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É possível outro modelo para a Amazônia?

“Manter a floresta em pé e garantir crescimento sustentável é uma equação que nós, Homo sapiens agricola, não sabemos decifrar. Isso nunca foi necessário ao longo da expansão de nossa subespécie. Não evoluímos para isto. (…) Chegamos ao século XXI convencidos de que podemos tudo”. Mas, “se continuarmos a ser apenas modernos, não temos futuro. A solução não é ser pós-moderno. (…) O futuro da Amazônia e da nossa espécie depende de uma evolução sociocultural nova: a transformação de Homo sapiens agricola em Homo sapiens sustentabilis, em menos de uma década”. A afirmação de Charles R. Clement, do Inpa, é citada pelo jornalista Washington Novaes para quem estamos diante de “um desafio imenso, que não se resolverá na Amazônia sem incorporar a visão da sociedade, e não apenas a visão econômica e tecnológica”.

“Temos de repensar a estratégia de avançar sobre a Amazônia”, afirmam Pedro Bara Neto, mestre em engenharia e Claudio Maretti, doutor em geografia. Falando sobre Belo Monte, os professores dizem que “é verdade que o projeto já não é o mesmo de 20 anos atrás e juramos não fazer nenhuma outra represa Xingu acima. Mesmo assim, fomos apressados, descuidados, arrogantes, oportunistas, pouco transparentes e indiferentes”.

Segundo eles, “fomos apressados para utilizar o lançamento de um grande projeto como instrumento político. Pela pressa, nos arriscamos em saltos de etapas críticas, tais como uma confiável investigação geológica ou o consentimento prévio das populações indígenas. Fomos arrogantes em negar que o projeto tinha problemas, que não estava pronto para ser leiloado, que requisitos legais e compromissos internacionais estavam sendo feridos, que não podemos impor a modicidade tarifária com preços irreais, que não podemos criar consórcios na última hora, para depois deixar o País perplexo ante os que dela não quiseram participar como investidores”!

Agora, dizem os pesquisadores, “estamos sendo oportunistas em eleger as licenças ambientais como entrave para acelerar o crescimento da infraestrutura do País, a mesma aceleração que tanto colaborou para os deslizes de Belo Monte. Não estamos sendo transparentes ao lidar com as consequências desse processo no custo final do empreendimento, com os cuidados daqueles que devem assegurar os compromissos assumidos ou dos que têm acionistas ou controladores privados e vão ser cobrados pelo uso dos seus recursos. Não estamos sendo muito claros com o povo brasileiro, que corre o risco de pagar a conta das empresas públicas envolvidas nesse triste enredo”.

O mesmo equívoco que podemos estar cometendo com as usinas do Madeira e do Xingu pode estar em curso com a aprovação do novo Código Florestal. Segundo Carlos Eduardo Young especialista em Desenvolvimento Sustentável e Instrumentos Econômicos para o Meio Ambiente, “o Brasil não terá ganhos econômicos com a aprovação das alterações do Código Florestal, que aguarda votação no Senado”.

Segundo o pesquisador as mudanças no Código Florestal apresenta equívocos e um deles se refere à ideia de que o desmatamento gera crescimento econômico. Para ele, em vez de desmatar as florestas e áreas de preservação, o Brasil pode beneficiar-se economicamente se optar pela conservação ambiental. “Todos os setores devem ter produtos certificados como, por exemplo, madeira sustentável certificada. Também é possível investir no turismo com visitação de áreas de preservação. No setor pesqueiro, por outro lado, há um enorme potencial para produtos oriundos de áreas de conservação”, exemplifica.

Young lembra que, se aprovadas, as mudanças no Código Florestal terão impacto negativo na posição brasileira em relação às questões ambientais. “O Brasil está buscando um papel de liderança na discussão sobre as mudanças climáticas e o calcanhar de Aquiles brasileiro é justamente o desmatamento, o qual torna o país um dos maiores emissores de CO2 do mundo”.

