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Estudo investiga relação entre o uso de antipsicóticos e dependência química

A esquizofrenia, que atinge cerca de 1% da população mundial, caracteriza-se por uma grave desestruturação psíquica, em que a pessoa apresenta dificuldades para distinguir pensamentos reais de fictícios, como delírios e alucinações. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a doença está entre as principais causas de perda da qualidade de vida de pessoas entre 15 e 44 anos.

Marinete Pinheiro Carrera, professora da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf), acredita haver uma relação entre esquizofrenia e dependência química, e desenvolve, com recursos da FAPERJ, um estudo que busca entendê-la. Segundo a pesquisadora, o projeto partiu da observação de que cerca de 60% dos pacientes esquizofrênicos, durante ou após o tratamento, se tornam dependentes de drogas, como a cocaína e a anfetamina. “Nossos resultados preliminares sugerem que a administração prolongada de alguns antipsicóticos usados no tratamento da esquizofrenia leva à supersensibilização dos receptores de dopamina, favorecendo a sensibilização comportamental, que está ligada ao início e à permanência da dependência química”, diz.

Marinete explica que a hipótese de uma relação entre esquizofrenia e dependência química surgiu ao perceber que os dois processos atuam no sistema da dopamina – um neurotransmissor que funciona em diferentes vias cerebrais. Em doses normais, a dopamina promove sensação de prazer e sensação de motivação. Já o aumento ou uma redução em sua concentração podem levar, respectivamente, ao desenvolvimento de manias e à depressão. “O abuso de drogas aumentam a concentração de dopamina no cérebro. Enquanto a esquizofrenia está associada a um desequilíbrio das concentrações desse neurotransmissor, em suas diferentes vias”, prossegue.

Para a pesquisadora, a questão seria entender se essa relação está ligada à doença em si ou aos antipsicóticos usados no seu tratamento, visto que estes também interferem no sistema dopaminérgico. Formada em Farmácia, com mestrado e doutorado na área de fármacos aplicados à psicobiologia, pela Universidade de São Paulo (USP), Marinete explica que os antipsicóticos atuam como bloqueadores de receptores de dopamina. Contudo, quando utilizados por longo período, o organismo, para compensar o bloqueio, aumenta a sensibilidade dos receptores (supersensibilização), que passam a ter maior capacidade para se ligar à dopamina.

“Esse processo, uma vez desenvolvido, deixaria o cérebro mais sensível à ação da dopamina e é sabido que as drogas atuam exacerbando a ação dopaminérgica no sistema nervoso central, o que provoca a sensibilização comportamental. Este fenômeno, que é caracterizado pelo aumento progressivo dos efeitos da droga quando a mesma dose é administrada repetidamente, está ligado ao início e à permanência da dependência química. Então, nossa conclusão é que a supersensibilização dos receptores de dopamina favorece o desenvolvimento da sensibilização comportamental, o que faria com que um paciente com esquizofrenia, em tratamento ou após o tratamento, fique predisposto a se tornar dependente químico, caso faça uso de alguma droga”, explica Marinete.

O objetivo do projeto, segundo a pesquisadora, é verificar se dois dos antipsicóticos usados no tratamento da esquizofrenia, haloperidol e olanzapina, geram supersensibilização dos receptores de dopamina. Para isso, quatro grupos de ratos receberam diferentes doses, alta e baixa, desses fármacos, por 10 dias, o que representa um tratamento prolongado. Após um período sem nenhum tratamento, todos os animais foram submetidos a uma administração crônica com apomorfina. “Essa substância simula os efeitos das drogas, como euforia e inquietude, e atua nos mesmos receptores no organismo. Além disso, também, produz a sensibilização comportamental”, afirma.

Marinete conta que as análises foram feitas a partir das observações da atividade locomotora e do comportamento dos animais. Isso significa que quando os ratos apresentam mudanças bruscas de comportamento e intensa locomoção, pode-se concluir que houve supersensibilização dos receptores de dopamina e houve desenvolvimento de sensibilização comportamental.

“Nossos resultados mostram que a administração com doses, alta e baixa, de haloperidol gerou supersensibilização dos receptores de dopamina, sendo observado também o desenvolvimento da sensibilização comportamental. Já com a olanzapina, não obtivemos resultados significativos, o que demonstra pouco ou nenhum desenvolvimento tanto da supersensibilização dos receptores quanto da sensibilização comportamental”, relata a pesquisadora, ressaltando que o trabalho está sendo realizado com a participação de Flávia Regina Cruz Dias, bolsista de Treinamento e Capacitação Técnica (TCT), da FAPERJ, e com a colaboração do doutor Robert Carey, da State University of New York (Suny).

Cuidados especiais com a esquizofrenia

Para Marinete, apesar do impacto econômico, a esquizofrenia ainda é pouco conhecida pela sociedade, sempre cercada de muitos tabus e preconceitos. A teoria mais aceita para explicar as suas causas reúne fatores genéticos e ambientais. O paciente já teria genes predispostos a desenvolver a doença, que seriam ativados por condições e experiências de seu ambiente.

Entre os sintomas mais comuns estão alucinações, manias de perseguição e de conspiração, delírios, depressão e dificuldades de relacionamento social. A esquizofrenia não tem cura, mas com os cuidados adequados a pessoa pode se recuperar e voltar a viver uma vida normal.

O tratamento é feito não só por medicamento como também com psicoterapia e terapias ocupacionais. É muito importante que haja a conscientização da família que, por absorver a maior parte das tensões geradas pela doença, precisa conhecer e saber lidar com o paciente.

Marinete ressalta que os antipsicóticos representam um grande avanço no tratamento da esquizofrenia, com redução das internações psiquiátricas e melhor integração dos pacientes à sociedade. “Com o nosso estudo, não pretendemos condenar nenhum medicamento. Estamos, apenas, alertando para o uso consciente, o que deve ser feito com todo e qualquer medicamento”, conclui.

Por Elena Mandarim, da FAPERJ – Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro

EcoDebate, 23/08/2011

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