tem recebido verbas privadas para sua manutenção, seja através de convênios ou doações de empresas. O motivo é claro: o que o SUS remunera corresponde a apenas 60 a 70 % dos custos que eles tem com os pacientes, segundo cálculos dos hospitais, portanto atender ao SUS é deficitário. Por isso é que, para não fecharem as portas, os 239 hospitais filantrópicos – neste plelito apoiados pela FAMURS – pedem ajuda emergencial ao Governo do Estado, no valor de 100 milhões. Sendo o SUS um sistema público, supõe-se que seria bem administrado pelo Estado, mas aí vem outra constatação, de que seus custos são maiores nos hospitais públicos. Um Grupo Hospitalar de Porto Alegre, que consome 25 % dos recursos do SUS, atende cerca de 8% desta população, em contraste com as catorze Santas Casas gaúchas que atendem 20 % dos pacientes do SUS com gastos inferiores a este percentual – ou seja, pelo menos 3 vezes menos que o SUS administrado pelo próprio Estado.

Os médicos preferem trabalhar na rede privada, pois ganham duas a três vezes menos na rede pública, segundo dados do SIMERS, o sindicato médico. Mas a vida dos pacientes dos convênios também não é tão fácil quanto poderia parecer, pois estes dificultam o acesso aos exames, para conter custos, não os autorizando ou os postergando a ponto de não atender às situações de emergência. O que se volta novamente contra o SUS, pois exames emergenciais negados pelos convênios acabam sendo pedidos através deste (restando ao Ministério da Saúde cobrar ressarcimento dos planos de saúde).

Indicadores comprovam que países que investiram em Educação tiveram maior desenvolvimento econômico, um consenso internacional que precisa ser colocado em prática no país. Mesmo com os próprios economistas defendendo a idéia, ainda estamos longe dela ser concretizada no Brasil, onde recém constatamos que 44 % das crianças concluem o 3º ano sem saber ler. O clamor pela Educação, há várias décadas, ainda não resultou em mudanças efetivas. O clamor pela Saúde, então, parece ainda mais longe de sensibilizar as autoridades. O CPMF, que havia sido criado para ser aplicado na saúde, foi para o caixa único do governo.

Pois se Educação já é vista como investimento (primeiro passo para se tornar prioridade de fato), Saúde continua sendo percebida apenas como despesa.

Montserrat Martins, colunista do EcoDebate, é Psiquiatra.

EcoDebate, 02/09/2011

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