Recordando a assinatura da Lei Áurea, que aboliu com a escravidão no Brasil, o economista ironiza: “Se dependesse do atual Congresso Nacional, a Lei Áurea jamais seria assinada. Usariam os mesmos argumentos: vão faltar alimentos, o Brasil vai quebrar porque não vai mais exportar café, os ex-escravos vão ficar sem moradia, comida e ‘emprego’, o agronegócio vai ser prejudicado por ‘gente da cidade’ que não entende nada do campo”.

Por outro lado, e corroborando a análise de Carlos Eduardo Young, o geógrafo Eduardo Girardi destaca que o Brasil pode continuar expandindo a produção agropecuária por um período de mais 20 anos, a uma taxa de 4% ao ano, sem precisar tocar na floresta amazônica. Ele se baseia em dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que apontavam em 1998 a existência de 55,8 milhões de hectares de terras da Amazônia Legal que poderiam ser exploradas mas não eram. Também considera que, entre 1998 e 2007, foram desflorestados na região 54,5 milhões de hectares – terras que se tornaram exploráveis – e que, entre 1996 e 2006, a área total de lavouras e de pastagens na mesma região foi ampliada em 23 milhões de hectares.

“Esses três dados nos permitem contradizer todo discurso que mencione a necessidade de desflorestamento na Amazônia, ou em qualquer outra região, para a obtenção de novas terras para a produção agropecuária”, diz Girardi. Para ele, a agropecuária pode continuar se expandindo com a melhor exploração das áreas já abertas. Essa deveria ser a preocupação deste e dos próximos governos, afirma.

A expansão do capitalismo na Amazônia coloca em xeque o conceito de desenvolvimento sustentável. Segundo Rogério Almeida, “o próprio conceito é um problema. Como combinar desenvolvimento, que prima pelo uso intensivo dos recursos naturais, com a sustentabilidade, que possui pressupostos em oposição ao desenvolvimentismo? Avalio que as populações locais devam ser os protagonistas dos modelos de desenvolvimento. Temos várias Amazônias. O projeto não pode ser homogêneo para toda a região. Até hoje, temos vivenciado projetos criados nos centros mais desenvolvidos. A nossa condição ainda é colonial nas mais variadas dimensões”.

Caráter “colonial” do modelo que é lembrado por Afonso Chagas artigo para o IHU. Segundo ele, “a Amazônia em todos os seus Estados, tem os mesmos aparelhos estatais de qualquer outro Estado da federação, legislativo, policial, judiciário e em todos, perpassa ainda esta perspectiva patrimonialista, patriarcal e podemos dizer ‘sulista’ de encarar a terra, a natureza, os povos da terra e os movimentos sociais que ainda resistem”. Em sua opinião, “qualquer ‘força-tarefa’ ou esforço de rever estratégia de colonização ou ‘corrida para a Amazônia’ deve ser precedido deste contexto, visão e talvez ‘mea-culpa\’. Sojicultoures, grandes pecuaristas e mandantes de muitas mortes, se criaram à partir desta região e visão ‘centro-sulista’ da Amazônia”.

Na opinião de dom Erwin Kräutler com as propostas atuais de exploração na Amazonia, “o Brasil está perdendo uma enorme chance de inovar”. Dom Erwin defende que “o Brasil poderia dar ao mundo um exemplo de cuidado mais esmerado com o meio-ambiente e, ao mesmo tempo, de avanço na busca de fontes alternativas de energia, como a energia solar e eólica”.

A Amazônia não pode ficar refém da lógica do desenvolvimentismo, o que não significa a ausência de uma ativa presença do Estado. O Estado, porém, deveria contribuir na perspectiva de interromper o ciclo de “abandono” a que as populações locais estão submetidas e junto a ela desenvolver formas de desenvolvimento menos invasivas, que procure conjugar qualidade de vida com sustentabilidade.

A análise da conjuntura da semana é uma (re)leitura das ‘Notícias do Dia’ publicadas, diariamente, no sítio do IHU. A análise é elaborada, em fina sintonia com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT – com sede em Curitiba, PR, parceiro estratégico do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

(Ecodebate, 13/06/2011) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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